O Brasil recebeu uma intensa imigração japonesa a partir de 1908, fazendo do país, atualmente, a maior colônia de japoneses e descendentes fora do território nipônico.

“Se fizermos um exercício e lembrarmos da época de escola, a maioria das pessoas recordará que havia um nikkei (descendente de japonês) em sua turma”, conta a mestre pela pós-graduação em docência para educação básica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Cecília Massako Nomiso.

“Além disso, diversos elementos culturais japoneses foram incorporados no país, como o karatê, o origami e produtos como a kabocha (abóbora japonesa)”, exemplifica.  

Porém, apesar de presente no dia a dia do país, a cultura japonesa é pouco trabalhada pedagogicamente na escola. 

“Uma abordagem multiculturalista na educação básica exige abrir espaço no currículo para a cultura de outros povos que constituem o Brasil, além dos povos originários, africanos e colonizadores”, explica Nomiso, que é autora da dissertação “Possibilidades da cultura japonesa na prática pedagógica: um caso a ser estudado” (2022).

Valores e contação de histórias

Para os primeiros anos do ensino fundamental I, Nomiso indica trabalhar valores contidos no monozukuri (saber fazer) — termo japonês relacionado ao conceito de “artesanato” ou “manufatura”. Esta filosofia voltada à produção de artigos enfatiza valores como aprimoramento contínuo e atenção aos detalhes.

“O monozukuri reforça o fazer manual e o aprender por observação. Em um momento em que a criança está desenvolvendo suas capacidades e habilidades cognitivas e psicomotoras, esse tipo de abordagem pode auxiliar no seu desenvolvimento”, sugere a pesquisadora. 

Também podem ser apresentadas lendas japonesas que enfatizam valores como honestidade, bondade, empatia e harmonia com o outro. Nesse caso, podem ser trabalhadas duas ferramentas da cultura japonesa como o kawariehon e o kamishibai.

“Elas exploram a criação, raciocínio lógico e desenvolvimento de habilidades socioemocionais por meio da contação de histórias”, justifica.

Kawariehon é um livro ilustrado articulado feito com uma folha de papel dobrada, cortada e presa com dois pedaços de fita adesiva. Em sua dissertação, Nomiso elaborou um quadro explicando como construí-lo e utilizá-lo, assim como um vídeo

“Esse recurso lúdico permite contar, em quatro cenas ou atos, histórias, outros gêneros literários e diversos conteúdos pedagógicos como contagem, cores, formas, fenômenos da natureza, rimas e canções”, descreve.

“Seu manuseio encanta e desperta a curiosidade de quem o vê pela primeira vez, ao tentar-se descobrir de onde saem as imagens”, destaca.  

Antes de iniciar o trabalho com a turma, a professora indica apresentar modelos prontos para os alunos entenderem seu funcionamento. Depois disso, pode-se construir com eles uma pequena história por meio de desenhos, atentando-os para a importância da sequência lógica dos atos.

“Podemos explorar a construção da estrutura e habilidades de reconto, interpretação, reorganização e síntese de fatos a serem contados em quatro atos”.

“Além disso, o kawariehon pode ser usado como ferramenta para ensino de outras disciplinas e conteúdos”, esclarece a pesquisadora. 

Teatro japonês

Kamishibai é a arte de contar histórias com o teatro japonês de papel. Ela pode utilizar contos japoneses (mukashibanashi), de outros países ou criados para ensinar algum conteúdo escolar específico. 

O Kamishibai é composto por três elementos: o kamishibaiya, que é o contador de história ou narrador; butai, espécie de palco que possuí a estrutura de madeira no formato de uma maleta com alça e três portas frontais; e o hyōushigi, que são bastões de madeira utilizados como instrumentos para chamar a atenção do público antes de iniciar a sessão. Ele pode ser substituído por tambores, pandeiros e guizos.

“O Kamishibaiya é o responsável por organizar a plateia, o espaço, o butai e contar a história. Antigamente, também vendia doces e aconselhava as crianças antes das apresentações”, conta a pesquisadora.

Kamishibai também permite uma abordagem interdisciplinar. “Acompanhei uma professora de língua portuguesa que trabalhou a representação dos gêneros textuais diversos junto ao professor de arte, resultando em diferentes kamishibai produzidos pelas crianças”, compartilha.

Crianças possuem conhecimentos prévios 

Segundo a pesquisadora, a sequência didática pode começar com um levantamento prévio dos conhecimentos das crianças sobre a cultura japonesa. 

“Por exemplo, mencionar animes como Dragon Ball aproxima os alunos da temática. Sem saber, eles já vivenciaram lendas japonesas como urashima tarō, via mestre Kame, mentor do personagem Goku; e a lenda de Sun Wukong que, assim como Goku, é um macaco com sua nuvem dourada”, relata. 

Também vale buscar atividades e eventos desenvolvidos pela comunidade de descendentes japoneses na cidade. 

“No caso de Bauru (SP), onde realizei a pesquisa, as crianças conhecem a igreja Tenrikyō e atividades culturais como o bon-odori e undō-kai, realizadas pela Associação Nipo-brasileira do município. Também conhecem comidas como sushi, yakisoba e mochi”, acrescenta.

Para saber mais sobre como trabalhar pedagogicamente elementos da cultura japonesa na educação básica, Nomiso indica os trabalhos de pesquisadoras como Tizuko Kishimoto, Maria do Carmo Kobayashi, Márcia Namekata e Mami Ueno, além de materiais disponibilizados pela Fundação Japão. 

“Nas redes sociais, sugiro grupos como Kamishibai Connections, Kamishibai for Kids, Mar de Histórias em Kamishibai e Cia Koi que desenvolvem eventos e materiais inspiradores”, aponta.

Sobre os cuidados, Nomiso indica aos professores evitarem comparar diferentes culturas, exotizar a cultura japonesa ou se apoiar em estereótipos. 

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