Imagens inconscientes e associadas livremente são características da obra de Salvador Dalí, principal nome do movimento surrealista cujo falecimento completa, em 2019, 30 anos.
“Na década de 20, em um momento em que a pintura figurativa era questionada pelo cubismo e pelo futurismo e cedia lugar à arte abstrata e baseada em formas geométricas, os surrealistas, com Dalí à frente, mostraram que ainda havia um campo inexplorado: o das imagens inconscientes”, conta o doutor em artes visuais e autor do livro “Uma brecha para o surrealismo”, Thiago Gil de Oliveira.
Os 30 anos de sua morte podem ser uma boa oportunidade para apresentar o artista aos alunos. “Para isso, é importante atentar para as alterações que ele propõe e o que tais imagens podem significar. O que um relógio derretido pode nos fazer pensar sobre o tempo?”, sugere Oliveira. “Além disso, é indicado analisar as relações entre os elementos retratados e para onde cada coisa foi deslocada”, complementa.
Em qual contexto histórico a obra de Salvador Dalí se desenvolveu?
Thiago Gil de Oliveira: Sua produção atravessa o século 20. Ele nasceu na região da Catalúnia e iniciou seus estudos na tradicional Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, em Madri. Depois de flertar com a pintura cubista e metafísica, integrou-se ao movimento surrealista em 1929, ao conhecer a liderança André Breton. Tornou-se um expoente da pintura surrealista, embora tenha atuado como escritor, poeta e colaborado com o diretor Luís Buñuel. Em 1940, durante a Segunda Guerra, ele e sua companheira Gala partiram para os Estados Unidos. Lá, realizou exposições, ilustrações para livros, cenografias de peças e colaborou com o diretor Alfred Hitchcock no filme “Quando Fala o Coração” (Spellbound), de 1945.
Quais as principais características de sua obra?
Oliveira: O caráter onírico. Suas pinturas abrem uma janela para outra realidade, na qual as leis que regem o mundo ‘objetivo’, como a gravidade, ficam em suspensão. Objetos, pessoas e ambientes podem se transformar, distorcer, flutuar e derreter. Seus quadros são como novelos de imagens, em que uma puxa a outra. A ideia de criar a partir de associações inconscientes, de assumir suas obsessões, paranoias e romper as fronteiras entre racional e irracional foi extremamente inovadora.
Há temas que se destacam?
Oliveira: As pinturas buscavam o contato com imagens inconscientes. Costumam girar em torno de um tema obsessivo (relógios derretidos, elefantes de pernas alongadas, muletas, gavetas e sua mulher Gala), que se desdobra em outras imagens por livre associação, como alucinações visuais produzidas durante um delírio. As cenas são geralmente ambientadas em desertos e rochedos inspirados no vilarejo de Cadaques, no litoral da Espanha. Pouco retratou cenários urbanos.
O que sua obra pode ensinar aos alunos da educação básica?
Oliveira: Que o mundo é, em parte construído, por nós. Ele não está totalmente dado: o fabricamos com base no que desejamos e não desejamos. Pode ensiná-los também que a realidade é mais maleável do que parece.
Ao que o professor deve se atentar ao abordar Dalí em sala de aula?
Oliveira: Vale destacar o que acontece com os objetos, os ambientes e as pessoas. Como eles aparecem e em que diferem do que seria o seu estado “normal”. É importante atentar para essas alterações e o que elas podem significar. O que um relógio derretido pode nos fazer pensar sobre o tempo? Além disso, é importante olhar para as relações entre as coisas, para onde foram deslocadas e com que outros elementos estão em contato.
Quais obras podem ser utilizadas para explicar o surrealismo?
Oliveira: “A persistência da memória” (1931), “A girafa em chamas” (1937), “Metamorfose de Narciso” (1937) e “A Tentação de Santo Antônio” (1946). Além dessas pinturas, creio que os filmes “Um cão andaluz” (Luís Buñuel) e “Quando Fala o Coração” (Alfred Hitchcock) podem ajudar a tornar uma aula sobre Dalí mais dinâmica.
Você indicaria alguma atividade pedagógica específica?
Oliveira: Estimular os alunos a reconhecerem em suas próprias experiências algo do que Dalí praticava em suas obras. Uma maneira é convidá-los a falar ou escrever livremente palavras que lhes vêem à mente diante de uma pintura do artista. Depois, podem compará-las ao seu título e conversar sobre as relações que surgiram desse exercício. Também se pode fazer o inverso: a partir de uma ou mais palavras desconexas, sugerir que criem desenhos por livre associação. Por fim, convide-os a observar no entorno situações em que os objetos aparecem deslocados de seu contexto usual e pedir que fotografem, desenhem ou descrevam em aula.
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Crédito da imagem: reprodução site MoMA.org