As histórias em quadrinhos são gêneros textuais que combinam imagem e texto para abordar um determinado tema de maneira crítica, motivo pelo qual podem ser utilizadas na educação financeira, como aponta a mestra em educação matemática e tecnológica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Kariny Michelly Silva de Oliveira.
“A mesma tirinha estimula diferentes interpretações entre os estudantes e possibilita ensinar uma educação financeira crítica, ou seja, que fala não apenas de dinheiro, mas de pessoas e temáticas cotidiana, como sustentabilidade, economia doméstica, consumo, consumismo, influências das mídias e propagandas no desejo, valor do dinheiro etc.”, explica.
Essa é a mesma opinião do doutor em educação e professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) Nilton José Neves Cordeiro.
“Os quadrinhos podem ser usados no ensino da educação financeira devido à sua popularidade, dinamismo e fácil entendimento, atrativos que colaboram com a interpretação de contextos sobre propaganda, dinheiro, consumo, entre outros. São temáticas que permeiam nosso dia a dia desde quando crianças”, destaca o docente.
Diferenciando os gêneros
Segundo Oliveira, é importante o professor diferenciar o gênero tirinha dos quadrinhos antes de apresentar o recurso.
“As tirinhas narram histórias curtas e visam transmitir uma mensagem de maneira rápida. Elas geralmente possuem um caráter mais sarcástico e crítico também. Já os quadrinhos permitem uma narrativa longa e aprofundar temas”, lembra Oliveira.
Confira abaixo duas experiências que utilizaram as tirinhas do personagens Armandinho, do cartunista Alexandre Beck, e uma revista especial da Turma da Mônica, de Maurício de Sousa, para desenvolver uma educação financeira crítica no ensino fundamental I.
Armandinho e a publicidade
Na dissertação “Potencialidades de histórias em quadrinhos e tirinhas para o trabalho com educação financeira no 5º ano do ensino fundamental” (2023), Oliveira utilizou com os alunos uma tirinha do Armandinho em que ele, assistindo à televisão, comenta: “Algumas propagandas são doidas, parecem que tentam me convencer a querer algo que não preciso” (página 70). A partir dela, a docente trabalhou a influência das propagandas e das mídias no consumo. “Primeiro, levante com as crianças hipóteses sobre o que elas estão vendo. Qual a expressão do personagem? O que ele está vendo na televisão e por que pensou aquilo”, sugere a professora.
A partir dessa discussão inicial, Oliveira diferenciou o consumo – que é necessário – do consumismo, que envolve desejo. “O consumismo gera excesso de descarte, produção de lixo, resíduos e problemas ambientais. Ou seja, permite trabalhar a educação financeira dentro de um contexto social e cultural”, acrescenta Oliveira.
No segundo momento da atividade, os alunos trouxeram propagandas de supermercados encontradas em revistas e jornais, diferenciando as exageradas (“doidas”) das justas.
Na sequência, a professora trouxe propagandas e preços da versão atual do Iphone e de antigas versões. Foi discutido por que a empresa lançava novas versões do smartphone anualmente, as características de cada modelo e seus respectivos preços. “Os alunos refletiram: “Eu preciso comprar algo por ser moda? Meus pais têm esse dinheiro?”, apresenta.
Na última etapa, os alunos construíram a propaganda exagerada de um produto e criaram suas próprias tirinhas com recortes de jornal. “Se a escola tiver acesso a computadores e internet, é possível também usar o aplicativo Pixton nessa atividade”, sugere Oliveira. “Nesse momento, os estudantes também podem entender melhor o que são as tirinhas, a função dos balões, a necessidade de desenhar um personagem com fisionomia e expressando sentimentos, a função dos cenários e das onomatopeias na narrativa”, recomenda a docente.
Turma da Mônica e o sistema monetário
No artigo “O uso de histórias em quadrinhos para o ensino de educação financeira no ciclo de alfabetização” (2019), Cordeiro apresenta três sugestões de atividades usando o gibi gratuito “Meu Bolso Feliz”, da Turma da Monica para o Sistema de Proteção ao Crédito (SPC). O foco foram os estudantes dos três primeiros anos do ensino fundamental I. “A primeira HQ foca o Sistema Monetário Brasileiro, abordando o reconhecimento e manuseio de cédulas e moedas, buscando uma familiarização com o dinheiro. Ainda discute o que é troco, o uso consciente do dinheiro e o ato de guardá-lo”, explica o professor.
A segunda traz à tona o significado de semanada e mesada, assim como a importância de priorizar gastos e estimar preços. “A última [terceira sugestão] ressalta a pesquisa de preços, negociação e desconto e compras por impulso”, completa Cordeiro.
Após a leitura, o docente indica usar perguntas disparadoras com os estudantes. “Elas se configuram como situações problemas que levam à reflexão”, justifica. Por exemplo, em uma das histórias, o pai da Magali lhe dá um dinheiro por semana e sugere itens que ela possa comprar. “Estimule os alunos a responderem se eles achariam justo receber uma ‘semanada’. Por quê? De quanto seria? Quem prefere escrever com caneta e lápis? Alguém já viu alguma caneta com várias cores? Será que se gasta a mesma quantia na compra de qualquer picolé?”, apresenta. “É interessante também simular o recebimento de semanada com os alunos, com dinheiro de brinquedo e idealizando preços para diferentes bens”, indica.
Para Cordeiro, ao final, o aluno deve ter entendido o dinheiro como fruto do trabalho e detentor de valor; que as coisas custam dinheiro e que estes preços variam. “Devem ser fomentadas ideias de economizar, de fazer um planejamento para realizações futuras, de que o consumo faz parte do dia a dia e ter vontade de ter e comprar algo é natural. Porém, o imediatismo e a irresponsabilidade em consumir podem prejudicar ela, família e sociedade”, finaliza.
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Crédito da imagem: andresr – Getty Images