Frida Kahlo (1907-1954) foi uma pintora mexicana considerada surrealista e conhecida por se inspirar na cultura popular do seu país, nas raízes indígenas e nas suas vivências como mulher e pessoa com deficiência para compor seus quadros. A vida e as obras da artista podem ser apresentadas aos alunos nos ensinos fundamental e médio, em diálogo com conteúdos de artes, história e sociologia, além de pautar discussões interdisciplinares sobre identidade, gênero, classe, raça e decolinialidade.
“Frida enfrentou uma poliomielite durante a infância, que a deixou com uma deficiência. Na adolescência, sofreu um acidente de ônibus que a imobilizou por anos. Esses incidentes a impulsionaram a pintar”, introduz a professora de artes da rede municipal de Itajaí (SC) Gisele Bazzotti.
Sua vida foi marcada por dores crônicas e complicações decorrentes de 35 cirurgias. O primeiro autorretrato da artista foi pintado deitada, com ajuda de um espelho posicionado sobre a cama. O casamento com o muralista Diego Rivera, que conheceu no Partido Comunista Mexicano, foi outro acontecimento importante na sua trajetória que também pautou muitas de suas obras.
Para a professora de sociologia do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) Michele Leão de Lima Ávila, apresentar a obra da artista aos alunos da educação básica é importante por representatividade. “Frida era uma mulher latina, de origem indígena e PCD, algo que muitas vezes é apagado. Ainda hoje há poucos quadros de pintoras com essas características e trajetórias nas exposições permanentes dos principais museus do mundo. Isso pode inspirar os alunos a verem que há percursos possíveis quando não se é branco, masculino, ou morador do centro”, pondera.
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Autorretratos nas aulas de artes
No ensino de artes, a obra de Frida Kahlo pode ser associada ao estudo do surrealismo, movimento artístico lançado em 1924 com forte inspirações nas ideias da psicanálise. Cenas irreais, valorização do inconsciente e pensamento livre foram algumas das características dessa vanguarda.
Além disso, Frida foi conhecia pelos seus retratos e autorretratos, o que pode motivar trabalho com os alunos de observação, reflexão e reprodução da sua própria imagem.
Para as séries iniciais , Bazzotti recomenda iniciar pela contação de história com o livro “Frida Kahlo” da coleção “Antiprincesas”, de Nadia Pink e Pitú Saá. Na sequência, apresente a obra “Viva la Vida” (1954).“O quadro retrata uma natureza morta com pedaços de melancia cortados e, surpreendentemente, é um autorretrato. Peça aos alunos que façam a releitura dela. Como é uma obra cheia de cores, elas se interessam”, compartilha Bazzotti.
Já com os estudantes dos anos finais do fundamental e do ensino médio, Bazzotti recomenda trabalhar a tela “As Duas Fridas” (1939) , onde a artista se retrata como pessoas em estados emocionais diferentes.“Ela pode levar o aluno a se autoanalisar e perceber suas emoções, além de poder pautar conversas sobre depressão, identidade de gênero, classe, etnia, feminicídio, dentre outros”, acrescenta .
Sociologia pode discutir desigualdades
Para o ensino de sociologia por meio da obra de Frida Kahlo, Ávila criou seis planos de aula para tratar desigualdades de gênero e capacitismo. Sobre gênero, é possível discutir estereótipos, hierarquias e questionar a divisão social dos espaços femininos e masculinos. Já no caso das pessoas com deficiência, ela indica abordar as disposições sociais desiguais dos corpos e seu papel político e simbólico.
“É possível questionar os alunos sobre quais papéis sociais e culturais subjetivos são impostos a mulheres latinas e também a pessoas com deficiência; e como esses papéis produzem desigualdades. Como nas suas primeiras entrevistas, em que Frida é colocada apenas como mulher do então renomado muralista Diego Rivera”, exemplifica Ávila.
Outros conteúdos que podem ser explorados são a forma como as indústrias cultural e de massa produziram uma espécie de “fridomania”, ou seja, exploraram sua imagem com uma base de fãs. Mas não raro apagando a pele escura e a condição de PCD da artista. “Um quarto ponto é o eurocentrismo, com Frida criticando a chamada Grigolândia em quadros e entrevistas”, aponta a professora.
Àvila ainda indica apresentar e discutir oito telas com os estudantes:
1) “As duas mulheres” (1929)
“Os retratos eram tradicionalmente dedicados às nobrezas e pessoas com status social. Já Frida coloca no centro as duas empregadas domésticas de sua mãe, trabalhadoras de origem indígena”, diz Ávila.
2) “Meus avós, meus pais e eu” (1936)
Frida faz sua genealogia e mostra a ascendência indígena, algo que costumava ser apagado e mal visto. “É como se dissesse: eu sou parte dessa população e estou produzindo arte”.
3) “Minha mãe e eu” (1937)
Retrata uma ama de leite e pode pautar debates sobre o mesmo processo ocorrido no Brasil, com mulheres de origem africana escravizadas. “Quais eram os laços sociais produzidos por meio dessa prática e suas problemáticas?”, questiona Ávila.
4) “Autorretrato na fronteira México e Estados Unidos” (1932)
Frida já apontava os conflitos violentos envolvendo as fronteiras dos dois países e a imigração, existentes até hoje.
5) “Aí penduro o meu vestido” (1933)
Crítica à colonialidade, mostra um cenário de metrópole norte-americana e no centro, um vestido tradicional mexicano.
6) “As duas Fridas” (1939)
“É interessante discutir também, dentro da sociologia, que povos indígenas habitam dois lugares e não deixam de ser quem eles são”.
7) “Autorretrato com cabelo cortado” (1940)
Por meio dele, pode-se discutir o que é lido socialmente como masculino e feminino.
8) “Viva la vida” (1954)
Último quadro pintado por Frida, depois de amputar uma perna e viver com dores físicas e imobilizada. “Deixa como mensagem que é possível valorizar a vida, mesmo com desafios e restrições”.
Revolução mexicana e crises imigratórias
Além de artes e sociologia, a obra de Frida Kahlo pode pautar projetos interdisciplinares. No campo da história, o professor Diego Ramalho Carloto propõe, em artigo, assinalar a relação entre Frida, sua arte e o período pós-Revolução Mexicana. “Frida nasceu em 1907 mas dizia ter nascido em 1910, que foi o ano da Revolução Mexicana, para se firmar como filha desta”, conta Ávila.
“Já em geografia, é possível abordar a violência nas fronteiras e conflitos imigratórios entre América Latina e Estados Unidos”, indica. Esse tema aparece na obra “Autorretrato na fronteira México e Estados Unidos” (1932).
Como materiais de apoio para o professor, Ávila indica o livro “Frida: A biografia”, de Hayden Herrera, e “O diário de Frida Kahlo: Um autorretrato íntimo”, que também conta com poemas e desenhos. Outra opção é o documentário feito pelo cineasta mexicano Jesus Manuel Munhoz chamado “Frida Kahlo – La Cinta Que Envuelve Una Bomba”.
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Atualizado em 13/03/2023, às 16h58