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O filme “Meu nome é Gal” retrata parte da trajetória da cantora brasileira Gal Costa e vai do momento em que a então jovem artista viaja de Salvador (BA) ao Rio de Janeiro (SP) para investir na carreira até o momento em que a intérprete se torna uma das vozes da Tropicália, movimento cultural brasileiro que envolveu a música e outras formas de arte, como cinema, teatro e poesia.

De acordo com o doutor em história política e bens culturais pela Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e professor na secretaria municipal de educação do Rio de Janeiro Felipe Castanho Ribeiro, o filme tem elementos que podem ser usados pedagogicamente.

“Falar sobre o filme ‘Meu Nome é Gal’ não é apenas pensar no filme que retrata a vida de uma das cantoras mais brilhantes que o nosso país já teve, mas também é um filme que retrata a ditadura civil-militar a partir do ano de 1964. E o filme tem algumas passagens boas que podem ser trabalhadas em sala de aula. É possível contextualizar como a questão cultural era tratada, assim como a própria repressão do período”, explica.

A arte é uma forma de mobilizar e sensibilizar estudantes para o assunto, argumenta a historiadora e coordenadora da área de memória, verdade e justiça do Instituto Vladimir Herzog, Gabrielle Abreu.

“E tematicamente falando, o filme biográfico da Gal ensina aspectos importantes da história da ditadura militar, como a importância da cultura naquele contexto, a resistência que artistas de diferentes áreas de atuação empreenderam contra o regime militar; o quanto essas expressões artísticas também foram afetadas pelas políticas repressivas”, contextualiza.

“É superimportante essas retratações, essas representações midiáticas do período, sobretudo essas que são ligadas a grandes personalidades públicas, porque elas ajudam a conferir uma certa materialidade àquele fato histórico. Nos ajuda a compreender mais o período, porque de alguma forma nos aproxima daquela narrativa”, completa a historiadora.

Clique no botão acima e assista à íntegra do podcast.

Crédito da imagem: Cena do filme “Meu nome é Gal” – Stella Carvalho/Divulgação

Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Felipe Castanho Ribeiro:

Falar sobre o filme ‘Meu Nome é Gal’, não é apenas pensar no filme que retrata a vida de uma das cantoras mais brilhantes que o nosso país já teve, mas “Meu Nome é Gal” também é um filme que retrata a ditadura civil-militar a partir do ano de 1964. E o filme tem algumas passagens boas para que possam ser trabalhadas, né, em sala de aula. É possível contextualizar como a questão cultural era tratada, assim como a própria repressão do período.

Meu nome é Felipe Castanho Ribeiro. Eu sou doutor em história política e bens culturais pela Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas e professor na Secretaria Municipal de educação da cidade do Rio de Janeiro.

Gabrielle Abreu:

O período da ditadura militar já foi amplamente retratado em diversas produções artísticas, sejam elas do cinema, do teatro, da música e até mesmo em telenovelas. É superimportante essas retratações, essas representações midiáticas do período, sobretudo essas que são ligadas a grandes personalidades públicas, porque elas ajudam a conferir uma certa materialidade àquele fato histórico, né? Nos ajuda a compreender mais o período, porque de alguma forma nos aproxima daquela narrativa. A arte tem bastante dessa capacidade de nos mobilizar, de nos sensibilizar.

Eu sou Gabrielle Abreu, sou historiadora, mestre em história comparada. Atualmente, eu coordeno a área de memória, verdade e justiça do Instituto Vladimir Herzog.

Vinheta: Instituto Claro – Educação

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

O filme “Meu Nome é Gal” retrata desde o início da carreira da cantora até o momento em que ela se torna uma importante voz do movimento Tropicalista, entre meados da década de 1960 e o início dos anos 70. É o período em que a ditatura civil-militar se estabelece no Brasil. Para Gabrielle Abreu, o filme pode ser um bom auxílio para tratar do assunto em aulas de história.

Gabrielle Abreu:

A ditadura militar brasileira, ela é um evento histórico muito complexo, que reúne diferentes etapas. Talvez uma das fases mais complexas de serem compreendidas seja justamente esse momento de recrudescimento do regime militar, onde a violência, de fato, se institucionaliza e acaba sendo redirecionada para toda e qualquer oposição ao regime militar.

E tematicamente falando, o filme biográfico da Gal ensina aspectos importantes da história da ditadura militar, como a importância da cultura naquele contexto, a resistência que artistas de diferentes áreas de atuação empreenderam contra o regime militar; o quanto essas expressões artísticas também foram afetadas pelas políticas repressivas.

Áudio do trailer do filme, com música “Aquarela do Brasil” (de Ary Barroso), de fundo:

(som de notícia no rádio do carro) O inimigo se destaca: professor, defensor da democracia, intelectual avançado…

Marcelo Abud:

Felipe Castanho Ribeiro apresenta e comenta como algumas cenas do filme podem auxiliar em sala de aula. O primeiro momento escolhido é considerado por ele uma forma de gerar interesse para o tema a partir de um fato curioso.

