O Brasil fechou mais de 37 mil escolas rurais entre 2002 e 2015. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o país teve queda de aproximadamente 102 mil estabelecimentos para 65 mil no período. De acordo com o professor da Universidade do Estado do Amazonas, José Camilo Ramos de Souza, o principal impacto do fechamento das escolas é o aumento da desigualdade educacional.

“O fechamento de uma escola obriga o aluno do campo a percorrer uma longa distância para estudar. Muitos abandonam os estudos por causa disso e da péssima oferta do transporte escolar”, pontua. “Dependendo da região, há apenas arremendos de estrada. Na Amazônia, por exemplo, algumas vias ficam intransitáveis quando chove”, complementa o professor da Universidade Federal do Pará, Salomão Mufarrej Hage.

O fechamento das escolas afeta, principalmente, o aluno dos ciclos finais da educação básica – momento no qual há menos ofertas de estabelecimentos de ensino e o número de evasão é maior. “A estimativa é que 65% das crianças do campo são atendidas na pré-escola, mas apenas 10% finalizam o ensino médio. Se esse jovem não voltar na EJA, ficará exilado do acesso à universidade ou a concurso públicos, por exemplo. Com isso, não há emancipação social e nem emancipação como sujeito”, decreta Hage.

Influência do agronegócio
Mas qual o motivo do fechamento das escolas rurais? Para a professora e diretora do Centro Transdisciplinar de Educação do Campo e Desenvolvimento Rural da Universidade de Brasília (UnB), Mônica Molina, é impossível separar o fenômeno dos problemas sociais relacionados ao agronegócio.
“A competitividade do Brasil como exportador de commodities é garantida também pelo baixo custo da força de trabalho e de seu baixíssimo nível de escolarização. O modelo agrícola do agronegócio não demanda a elevação da escolaridade do trabalhador do campo, beneficiando-se disso. Já existem teses de doutorado que comprovam a relação entre o avanço do agronegócio na região Centro-Oeste e o fechamento das escolas rurais nos mesmos espaços”, indica.
Para dificultar o fechamento das escolas rurais, indígenas e quilombolas, a então presidenta Dilma Rousseff sancionou  a lei 12.960/2014, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Desde então, o encerramento das atividades nessas instituições exige a manifestação de um órgão normativo do sistema de ensino, como os conselhos municipais de educação, ouvir a comunidade escolar e a apresentação de uma justificativa formal da Secretaria de Educação do Estado.
A Universidade Federal do Pará desenvolveu também um disk denúncia contra o fechamento, o telefone (91) 99191-7282. “Não teremos uma educação no campo com qualidade se não tivermos um campo com dignidade”, sintetiza Hage.
Para os três entrevistados, mudar a realidade do campo exige também maior articulação entre movimentos sociais, universidades e as gestões municipais e estaduais, assim como a manutenção das políticas pública já existentes. Atualmente, o Brasil conta com Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e o Programa de Apoio às Licenciaturas em Educação do Campo (Procampo). “Temos boas políticas, precisamos agora garantir que elas cheguem a todos e que não haja retrocessos”, defende Hage.
Falta de água à internet
Além do fechamento das escolas, a educação do campo enfrenta desafios de outras naturezas. “Em termos de infraestrutura, 76% não contam com laboratório de informática; 83,9% estão sem internet; 11,2% sem energia elétrica e 13,5% sem água potável”, aponta Mônica Molina. A maioria das comunidades não possuem professores, o que exige o deslocamento de profissionais temporários. As turmas são multisseriais e os materiais didáticos não contemplam as diversidades regionais. “A sociodiversidade no campo é grande. Há comunidades extrativistas, quilombolas, ribeirinhas, escolas em fazenda, no mangue. Um único modelo não contempla todos”, ressalta Hage.
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