Desenvolvida na década de 1970 pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari, a esquizoanálise traz para a educação práticas criativas que estimulam a singularidade de cada aluno. Além disso, também propõe o respeito a toda e qualquer diferença que se manifestar no ambiente escolar.

“Alinhar isso a relações mais verticais entre professores e alunos e ao abandono da ideia de competição, de que o outro é meu inimigo, ajuda na prevenção e resolução de conflitos na escola”, destaca o professor do departamento de psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Francisco Estácio Neto.

Instituto Claro: O que é a esquizoanálise?

Francisco Estácio Neto: Primeiramente, ela não é uma abordagem teórica, mas um conjunto de conceitos que podem ser aplicados em diferentes situações sociais, como uma caixa de ferramentas. Ou seja, um conjunto de recursos teóricos que podem ser úteis nas mais diferentes abordagens. Foi desenvolvida na década de 1970 pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari, sendo este último também psicanalista. A dupla inaugurou a esquizoanálise ao propôs uma nova interpretação para os conceitos freudianos de inconsciente e de desejo.

Em quais aspectos Deleuze e Guattari divergiram de Sigmund Freud?

Estácio Neto: Inconsciente e desejo são compreendidos na esquizoanálise como sendo voltados mais para fora da pessoa do que para dentro. Para Freud, o inconsciente é interno ao sujeito e se expressa por meio de símbolos, como nos sonhos, ou mitos, como o complexo de Édipo. Por isso, exige que seja interpretado.

Já para Deleuze e Guattari o inconsciente não está apartado da vida social do sujeito e da sua realidade cotidiana, ele vai em direção à vida cotidiana da pessoa buscando constituir formas de vida diferentes das padronizadas de existência.

O desejo freudiano é interpretado como falta. Deleuze e Guattari vão resgatar filósofos como Espinoza e Nietzsche para apresentar um desejo que é expressivo e dinâmico. Engendra jeitos de ser, pensar e viver, sendo intensamente atravessado por acontecimentos do cotidiano. Desejo que também é propositivo: atua no mundo e busca novas formas de existir. Por isso, depende da ação da pessoa em fazer valer a sua singularidade.

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Além de desejo e inconsciente, outros conceitos da esquizoanálise podem colaborar com a prática do professor da educação básica?

Estácio Neto: Trazer para as aulas o que a dupla chamou de paradigma ético-estético-político. Ético porque se vincula aos valores universais, ligados aos direitos sociais e humanos, à diferença e ao diferente. Estético porque é ligado à criação e à invenção. Político por buscar eliminar o fascismo que mora dentro de cada um de nós, pois não somos constituídos nem só de bondade e nem só de maldade, mas dos dois. A luta de nossas vidas é buscar nossas virtudes e não o que nos enfraquece. Com isso, nos afasta de posições tradicionais de poder, segregação e verticalidade nas relações sociais, principalmente em sala de aula.

Como o professor pode aplicar tais princípios em sua prática?

Estácio Neto: Substituindo a memorização de conteúdos pela criatividade e inventividade e confiando nas capacidades cognitivas e afetivas dos alunos de resignificar os conhecidos adquiridos a partir da sua própria história de vida. Trocando, ainda, a verticalidade pela horizontalidade nas relações escolares e compreendendo que o processo de ensino- aprendizagem se dá não só de forma cognitiva, mas também por meio da construção de boas relações coletivas e interpessoais. Para que isso aconteça, insistir na visão de estudantes e professores como pessoas, a serem olhadas com afeto.

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Tais princípios podem colaborar com melhores relações no ambiente escolar?

Estácio Neto: Ao investir em posturas criativas em todas as etapas de ensino, que promovam a singularidade de cada um, caminha-se para um modelo de respeitar todas as diferenças presentes no ambiente escolar. Alinhar isso a relações mais verticais entre professores e alunos e ao abandono da ideia de competição, de que o outro é meu inimigo, ajuda na prevenção e resolução de conflitos na escola.

A esquizoanálise também pode ajudar nos atuais desafios da educação escolar?

Estácio Neto: Sim, por propor uma experimentação contínua do pensamento, a desconstrução de certezas cartesianas e ao ressignificar conceitos e práticas já consolidadas. Para completar, propõe uma aprendizagem autônoma, que prepara o aluno para criar suas próprias condições de pensamento e existência.

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Atualizado em 27/07/2021, às 16h56

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