A Lei nº 14.986/2024 incluiu na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) a obrigatoriedade de trabalhar com os alunos abordagens fundamentadas nas experiências e perspectivas femininas. A lei também instituiu a Semana de Valorização de Mulheres que Fizeram História, a ser realizada na segunda semana do mês de março nas escolas.

Doutora em psicologia escolar e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Roseli Caldas foi orientadora do projeto interdisciplinar Mulheres na História, aplicado a  alunos do ensino médio em aulas de história e língua portuguesa.

“A proposta era apresentar algumas mulheres cujos maridos eram conhecidos e elas não, mas eram parte importante do processo histórico, como Frida Kahlo, Anita Garibaldi, Dandara dos Palmares, entre outras”, relata.

Para ela, a semana temática pode melhorar as relações de gênero no interior da escola e formar uma nova geração para a igualdade.

“Durante o projeto, alunos relataram melhora na relação com a mãe, no entendimento da luta das mulheres. É um caminho de transformação social”, analisa.

Para a mestre no ensino de história Carla Martins de Oliveira, a Semana ajuda a conscientizar que avanços nas condições das mulheres só ocorreram por sua mobilização e luta.

“Não há descolamento entre o antes e o depois: vivemos a continuidade na busca por igualdade de direitos. A semana temática deve reconhecer a história de luta e organizar para transformar o hoje”, opina.

Mestre em ensino de história e professora da rede estadual do Rio Grande do Sul, Viviane Moreira aponta que a semana pode ajudar a criar espaços de memória.

“É preciso lembrar que memória não é única, mas um campo em disputa. As mulheres sempre estiveram na história: é impossível imaginar um espaço sem mulheres. Porém, foram silenciadas”, conclui.

Continuidade das discussões

Semanas temáticas são importantes para pontuar um assunto, mas as discussões devem ter continuidade ao longo do ano, explica Caldas. “Devem-se aproveitar as oportunidades que aparecem no período letivo para abordar o papel das mulheres na história”.

Em relação às atividades, Moreira lembra que elas dependem da realidade e do contexto escolar. Mas palestras, debates, oficinas de pesquisa, visitas a museus e expressões artísticas, como dramatização, podem ser incorporadas.

A seguir, as professoras listam 11 possibilidades de atividades e orientações sobre como criar a Semana de Valorização de Mulheres que Fizeram História. Confira!

1) Pesquise espaços sociais com nomes de mulheres

“Quantas ruas no município receberam o nome de mulheres e quem elas foram?”, sugere Moreira. As homenagens a homens na cidade também podem indicar casos de silenciamento feminino, a serem discutidos com os alunos. “Por exemplo, a escola em que atuo foi criada por uma mulher, mas recebeu o nome de seu marido”, compartilha Moreira.

2) Trabalhe as biografias de mulheres da comunidade

A atividade ajuda a perceber as mulheres da comunidade também como ‘sujeitas da história’, conforme explica Moreira.

“O objetivo é entrevistar e trazer a história de vida delas, que apresentarão memórias que foram importantes. Isso ajuda a trazer fontes históricas às vezes desvalorizadas, como cartas e outros elementos do cotidiano da entrevistada. Depois disso, é possível criar roteiros e biografias com a turma”.

3) Crie um museu com objetos

A atividade também ajuda a entender as mulheres da comunidade como protagonistas da história. “A partir dos objetos, pode-se questionar o que os alunos admiram nas mulheres da sua família”, assinala Caldas.

4) Proponha a escrita de contos

No projeto coordenado por Caldas, professores de história apresentavam mulheres que foram importantes no período histórico estudado; e, nas aulas de língua portuguesa, os alunos desenvolviam contos sobre elas.

“Também trazíamos discussões sobre temas maiores relacionados com a história de determinadas mulheres. Por exemplo, em um debate sobre beleza, foi abordada a biografia de Frida Kahlo, segundo Caldas. “Os contos dos estudantes viraram dois livros, com ilustrações também realizadas por eles”, compartilha.

