O fazer matemático é geralmente relacionado ao silêncio e a prática individual. Contudo, transformar essa dinâmica beneficia alunos e educadores, como aponta a docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Ana Carolina Faustino.

Ex-professora da rede pública e autora da tese de doutorado “Como você chegou a esse resultado?: o diálogo nas aulas de matemática dos anos iniciais do ensino fundamental” (2018), ela aponta como ganhos dessa prática o envolvimentos dos estudantes em seu processo de aprendizagem e o respeito à diversidade.

“Ao compartilhar as diferentes estratégias utilizadas em uma tarefa, os alunos ampliam seu repertório. Além disso, o professor valoriza os conhecimentos que eles trazem à escola”, destaca. “Os estudantes também aprendem que há diversos caminhos para resolver um problema. Que a sua visão de mundo não é ‘a única’, ‘a verdadeira’, mas uma das formas possíveis.”

Confira mais sobre o tema na entrevista com a docente:

“Diálogo sobre estratégias de resolução permite que alunos entendam que há diversos caminhos para resolver um problema”, diz a professora Ana Carolina Faustino (crédito: arquivo pessoal)

 

Como o diálogo pode ser benéfico na aprendizagem de matemática?

Ana Carolina Faustino: As crianças aprendem matemática nas relações estabelecidas na aula, contribuindo para uma postura democrática e de respeito à diversidade. Ao compartilhar diferentes estratégias utilizadas na tarefa, ampliam seu repertório. Além disso, o professor valoriza os conhecimentos trazidos pelos alunos e a aula deixa de ser centralizada nele para focar no fazer matemático da criança, nas suas visões de mundo e como essa se relaciona com o objeto. O professor continua explicando, mas partirá do que a turma traz, unindo isso ao conhecimento acadêmico.

O diálogo entre alunos com seus pares ou com o docente é algo recorrente no ensino da disciplina?

Faustino: Encontramos muitas aulas centralizadas na figura do professor e sem espaço para interação. Mas há um esforço de educadores da disciplina em mostrar a importância da argumentação, do compartilhamento de diferentes perspectivas durante as aulas e sua relação com a aprendizagem de conceitos.

Há especificidades no diálogo entre crianças de diferentes etapas?

Faustino: Sim, no momento de escolher a perspectiva que o grupo seguirá. Depois que os alunos compartilharam suas estratégias e as defenderam utilizando argumentos matemáticos, é escolhida aquela que representará o grupo. Ela pode ser uma síntese do que foi apresentado ou a resposta de um deles. Como os estudantes dos anos iniciais estão aprendendo a dialogar, a escolha pode ser um desafio. Em todos os casos, é importante ajudá-los a compreenderem que a perspectiva selecionada é resultado do trabalho cooperativo e que ninguém “ganha ou perde”. Assim, aprenderão a escolher de forma dialógica e associada à construção coletiva, desvinculada de um caráter individual e competitivo.

A forma como a aula e a sala são organizadas condicionam a comunicação?

Faustino: Sim. Organizar a aula em torno do livro-texto, com interação centralizada no educador, estudantes em fileiras e com pouca responsabilidade pela aprendizagem condiciona uma “comunicação sanduíche”. Nela, professor pergunta, aluno responde e esse profissional avalia usando, geralmente, “certo” ou “errado”. Um modelo estimulado pela pressão por seguir o currículo. O educador sente que levou o conteúdo à turma e, independente se o aprendizado aconteceu, o tópico é tido como ensinado e segue-se ao próximo. Além disso, salas superlotadas dificultam o trabalho docente e impactam na interação.

O padrão “sanduíche”, porém, é insuficiente. Construir um conhecimento crítico requer que os estudantes não sigam apenas a visão do professor, mas estabeleçam suas conjecturas, interajam abertamente e tenham espaço para a criação, não somente reprodução.

Há orientações para favorecer a comunicação na aula de matemática?

Faustino: Olhe as produções das crianças buscando compreender os caminhos utilizados, independente se o resultado está “correto” ou “errado”. A correção é um processo em que essas produções são revisitadas para que, a partir dela, o professor dialogue. Incentive momentos em que os grupos compartilhem as diferentes estratégias utilizadas em uma mesma tarefa. As regras de interação devem ser claras, ajudando os alunos a diferenciar conversa na aula e diálogo sobre matemática, uma vez que o fazer matemático, para eles, está associado ao treino individual. Trabalhar com projetos também favorece o diálogo e papel ativo dos estudantes.

Você poderia relatar uma experiência?

Faustino: Ao lecionar nos anos iniciais, busquei que as crianças percebessem que o fazer matemático pode estar associado ao silêncio ou à comunicação, mas que essa não pode ser sobre qualquer assunto. Podíamos dialogar sobre o raciocínio matemático e estratégias de resolução. Assim, solicitei como tarefa de casa a subtração 230-25. Ao lado, elas escreveriam os caminhos utilizados para a resposta, como se contassem para alguém que não sabia fazer a conta. Na sequência, pediriam para uma pessoa que morava com elas fazerem o mesmo. Na aula seguinte, dialogamos sobre todas as formas que apareceram: cálculo mental; algoritmo da subtração; da troca entre as ordens; e compensação. Os alunos notaram que havia diversos caminhos e que a sua visão de mundo não era “a única”, “a verdadeira”, mas uma das formas possíveis.

Veja mais:
5 perguntas sobre aprendizagem entre pares
7 perguntas sobre a metodologia ativa de aprendizagem “World Café”
Pedagogia de projetos coloca aluno no centro da resolução de problemas
Pesquisar uso da matemática na profissão dos pais aproxima alunos da disciplina

Crédito da imagem principal: LanaStock – iStock

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