Dentre os gêneros textuais que podem ser apresentados na educação básica, o videoclipe permite explorar a cultura digital, promover a alfabetização audiovisual e ainda permite que as imagens trazidas em sua narrativa sejam utilizadas no ensino de conteúdos curriculares de disciplinas diversas.

“Por exemplo, um videoclipe que apresenta uma temática esportiva pode ser utilizado em uma aula de educação física”, exemplifica o doutor em ciências da educação pela Universidade de Montreal (Canadá) e professor da rede municipal de Cuiabá (MT) Marcos Godoi.

Ainda relevante para a juventude dos dias hoje, o videoclipe tem sua origem como fenômeno cultural na década de 1980. Seu nome se deu a partir da junção dos termos “vídeo” e “clipe”. “Clipe deriva de clipping que, em inglês, significa recorte, fazendo referência à técnica midiática de edição, por meio da qual as imagens são recortadas e justapostas em colagens, a fim de manter a forma de narrativa do gênero”, explica a doutora em estudos da linguagem pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) Eliza Adriana Sheuer Nantes.

Uma das características desse produto cultural é o uso de múltiplas linguagens – como imagem, som e texto – que devem ser exploradas pelo professor na hora de trazer um videoclipe à aula.“A grosso modo, o videoclipe é como um curta metragem audiovisual composto pela música, letra e imagens, geralmente produzido para fins promocionais e artísticos”, resume Godoi.

Ele ainda pode ser explorado em qualquer etapa de ensino, desde que o conteúdo trazido dialogue com a faixa etária da turma em questão. Antes de trazê-lo em aula, porém, é preciso que o professor estabeleça objetivos claros. “Um único videoclipe pode abordar múltiplas temáticas, com vários objetivos desmembrados. Aborde-os separadamente”, sugere Nantes.

A pesquisadora também orienta que o docente assista à produção com atenção. “Imagens são textos e produzem sentidos. Se for selecionado um videoclipe que tenha alguma forma de preconceito e violência, isso deve ser trabalhado de forma consciente e com uma finalidade bem direcionada desde a primeira abordagem”, enfatiza.
Em termos de atividades, Godoi recomenda rodas de conversa para os alunos exporem o que viram e sentiram ao assistirem ao videoclipe. “Passe mais de uma vez, pois é possível captar novos detalhes a cada nova vista”, sugere.
Vale ainda fazer uma leitura reflexiva da letra da música e pedir para os alunos criarem vídeos inspirados no videoclipe em questão. “Abra espaço para os alunos apresentarem os seus videoclipes preferidos”, sugere Nantes.

Videoclipes de Emicida

Para apresentar o gênero videoclipe aos alunos, Godoi e Nantes recomendam as obras do rapper brasileiro Emicida, conhecido por pautar questões sociais em suas produções.
“É papel da escola discutir temáticas reais. Nas cenas do videoclipe, o outro pode se reconhecer, redescobrir e reconstruir”, justifica Nantes.

emicida
Emicida (crédito: Wendy Andrade / Acervo Lab Fantasma)

A seguir, os professores compartilham formas de explorar dois videoclipes de Emicida: ‘AmarElo’ e ‘Aos olhos de uma criança’.

AmarElo

Com nove minutos de duração, AmarElo apresenta personagens que fazem parte de populações vulneráveis: pessoas negras, LGBTQIA+, com deficiência, mulheres e moradores da periferia. A construção mostra dificuldades cotidianas, mas também conquistas e empoderamento alcançados por meio do estudo, trabalho, esporte e artes.

A partir dessa narrativa, há pelo menos cinco possibilidades de discussão com os alunos do ensino médio ou dos últimos anos do fundamental 2, conforme sugere Godoi. A primeira delas é discutir os problemas sociais que afetam essas populações e o conceito de superação para além dos esforços individuais. “Questione os alunos: quais direitos e acesso à cidadania são negados a essas populações e quais violências elas sofrem? A superação é possível até que ponto?”, recomenda Godoi.

No canal oficial do rapper, há ainda um vídeo contando as histórias das pessoas que inspiraram a narrativa do videoclipe – material que pode ser explorado pelo professor. Entre eles, a professora de balé Tuany Nascimento, a estilista Lu Costa, o advogado Jalmyr Vieira e o dançarino Ronald Yuri.

O segundo ponto é discutir como a sociedade em geral enxerga e estereotipa o morador da periferia. “Um terceiro aspecto é que a música traz, no início, a voz de um jovem desabafando sobre os seus problemas”, explica Godoi. “Assim, é possível debater sobre o sofrimento psicológico da pessoa preta ou LGBTQIA+ nas periferias e sua relação com a campanha Setembro Amarelo de prevenção ao suicídio”, diz.

Um quarto aspecto seria trabalhar as metáforas da letra da música e das imagens. “Algumas chamam atenção para exclusão e sofrimento das pessoas oprimidas e outras buscam empoderá-las, abordando a potência delas. Ou seja, denuncia a opressão, mas também fala de resistência”, pondera.
Por fim, Godoi recomenda discutir a união do rapper com duas cantoras LGBTQIA+, Majur e a Pabblo Vittar, na gravação da música. “Pessoas de diferentes populações que são excluídas podem se unir para, fortalecidas, reivindicar mudanças sociais”, aponta ele, que narra o uso pedagógico do vídeo de AmarElo em um artigo científico com outros pesquisadores .

Aos olhos de uma criança

A música integra a trilha sonora da animação “O menino e o Mundo”, de Alê Abreu (2013). A infância é um tema em questão. “Emicida retrata simulacros da vida de muitas crianças brasileiras: a ausência do pai, a questão da pobreza e a desigualdade social. Isso é apresentado por meio da construção da produção cênica com as emoções, conflitos e dores, na ótica da criança”, aponta Nantes.

videoclipe emicida
Imagem do clipe ‘Aos olhos de uma criança’ (crédito: divulgação)

A narrativa pode gerar identificação entre os alunos e a partilha de histórias. “Independentemente de serem crianças, adolescentes ou jovens, todos têm sua história, sentimentos, emoções e vivenciam conflitos”, diz Nantes.

Este clipe permite que os professores explorem as técnicas cinematográficas utilizadas para a construção de sentidos. A combinação das cores, iluminação, gestos, posicionamento dos personagens e letra ajudam a criar o mundo do protagonista.“É importante mostrar que toda cena deste videoclipe é um texto, logo, tanto o contexto como as intertextualidades devem ser consideradas”, ressalta Nantes, que é autora do artigo “A multimodalidade na escola: análise do videoclipe ‘Aos olhos de uma criança’, de Emicida” (2018).

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História negra: documentário ‘Emicida: AmarElo – É tudo para Ontem’ pode ser usado em aula

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Atualizado em 24/02/2023, às 15h32

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