Alguns alunos dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA) possuem características que tornam mais desafiador o ensino do pensamento matemático. “É necessário ao professor pensar propostas para os alunos autistas alcancem novas formas de interação e comunicação, já que se trata da aprendizagem de um tipo de linguagem também: a linguagem matemática. Essa é composta por símbolos, algoritmos e processos”, explica o mestre em matemática e professor do Instituto Singularidades Elton Andrade Viana.
Assim como ocorre com os não-autistas, nem todos os alunos dentro do espectro são iguais entre si. Há aqueles com maior ou menor facilidade em aprender matemática. Por esse motivo, a primeira dica é conhecer o repertório prévio do aluno com TEA junto à família dele antes de partir para as atividades.
“Pode-se investigar como é sua atenção, se possui alguma área de interesse ou hiperfoco (como gosto por um objeto, tema ou cor especifica) e suas potencialidades. Também se a classe na qual estuda é adequada ou com muito barulho e estímulos”, elenca a mestranda em educação e especialista em ensino de autistas Aline Alcântara.
Outra orientação geral é oferecer atividades de complexidade crescente, visando manter a atenção do aluno por mais tempo e evitar frustrações. “Use fala objetiva, comandos simples, períodos curtos de atividades, instruções por movimentos, no caso de autistas não-verbais que reproduzem gestos. Por sua vez, o ambiente deve ser confortável e as atividades prazerosas, para o estudante não associar a aula com uma experiência negativa”, indica a pedagoga e doutora em linguística Soraya Gonçalves Celestino.
A seguir, confira oito estratégias dos professores especialistas em autismo sobre como ensinar matemática para esses alunos.
1) Tente evitar frustrações
“Todos aprendem pelo erro, porém alguns alunos autistas podem reagir mal à frustração. Isso pode desencadear crises e rejeição à atividade”, alerta Alcântara. “Assim, deixe passar o erro e continue a atividade para não atrapalhar a concentração, fazendo as correções todas ao final. Além disso, se ele avançou e cumpriu o que era proposto naquele dia, encerre a atividade, evitando desgaste emocional”, aconselha.
Para minimizar a possibilidade de erro, a professora indica destacar em negrito informações importantes nos enunciados de problemas e, no caso de questões de múltipla escolha, trazer poucas alternativas.
“Coloque uma certa e outra absurda. Lembrando de usar enunciados curtos, objetivos, com exemplos cotidianos dele”, orienta. “No caso de birra, é importante ter um plano B para desviar sua atenção. Se não der certo, pare a atividade e respeite o limite emocional do aluno”, reforça Celestino.
2) Aposte em atividades concretas
Parte das pessoas dentro do espectro autista têm dificuldade de abstração. Assim, é fundamental propor atividades matemáticas concretas, evitando atividades no papel. Para trabalhar o conceito de cheio e vazio, Alcântara usa uma garra com água colorida e copos de acrílico, que o próprio aluno enche e esvazia.
“Peço dois copos cheios, depois um cheio e outro pela metade etc. Com isso, ele próprio cria seu raciocínio lógico”, destaca. Para introduzir os números, Celestino utiliza bolinhas de diferentes tamanhos e coloridas. “Peço primeiro duas bolinhas vermelhas; depois, para cada cor ser colocada em um copo diferente”, compartilha.
3) Material dourado para ensinar multiplicação
Idealizado pela educadora Maria Montessori, o material dourado pode ser usado para trabalhar multiplicação com alunos dentro do TEA nas salas de recursos especiais.“O ideal é apresentar a tabuada aos poucos, sem misturar muito os números”, explica Celestino, que também utiliza o ábaco para trabalhar as operações básicas.
4) Entender divisão exige background
A divisão é uma operação complexa para muitos autistas. “Para apresentá-la, é preciso saber se o aluno tem noção de números, de quantidade e, principalmente, se sabe identificar o que é seu e o que é do outro”, reforça Alcântara.
Nesse caso, vale a dica de trazer o nome do aluno para o enunciado e investir em situações cotidianas. “Se ele sabe o que é ter algo, pode-se fazer um problema sobre comprar um doce e dividir com o colega”, acrescenta.
5) Tente a régua de fração
Celestino relata boas experiências usando régua de fração, conjunto geralmente composto por dez réguas coloridas e que permite aos alunos fazerem comparações. Por exemplo, quantas peças de uma determinada cor são necessárias para formar uma unidade?“Os alunos aprendem bem fração primeiro trabalhando o concreto, depois partindo para minha escrita e só depois com eles escrevendo”, sugere.
6) Ensine geometria com tecnologia e ludicidade
Atividades lúdicas e concretas ajudam no ensino de geometria, como apresentar sólidos de diferentes formatos. e relacioná-los às figuras do cotidiano.
No caso da geometria, também podem ser associados elementos multissensoriais, como criar figuras com massinhas e palitos de sorvete. Já Celestino diz ter boas experiências com aplicativos para tablets como o Vida Matemática. Este apresenta os exercícios em formato de livro, trazendo figuras e correspondentes numéricos associados.“Lembrando que nem todos os autistas gostam de recursos multissensoriais. Eles podem ser sensíveis a sons ou figuras que se movimentam”, completa.
7) Abuse do cotidiano na resolução de problemas
Problemas exigem que o aluno leia e consiga interpretar o que é pedido, algo desafiador para muitos autistas. Assim, os enunciados tem que ser curtos e objetivos. Alcântara recomenda usar o nome do aluno, seu bairro e gostos nos enunciados visando diminuir a abstração.
“Se o problema diz que Maria tem um vestido laranja, será mais difícil do aluno abstrair. Ao contrário se fala seu nome e relata uma ida na cantina onde ele comprou alguma coisa do seu interesse, será mais fácil seu envolvimento”, garante.
Além disso, vale trabalhar temas em que o aluno tenha hiperfoco, caso seja uma característica dele. Por exemplo, se ele gosta de girafa, o problema pode ser somar dois desses animais. “Há casos de estudantes com gosto por animais, carrinhos e cores. Porém, é fundamental também apresentar novos objetos para o aluno. Por exemplo, se ele gosta de carrinhos, incorpore aos poucos um avião ou um barco nessa atividade”.
8) Use enunciados não-verbais
Viana recomenda usar enunciados de problemas que não sejam verbais. “Nesse caso, jogos educativos e os próprios aplicativos de tecnologia podem ajudar”, finaliza.
Veja mais:
10 dicas para a alfabetização de alunos autistas
8 dicas para a inclusão de alunos autistas
5 planos de aula para ensinar operações básicas da matemática