Telas, quadros e pinturas históricas são importantes para o processo de ensino de conteúdos curriculares da disciplina de história.

“Pinturas ajudam o aluno a reconstruir mentalmente processos históricos e como se deu aquele acontecimento que está sendo estudado”, justifica o mestre pela pós-graduação profissional em ensino de história da Universidade Federal de Sergipe (UFS)

Humberto Ferreira Silva. Ele é autor da dissertação “Lectio imago: ensino de história por meio das pinturas históricas” (2021).

Conheça agora nove tópicos sobre uma pintura histórica que devem ser considerados na hora de associá-la ao ensino de história.

1) Procedência

Para Silva, o primeiro passo é professor e alunos localizarem o tempo em que a pintura foi produzida, quem a produziu e para quem ela foi feita. “Pinturas históricas eram geralmente encomendadas e produzidas para retratar eventos específicos, ou seja, possuíam uma intenção”, explica.

Além disso, nem sempre a pintura foi feita no mesmo período daquele acontecimento que ela representa. “Caso, por exemplo, da tela de Pedro Américo encomendada por [D.] Pedro II para a retratar o processo de independência do Brasil, que tinha seu pai como personagem principal. Havia uma intenção de retratar o pai como herói”, acrescenta.

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   Quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo (crédito: reprodução/domínio público)

Ainda na investigação sobre procedência da obra, a mestre profissional no ensino de história pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) Valesca Giordano Litz lista algumas perguntas que podem ser respondidas pela cartilha “O uso da imagem no ensino de história” (2009). Entre elas, estão: por quem essa pintura foi elaborada? Onde? Quando? Como foi sua conservação? Existe alguma inscrição em seu corpo?

2) Finalidade

Silva explica que as pinturas são frequentemente fruto da elite dominante que comandava os acontecimentos no período. “Elas são construídas para representar eventos históricos a partir do ponto de vista deles e para ressaltar algumas características, como poder”, contextualiza.

Ele cita como exemplo o caso de Napoleão Bonaparte. “Ele encomendou inúmeras telas para representar a sua presença e liderança. Como resultado, ainda hoje a imagem dele com chapéu e mão dentro do casaco está no imaginário coletivo”, conta o professor.

Silva explica que o docente pode começar a análise da pintura pensando em qual seria imagem que o artista queria que os outros vissem. “Por exemplo, ao retratar Napoleão em seu cavalo, o objetivo é destacar a força e o poder dessa figura histórica. No entanto, o artista não tem controle sobre como cada pessoa interpreta a imagem”, acrescenta.

3) Não há neutralidade na pintura

Silva lembra que, ao estudar finalidade, é possível enxergar que não há neutralidade neste tipo de documento histórico.

“As pinturas são projetadas para moldar a percepção de um determinado evento histórico e educar visualmente o público. Portanto, é importante abordar documentos históricos, incluindo pinturas, com um olhar crítico e considerar as intenções por trás de sua criação”, aponta.

Em sua cartilha, Litz reforça que a pintura foi concebida por alguém em determinado contexto, ideologia, tempo e espaço.

“As imagens não devem ser consideradas simples reflexos de suas épocas e lugares, mas sim extensões dos contextos sociais em que elas foram produzidas e, como tal, devem ser submetidas a uma minuciosa análise, principalmente de seus conteúdos subjetivos”, completa.

4) Elementos distribuídos na espacialidade

Cada elemento em uma pintura histórica é colocado intencionalmente em um espaço, como centro e laterais. Nada é deixado ao acaso, como lembra Silva.

“Costumo usar como exemplo com os alunos um álbum de casamento. O posicionamento de uma noiva no centro de uma foto é importante, pois direcionará o olhar do espectador para ela, que é o elemento mais significativo. O mesmo ocorre na pintura”, conta.

Além disso, o professor estimula os alunos a analisarem os elementos laterais e os que estão ao fundo

“Mesmo que sutil, cada escolha de elemento contribui para a mensagem geral da pintura. Mas, para isso, deve analisar esse quadro em relação à cultura do período em que foi feito. Por que, por exemplo, pessoas negras não estão em posição central no período da escravatura? ”, questiona o docente.

Segundo Silva, os professores podem ir além do que é evidente à primeira vista, examinando os detalhes da imagem, incluindo vestimentas e posturas dos personagens. “A partir disso, pode-se estabelecer conexões entre o presente e o passado”, sugere.

“Por exemplo, a presença de uma mulher em uma reunião de discussão pode não ser evidente à primeira vista, mas isso pode levantar questões sobre o papel das mulheres na política da época e nos dias de hoje”, complementa.

5) Simbolismos

As pinturas históricas podem usar elementos como símbolos ou alegorias de uma questão maior.

“Os objetos reconhecíveis, mesmo pintados em detalhe, não representam apenas eles mesmos, mas conceitos de significado mais profundo ou mais abstrato. Para entendê-los, é preciso compreender a sociedade, o contexto histórico e o artista que os criaram”, ressalta Litz em sua pesquisa.

6) Tema

Segundo Litz, o tema da pintura é um elemento relativamente fácil de identificar. Entretanto, algumas perguntas ajudam a chegar até ele, como: possui título? Existem pessoas retratadas? Quem são, como se vestem e se portam? Percebe-se hierarquia na representação? Que objetos são retratados? Como aparecem? Que tipo de paisagem aparece? Qual é o tempo retratado? Há indícios de tempo histórico na representação? É possível identificar práticas sociais?

7) Legenda

É importante conhecer as características das obras com as quais o professor irá trabalhar, como autores, técnicas e materiais utilizados. Essas informações sobre a estrutura formal da obra costumam estar na legenda.

“É comum que as pessoas se concentrem apenas na imagem principal e não leiam a legenda, que fornece informações importantes sobre o contexto em que a pintura foi criada”, afirma Silva.

8) Moldura

A análise da moldura também é um elemento que traz informações sobre a intenção da obra.

“Esse elemento pode dizer muito sobre o poder de quem encomendou a pintura. O tamanho e o estilo da moldura podem enfatizar a importância do tema retratado, ajudando na compreensão completa da obra”, pontua o professor de história.

9) Interpretação pessoal

Silva conta que os alunos trazem perspectivas únicas nas interpretações pessoais da obra. Além disso, eles analisam o quadro partir de um contexto social e histórico diferente do período em que a pintura foi criada, trazendo novas informações.

”Se você vê alguma coisa sozinho, acredite nela – não importa o que digam. Se você não consegue ver, não acredite. Cada pessoa tem o direito de levar para uma obra de arte o que quiser levar através de sua visão e de sua experiência, e guardar o que decidir guardar, no nível pessoal”, sugere Litz em sua cartilha.

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Crédito da imagem: quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo / Reprodução / Domínio público

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