As escolas ribeirinhas são uma modalidade inserida dentro da chamada educação do campo. “A categoria fica mais no âmbito dos movimentos e das identidades amazônicas. A depender de alguns estados, escolas em contato com o rio se consideram ribeirinhas”, explica o docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Claudio Gomes da Victoria. Entre suas particularidades estão classes majoritariamente multisseriadas e dificuldade de acesso da comunidade à cidade.

“Há também a vivência comunitária e de interação com a pesca, o roçado, a caça e a interferência do rio no cotidiano escolar”, complementa o professor. Ainda que os ciclos das águas sejam considerados na contagem dos dias letivos, não há o trabalho com pedagogia da alternância — modalidade que intercala um período de convivência na sala de aula com outro no campo.

Transporte escolar na comunidade Boas Novas (crédito: acervo pessoal)

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Quando fora da Amazônia, é possível encontrar escolas ribeirinhas com características distintas. “No Pantanal, nem sempre os moradores do rio formam comunidades, permanecendo isolados em áreas espaçadas”, conta a supervisora pedagógica da Escola Jatobazinho, do Instituto Acaia, Renata Americano. Localizada a 90 km de Corumbá (MS), ela abriga professores e alunos durante a semana, que moram no local.

“Para algumas crianças, chegar na escola exigiria cinco horas diárias de barco e duas andando de trator. Além do combustível dos barcos, que é caro e inviabilizaria os estudos”, relata Americano. “Elas chegam para o almoço de segunda e partem depois do almoço de sábado. A cada dois meses, há um recesso de duas semanas para ficarem com as famílias”, explica.

Confira: 6 links para conhecer a pedagogia da alternância

Pedagogia das águas

Entre os desafios das escolas ribeirinhas, Americano aponta livros didáticos que valorizam o meio urbano e não dialogam com a realidade das águas.  “Há publicações que retratam, por exemplo, o metrô”, exemplifica. A rotatividade de professores e a formação inicial sem foco em classes multisseriadas também interferem na aprendizagem.“Geralmente, são profissionais jovens que prestaram concurso e cujo trabalho em comunidades ribeirinhas não era a primeira opção”, detalha. “Eles saem das escolas seriadas e ficam perdidos. Precisam de formação”. Para orientar os professores, o curso de pedagogia da UFAM ganhou a disciplina Educação na Região Amazônica. “A proposta não é instrumentalizar o estudante com metodologias, mas debater a realidade educacional das escolas ribeirinhas e pensar ações e políticas públicas”, diferencia Da Victória.

Já as possibilidades pedagógicas estão nas culturas locais e saberes tradicionais. “Por exemplo, nas produções e trabalho das famílias com extrativismo, pesca e artesanato”, exemplifica a docente da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) Dayana Viviany Souza.

escolas ribeirinhas
Alunos e professores a caminho do transporte escolar (crédito: acervo pessoal/ Dayana Souza)

Em sua tese de doutorado, Souza  pesquisou como educadoras ribeirinhas, vindas das próprias comunidades, aproveitavam suas experiências nas práticas educativas. Para isso, ela acompanhou seis mulheres do município de Abaetetuba (PA) entre 2016 a 2019. “Elas nasceram, cresceram, cursaram pedagogia com foco em ribeirinhos e hoje trabalham nas suas comunidades”, relata. “Entendem o que seus alunos passam e usam seus conhecimentos para oferecer uma educação melhor do que a que tiveram”.

Educação comunitária

A distância geografia e a falta de luz e de internet foram desafios para os alunos de escolas ribeirinhas na pandemia. Na Escola Jatobazinho, os estudantes voltaram às suas casas. Contudo, um projeto para levar comida e professores para cada residência, uma vez por semana, passou a ser aplicado.

“Todas as madrugadas, saem três barcos com educadores e alimentos, já que a fome se tornou uma realidade. Cada professor fica um dia inteiro na casa do aluno, seguindo protocolos de segurança”, relata Americano. “Uma curiosidade é que os pais, muitos analfabetos, também se beneficiaram com a visita dos docentes”, diz a supervisora.

Para o futuro, Da Victória acredita que o desafio é que as escolas ribeirinhas, dentro da Modalidade Educação do Campo, possam criar uma identidade própria. “Ou seja, a construção de um currículo vivo, que dialogue com os saberes locais e pense uma educação comunitária”, conclui.

Veja mais:

Fechamento de escolas do campo no Pará desconsidera particularidades da região, dizem especialistas

Atualizada em 19/07/2021, às 10h03

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