Os alunos do ensino médio costumam se engajar em literatura sobre vampiros, cujo apelo midiático transborda a literatura e atinge cinema, séries, jogos e quadrinhos.

“O fato de o vampiro estar sempre em evidência e se reinventando para refletir o momento presente o torna atrativo ao público adolescente que, ademais, é cativado por essa tensão entre carisma e perigo tão frequentemente corporificada por esse personagem”, explica o doutor em literatura de línguas inglesas e professor do Colégio Pedro II, Thiago Sardenberg.

Por esse motivo, o docente vê na literatura vampiresca uma forma de deixar o ensino da língua inglesa mais significativo para os estudantes.

“Com alunos minimamente engajados na leitura, é mais fácil trabalhar com uma diversa gama de questões lexicais, estruturais, semânticas ou mesmo culturais”, defende.

Em entrevista, Sardenberg indica como usar as narrativas sobre vampiros para ensinar conteúdos curriculares deste idioma para os secundaristas.

Quais obras sobre vampiros você indica para o professor de língua inglesa do ensino médio trabalhar?

Thiago Sardenberg: Como temos tempo limitado, é aconselhável usar pequenos contos, poemas ou trechos selecionados de romances – especialmente aqueles com os quais os alunos já estejam familiarizados, ainda que por meio de adaptações. Trazer esse conhecimento prévio é válido, especialmente quando lidamos com uma língua estrangeira, pois confere confiança ao leitor.

Um exemplo de sugestão prática seria trabalhar com trechos selecionados do romance I Am Legend – que tem uma adaptação cinematográfica bastante popular, Eu Sou a Lenda. No capítulo 1, por exemplo, a descrição da rotina do personagem principal é significativa, pois ele se encontra refugiado dentro de sua própria casa.

Se sabemos, de antemão, que se trata de uma narrativa distópica, pós-apocalíptica, podemos nos ater aos pequenos detalhes que evocam esse cenário mais amplo. É possível, ademais, explorar as conexões com certos aspectos de vivências associadas ao período de isolamento da covid-19, bem como as repercussões na saúde mental das pessoas.

Em outro trecho rico, no capítulo 17, o autor se debruça sobre o porquê de os vampiros serem repelidos por objetos sagrados – já que, na narrativa, eles são explicados cientificamente por meio de um patógeno que desencadeia uma pandemia. Ele convida a uma discussão sobre temas como a religião e o ódio de si mesmo, que permanecem relevantes.

Quais vocabulários da língua inglesa podem ser explorados?

Sardenberg: Na obra mencionada, o narrador frequentemente faz uso do tempo passado para descrever as ações do personagem principal. Assim, temos uma grande variedade de verbos e expressões indicativas de passado a ser explorada. Outro caminho é fazer um trabalho orientado pelos vocábulos usados para caracterizar o vampiro, que ajuda a ampliar o repertório lexical dos alunos.

Quais tipos de atividades são sugeridas?

Sardenberg: Seria válido iniciar com uma atividade de pré-leitura, onde os alunos possam fazer um brainstorming de coisas que costumamos relacionar aos vampiros. Durante a leitura, eles poderiam verificar quais aspectos foram ou não abordados. Após a leitura, fora as atividades mencionadas explorando tempos verbais utilizados e léxico, pode-se trabalhar interpretação do texto. Um exemplo: buscar entender a postura do narrador/personagem em relação aos vampiros e vice-versa, selecionando trechos da narrativa que apoiem a resposta. E, por fim, abordar os temas mais amplos que a narrativa evoca.

Com quais temas do currículo dessa etapa ela pode ser associada?

Sardenberg: Os vampiros nada mais são que reflexos de nós mesmos em um dado momento no tempo e espaço. Por isso, são formas originais de refletirmos criticamente sobre as sociedades, sempre em movimento. Isso se conecta com competências preconizadas para as linguagens no  ensino médio, como a análise e compreensão das circunstâncias sociais, históricas e ideológicas em que se dão práticas e discursos. A arte é uma das maneiras pelas quais podemos fomentar esse olhar crítico e contextualizado.

Nessa interface de ensino de inglês e literatura vampiresca, também é possível abordar o empoderamento feminino?

Sardenberg: Sim. Nossos vampiros trazem à tona tensões sociais, e um olhar diacrônico para a literatura vampiresca revela os lugares ocupados pelas mulheres. Se pensarmos no gótico vitoriano, por exemplo, vemos uma maior inflexibilidade de papeis de gênero e uma persistente submissão feminina ao patriarcado, desde a figura paterna até o marido. A própria sexualidade da mulher era frequentemente equacionada ao “mal” e ao “perigoso” nessas narrativas.

As vampiras transgrediam esses lugares de passividade: eram vistas como monstruosas, e o sentimento de atração que costumavam causar era geralmente acompanhado pela repulsa masculina. Por outro lado, percebemos que, por meio do vampirismo, havia liberdade para deixar aflorar o que antes nelas era reprimido, uma forma de empoderamento que confrontava o patriarcado.

Quais obras e recortes você indicaria nesse caso?

Sardenberg: Essa seria uma oportunidade para trabalhar com o maior clássico da literatura vampiresca, “Drácula”. É interessante observar e contrapor as caracterizações de Mina e Lucy – as mulheres vitorianas idealizadas, virtuosas e imaculadas –  com as das vampiras que habitam o castelo de Drácula. Elas colocam o hóspede de Drácula, noivo de Mina, em uma posição de passividade e resignação bastante incomum para um homem da época.

Podemos, então, perceber o processo de ressignificação pelo qual passa Lucy depois que Drácula a “contamina”. O vampirismo catalisa traços reprimidos de sua personalidade, antes apenas sugeridos ou confidenciados à amiga Mina. Note que não é uma questão de se tornar algo diferente do que já se é. Com a ruptura das amarras sociais facilitada pelo vampirismo, Lucy é empoderada – algo percebido como abominável naquele meio. Mais do que uma ameaça à integridade física, o vampirismo, na verdade, era perigoso como ameaça moral.

Em suma, se buscarmos o que está além da superfície – onde ficam as cruzes, caixões e litros de sangue que costumam permear essas narrativas –, poderemos encontrar uma série de questões diversas, complexas e que muitas vezes desafiam o status quo. 

Veja mais:

6 formas de ensinar a língua inglesa pela perspectiva decolonial

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