5) Destaque mulheres em diferentes momentos históricos

É possível destacar mulheres que foram importantes em diferentes momentos históricos, como na resistência à ditadura militar brasileira (1964-1985) e na independência do Brasil.

Autora da dissertação “O Protagonismo das mulheres na história: proposta metodológica para o ensino fundamental”, Oliveira trabalhou como as mulheres brasileiras se mobilizaram em torno da última Constituinte.

“Ou seja, como esse movimento contribuiu para o crescimento político das mulheres e também da sociedade em geral”, aponta.

6) Destaque mulheres em cada campo de saber

Professores das diferentes disciplinas podem destacar mulheres que foram importantes em seu campo de saber, como matemáticas, geógrafas, químicas, físicas, historiadoras etc. “Isso serve de referência e modelo para meninas e meninos, ajudando inclusive na escolha profissional”, justifica Caldas.

Moreira lembra que muitas das narrativas de cientistas e escritoras podem conter casos de silenciamento feminino. “A escritora, professora e primeira deputada estadual negra Antonieta de Barros teve que mudar seu nome ao publicar para não sofrer consequências no campo da literatura”, exemplifica.

7) Nos anos iniciais, explore mulheres em diferentes profissões

Moreira explica que meninas de até seis anos conseguem se imaginar em qualquer profissão. “Conforme crescem, elas começam a escolher profissões consideradas femininas”, descreve. Contra isso, ela sugere trabalhar biografias infantis de mulheres que ocupam diferentes lugares na sociedade com estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental.

8) Nos anos finais, associe passado e presente

Nos anos finais do ensino fundamental, Moreira busca trabalhar como mecanismos sociais atuaram e atuam sobre as mulheres. Para isso, ela desenvolveu o site “Mulheres na história”, que traz a biografia de 16 mulheres do período colonial, entre elas, indígenas. O material é fruto da sua dissertação e está disponível gratuitamente para professores.

“Muitas das biografias dialogam com a realidade das alunas, como as de mulheres que sofreram perseguição da Igreja ou que não puderam vivenciar uma orientação sexual não heterossexual”, revela.

“Uma aluna lésbica, cujos pais não a aceitavam, veio me relatar que havia se identificado com as histórias. Ainda vivemos em um momento de preconceito”, relata.

9) No ensino médio, use autobiografias

“A escrita de si ajuda as alunas a se perceberem como sujeitas das suas próprias histórias e a refletirem sobre o contexto dos quais fazem parte, assim como suas escolhas, objetivos, desejos e identidades”, orienta Moreira.

“Isso também faz com que essas mulheres valorizem guardar seus registros, como diários, cartas, cadernos e pensamentos, que são fontes históricas”, adiciona.

10) Apresente mulheres de diferentes raças e etnias

Caldas lembra que apresentar mulheres de diferentes raças e etnias aos alunos amplia a percepção sobre representatividade, questiona estereótipos e fortalece o respeito às diferenças.

Além disso, ajudam a trabalhar a interseccionalidade, ou seja, como diferentes formas de opressão, como racismo, sexismo e classismo, cruzam-se e impactam a vida das pessoas.

Moreira indica apresentar mulheres negras e indígenas também da contemporaneidade. “Por exemplo, nomes como a escritora Eliane Potiguara e a historiadora Beatriz Nascimento”.

 11) Ajude os alunos a questionar estereótipos

Muitas mulheres importantes na história foram retratadas de forma estereotipada. Caso, por exemplo, de Cleópatra, rainha do Egito. “Muitas mulheres são lembradas dentro da forma como os homens a retratavam, dentro da dicotomia de santa ou sedutora, ardilosa”, exemplifica Moreira.

“Para não cair em armadilhas sexistas, é necessário analisar com os alunos marcadores sociais e de gênero na narrativa. Por exemplo, quem está retratando essa mulher é um homem ou outra mulher? Qual o lugar social que a pessoa que relata ocupa?”, ensina Moreira.

Veja mais:

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Crédito da imagem: Manny Becerra – Unsplash

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