Há 50 anos, o então militar Carlos Lamarca deixava o exército para entrar na clandestinidade. Em 24 de janeiro de 1969, ele abandonava as Forças Armadas para liderar a fuga de um grupo de militares do 4o Regimento de Infantaria, em Osasco (SP). A partir daí, se tornaria um dos principais líderes da esquerda revolucionária e alvo da repressão.

Segundo o doutor em história social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e criador do site História da Ditadura, Paulo Cesar Gomes, trazer a figura do ex-militar para a sala de aula ajuda o professor a contextualizar o período mais duro da ditadura, ocorrido após o decreto do AI-5, em dezembro de 1968. Porém, é necessário superar a dicotomia mocinho ou vilão na hora de estudá-lo.

“O papel dos historiadores e professores de história não é julgar o passado e seus personagens, mas buscar compreendê-los dentro da realidade que viveram”, analisa.

A trajetória de Carlos Lamarca dialoga com qual momento da ditadura militar no Brasil?

Paulo Cesar Gomes: Sua atuação política está relacionada ao período mais duro da ditadura, iniciado após o decreto do AI-5, em dezembro de 1968. As forças repressivas passaram a se sofisticar para perseguir os grupos da esquerda armada. Em meados da década de 1970, todos esses grupos já estavam dizimados.

Quais pontos que o professor de história deve considerar ao trazer esse personagem para a sala de aula?

Gomes: Um dos principais desafios de um professor de história é inserir os personagens que leva para sala de aula no contexto histórico em que estes viveram. No caso de Lamarca, é preciso ressaltar que o mundo estava em plena Guerra Fria e, portanto, divido entre países capitalistas e socialistas, liderados pelos Estados Unidos e pela União Soviética, respectivamente. Da mesma forma, não se pode deixar de lado a força dos ideais revolucionários em vigor naquele momento em diversas partes do globo. Os grupos da esquerda armada inspiraram-se nesses princípios de transformação social para enfrentar a ditadura militar. Cabe ainda mostrar aos alunos a desproporcionalidade entre a potência do aparato repressivo do Estado e o poder desses grupos, além de que os militantes de esquerda poderiam ter sido combatidos pelo governo dentro da legalidade, isto é, sem serem assassinados, barbaramente torturados ou banidos do país.

Em tempos de polarizações políticas, você vê uma tentativa de apagar os personagens que fizeram frente à ditadura? Por que isso acontece?

Gomes: As polarizações empobrecem o debate, porque nos impedem de ver as nuances da realidade. A verdade histórica é sempre complexa e é impossível compreender o passado de maneira simplista. Observa-se o crescimento da defesa de políticas autoritárias tanto por nossos governantes como por determinados setores sociais. O autoritarismo busca impor um pensamento único e não suporta críticas, por isso, a verdade histórica incomoda tanto os líderes autoritários. Não é à toa que há um esforço oficial de falsear ou mesmo negar determinados períodos da história brasileira, como é o caso da ditadura militar, com o intuito de justificar o arbítrio do Estado tanto no passado como no presente. Em momentos como agora, a educação crítica, da qual a história é um dos pilares, torna-se ainda mais importante.

Independente se Lamarca foi vilão ou mocinho, porque é importante estudá-lo?

Gomes: O papel dos historiadores e professores de história não é julgar o passado e seus personagens, mas buscar compreendê-los dentro da realidade que viveram. A compreensão histórica fica empobrecida se buscamos encaixá-la no binômio algozes e vítimas. Independente das simpatias pessoais, ele liderou uma ala importante da esquerda armada e provocou uma intensa mobilização militar para reprimi-la. Analisar sua trajetória nos ajuda a compreender a época em que viveu, as escolhas que o contexto histórico permitiam fazer e como, de fato, ele optou por agir.

Veja mais:
Obra de Henfil ajuda a entender ditadura militar e geografia do Nordeste
Filmes e livros sobre ditadura e anistia estão disponíveis gratuitamente

Crédito da imagem: Print do curta “Carlos Lamarca Herói ou Bandido?”

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