Elaborar a biografia de mulheres que foram perseguidas pela ditadura militar brasileira (1964-1985) ajuda alunos a entenderem esse período e o papel de mulheres como agentes históricos. A indicação é da professora Andrea Luysa dos Reis Santos, autora da dissertação “Lúcia Maria de Souza, mulheres militantes e ditadura militar: narrativas vivenciais no ensino de história” (2023).

Durante quatro oficinas, ela convidou alunos do terceiro ano do ensino médio da escola Sesi São Gonçalo (RJ) a pesquisarem em fontes históricas sobre mulheres perseguidas pelo regime, para que então escrevessem fichas bibliográficas e minibiografias.

“A partir das biografias é possível compreender partes dos acontecimentos históricos do período. Conta-se o período histórico a partir das histórias dessas mulheres”, diz a professora.

O trabalho também ajudou a reverter apagamentos relacionados às mulheres na ditadura militar brasileira. “A ideia foi construir uma atividade em que estudantes pudessem elaborar narrativas históricas nas quais as mulheres são protagonistas”, explica Santos, que indica a atividade também para turmas do nono ano do ensino fundamental.

Mulheres famosas e anônimas

Na primeira oficina, Santos abordou com os estudantes percepções sobre a presença e ausência de mulheres no ensino de história. Já no segundo encontro, os estudantes foram convidados a selecionar as mulheres que atuaram no período ditatorial que gostariam de pesquisar.

“Ressaltei que as escolhas deles evidenciam uma seleção, e qualquer seleção é composta de subjetividade daqueles que a fazem”, descreve.

A escolha inicial da turma foi por mulheres conhecidas, que contavam com mais informações em diferentes acervos. A listagem previa abrangeu Clara Charf, Dilma Rousseff, Elis Regina, Iara Iavelberg, Zuleika (Zuzu) Angel Jones e Inês Etienne Romeu.

“Eles afirmavam que a escolha estava baseada na quantidade de notícias e fontes que achavam na primeira busca”, relata.

Conforme foram se aprofundando em fontes históricas diversas, nomes de militantes anônimas começaram a surgir, como Maria Amélia de Almeida Teles, Arabela Pereira Madalena, Dora Lúcia de Lima Bertúlio, Edna Maria Santos Roland, Helenira Rezende de Souza Nazareth, Maria do Espírito Santo Tavares dos Santos, Jessie Jane e Lúcia Maria de Souza – esta última, da mesma cidade dos alunos. Conhecida como Sônia, ela nasceu em São Gonçalo em 1944 e lutou na guerrilha do Araguaia.

“Uma aluna conseguiu perceber um apagamento em relação à história de Lúcia Maria, atribuindo a falta de informação ao fato de ser uma mulher preta e de São Gonçalo”, compartilha a professora.

Ainda sobre mulheres importantes na luta pela abertura democrática no período, Santos destaca também ser possível trabalhar a biografia da ativista Eunice Paiva (1929–2018), cuja história é retratada no filme “Ainda estou aqui” (2024).

Em 1971, após o sequestro e assassinato do marido, o ex-deputado Rubens Paiva, pelo regime militar, Eunice foi presa. Nos anos seguintes, ela se formou em direito e lutou pelos direitos dos desaparecidos políticos e indígenas.

“Pode-se destacar Paiva como uma militante engajada na busca por informações e documentos e ativa em relação aos direitos humanos”, aponta Santos.

“O filme traz a narrativa da vida da família para contar uma parte da triste história da ditadura. Trata as questões dos desaparecidos políticos e do sofrimento das famílias que perdem seus entes”, complementa ela.

“A escolha dos nomes a serem trabalhados, porém, depende da escolha dos alunos e dos objetivos de cada professor”, ressalta.

Aprendendo sobre fontes históricas

Após os alunos listarem os nomes das militantes a serem pesquisados, Santos destacou, em uma terceira oficina, quais fontes históricas utilizar para a construção das fichas bibliográficas e biografias. Os alunos trabalharam com os seguintes repositórios digitais:

Ao final, a turma optou por biografar a conterrânea Lúcia Maria de Souza. “Acredito que o trabalho com o uso de narrativas vivenciais no ensino de história funciona como uma forma de acessar tempos, histórias e lugares onde as pessoas biografadas estavam situadas e contar a história partindo dessas referências”, explica Santos.

“Além disso, a utilização de biografias em sala de aula humaniza o conteúdo porque permite uma aproximação com o cotidiano dos estudantes, favorecendo que eles se reconheçam como sujeitos históricos, cujas ações individuais podem modificar contextos”, finaliza a professora.

Veja mais:

Relatos da Comissão Nacional da Verdade ajudam a explicar ditadura militar em sala de aula

Obra de Henfil ajuda a entender ditadura militar e geografia do Nordeste

Filme “Meu nome é Gal” ajuda a ensinar sobre a ditadura no Brasil

Carlos Lamarca: personagem ajuda a contextualizar período repressivo da ditadura

11 orientações para promover um ensino de história decolonial

Redemocratização: dos militares à eleição direta

Crédito da imagem: Tânia Rêgo – Agência Brasil

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Talvez Você Também Goste

Confira 13 dicas para um ensino de sociologia decolonial 

Professores orientam como incorporar às aulas os saberes de populações invisibilizadas e dos próprios alunos

Diretrizes Curriculares Nacionais: como estudar para concursos?

Especialista explica atualizações recentes das DCNs e principais pegadinhas em provas para professores

Influência indígena nas festas juninas: trabalhe o tema em história

Antropólogo destaca alimentos à base de milho como herança Tupi-Guarani que virou tradição nas celebrações

Receba NossasNovidades

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.