Felipe Castanho Ribeiro:

É uma passagem em que tem uma reunião, né, para escolher o nome artístico, que era a Maria da Graça ou Gracinha, como ela era conhecida. Para os mais íntimos era Gau com ‘u’ no final e quando o produtor Guilherme Araújo sugeriu que Maria da Graça parecia até um nome de cantora de fado português, o Guilherme Araújo sugeriu esse nome, né, que ela era tratada pelos mais íntimos, como Gal. Sendo que com a última letra seria o ‘L’, não o ‘u’, porque o ‘L’ deixaria um nome mais feminino. E o Caetano Veloso, na época, não gostou, protestou contra esse nome, primeiro porque Gal é uma abreviação, né, de general. E o Costa, né, a gente estava vivendo um período de endurecimento do regime civil-militar sob o governo do presidente Costa e Silva. Então seria Gal de general e ainda o Costa do presidente militar Costa e Silva, que inclusive participou indiretamente da própria elaboração de alguns dos atos institucionais mais repressivos, vamos colocar assim.

Áudio do trailer do filme:

(Guilherme) Maria da Graça morre hoje.

Sobe som da música “Meu Nome é Gal” (Erasmo Carlos / Roberto Carlos)

Gabrielle Abreu:

E o filme, por retratar de maneira mais enfática justamente esse recorte temporal, sem dúvida nenhuma, ajuda os adolescentes que estão nas escolas a compreenderem ainda mais essas múltiplas facetas do regime militar. É bastante interessante, porque ele mostra o nascimento de um dos movimentos culturais, artísticos e políticos também mais importantes da história do Brasil e que se colocou como uma oposição, como um contraponto direto ao regime militar. E aqui eu me refiro ao movimento tropicalista, o movimento da Tropicália.

Marcelo Abud:

Ribeiro cita o momento do filme que dá ideia do endurecimento da ditadura e que é considerado o início da Tropicália. É a cena em que Caetano Veloso se apresenta na fase paulista do 3º Festival Internacional da Canção, no teatro da PUC, de São Paulo, o Tuca, em 1968, com a música “É Proibido Proibir”.

Felipe Castanho Ribeiro:

Caetano Veloso traz inovações: utilização da guitarra elétrica e um visual que, para parte do público ali, se apresentou como um visual exótico, dentro de uma perspectiva conservadora, que de alguma maneira predominava em certos setores da sociedade civil. E Caetano passa a ser vaiado, e isso alimenta a sua indignação com o conservadorismo, tem um discurso bastante contrário repudiando esse conservadorismo, e numa das frases mais marcantes, ele chega a afirmar, né: “Se vocês em política forem como são estéticas, estamos feitos”.

Trecho do áudio em que Caetano discursa diante da plateia do Tuca, em 1968: E eu digo “Não ao não! E eu digo ‘Proibido proibir!’, fora do tom, sem melodia!”

Felipe Castanho Ribeiro:

Essa passagem também é encontrada no filme, e inclusive posteriormente o Gilberto Gil e o Caetano vão ser presos, após a criação e a instituição do Ato Institucional nº 5, que é tido como um dos piores atos institucionais durante a ditadura civil-militar. Essa passagem é colocada como um momento de inflexão pra Gal Costa, que decide se posicionar cada vez mais contra a ditadura, se tornando porta-voz de músicas do Tropicalismo, de um movimento cultural que se insurge contra a situação política da época.

Então o filme ‘Meu Nome é Gal’ serve como excelente plano de fundo para contextualização de maneira pedagógica, didática, sobretudo quando nós colocamos, né, usamos o filme com outras ferramentas, como o site ‘Memórias da Ditadura’.

Marcelo Abud:

Para Gabrielle Abreu, toda produção artística referente ao período da ditadura civil-militar é importante para conferir materialidade a esse período histórico.

Gabrielle Abreu:

Praticamente todas elas, claro, a depender de classificação indicativa e tudo mais, são instrumentos, são insumos interessantes para se considerar em sala de aula, para, de certa forma, transportar os estudantes àquele período. Hoje a gente vive numa democracia, ainda que muito frágil. Falar em repressão, falar em violência perpetrada pelo Estado brasileiro, é uma questão um pouco mais árida e de difícil penetração nesse segmento, né, em crianças e adolescentes. Então, a produção fílmica, a reprodução artística daquele período ajuda muito esses estudantes a se transportarem àquele período e entendê-lo em todas as suas dimensões de maneira mais qualificada.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo:

Marcelo Abud:

Segundo Gabrielle Abreu, a fase em que a ditadura civil-militar se agrava, retratada em “Meu Nome é Gal”, é um momento-chave para entender essa fase da história do Brasil. Para ela, o filme pode estimular o debate e aumentar o interesse de estudantes pelo assunto.

Marcelo Abud para o podcast de educação do Instituto Claro.

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