Alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) podem ficar invisíveis ou isolados no ambiente escolar por desconhecimento dos professores sobre como trabalhar com eles ou viabilizar estratégias pedagógicas inclusivas. “Para que a escola seja inclusiva, é preciso o comprometimento dos educadores e a coragem para transformar práticas consolidadas”, resume a coordenadora da Mais Diferenças, Guacyara Labonia Guerreiro.
Para a psicóloga e coordenadora da pós-graduação em práticas inclusivas e gestão das diferenças do Instituto Singularidades, Fernanda de Sousa e Castro Noya Pinto, é necessário pensar no convívio de forma ampla. “Ou seja, que essa aproximação não se dá apenas com atividades específicas, mas no cotidiano”, diferencia.
Confira, a seguir, oito dicas que ajudam a viabilizar a inclusão de alunos com TEA.
1) Informação contra o medo
Em 2018, o professor e auxiliar pedagógico especializado, Diniz da Cunha Silveira, acompanhava o aluno com TEA, Vinícius, na Escola Municipal Geraldo Castelo, de Campo Grande (MS). Ele identificou que os demais estudantes tinham receio de se aproximar do jovem porque não entendiam o seu comportamento.
“As crianças precisavam de informações. Após aprenderem porque o Vinícius às vezes colocava as mãos no ouvido, gritava e chorava, tornaram-se agentes de propagação de informações para seus pares e familiares”, lembra. Ao final do ano letivo, os alunos foram convidados a escreverem cartas, poemas e manifestações artísticas sobre a relação desenvolvida com Vinícius, ação que se tornou um livro.
2) Entendendo a comunicação
Um estereótipo reproduzido é de que a criança com TEA “não interage”. “Por esse motivo, os alunos não se sentiam à vontade de brincar com Vinícius”, destaca Silveira. “Foi ensinado que as pessoas com o espectro interagem do jeito delas e que cada autista é diferente entre si. Então, os estudantes encontrarão na vida sujeitos com formas diferentes de se comunicar”, aponta ele.
“Falar das qualidades de cada um e apontar que não existe somente uma forma única de ser e estar no mundo ajuda”, diz Guerreiro.
3) Não imponha a convivência
“Assim como qualquer relação, a da criança com TEA deve acontecer dentro da normalidade, no seu tempo. O risco é que o estudante com autismo também rejeite os demais”, informa Silveira. “As crianças, a partir do momento que entendem, tendem a trazer esse aluno para as aulas de educação física, para o intervalo”, acrescenta.
4) Vídeos e livros para contextualizar
Livros e filmes podem ser usados para explicar as diferenças entre os alunos no início do ano. Silveira costuma apresentar a obra “Meu amigo Autista”, de Maria Eduarda Loureiro Grund, e as animações “Coisas Fantásticas Acontecem” e “Cuerdas”.
“Assim que passava o filme ou líamos algo, já conversamos e eu esclarecia as dúvidas. Os alunos iam apontando as similaridades e as diferenças dos personagens com o Vinícius, e eu explicava como agir e como não agir no caso do nosso colega”, pontua o educador.
5) Estratégias de aproximação
Algumas escolas permitem que os alunos nomeiem colegas com quem gostariam de estar. “Essa estratégia permite, por exemplo, que um aluno com TEA nomeie um colega com quem se sinta seguro em sala de aula”, diz a psicóloga e coordenadora da pós-graduação em práticas inclusivas no Instituto Singularidades, Nicole Crochick.
A montagem dos trabalhos em grupo também pode ser feita por meio de sorteios. “Nesse caso, o trabalho com os alunos é de construção de relações possíveis com aquilo que foi sorteado”, complementa.
6) Atividades diversificadas incluem todos
Os professores e a classe podem adaptar atividades de acordo com as habilidades de cada aluno. “Por exemplo, havia um trabalho no primeiro ano do ensino médio no qual a turma precisava criar uma cena de teatro que representava um poema trabalhado na aula de língua portuguesa. O estudante com TEA tinha dificuldade em falar em voz alta e entender os momentos de entrada e de saída do palco. Assim, ficou responsável pela sonoplastia, iluminação e participou como ator num momento em que se sentiu confortável”, relata a mestre em neurologia e coordenadora da pós-graduação em práticas inclusivas no Instituto Singularidades, Carolina Ramos Resende Videira.
“Em outro grupo, um jovem com TEA foi narrador, já que era difícil decorar falas. O próprios alunos construíram ‘pistas’ para orientar a sua participação nas entradas e saídas.”
7) Dê sentido às palavras isoladas
“Dar sentido às palavras que parecem aleatórias ou aos gestos estereotipados pode ajudar na convivência”, diz Guerreiro. Segundo a educadora, um exemplo ocorreu em uma aula de geografia sobre as fases da lua. “O aluno com TEA falou ‘rodar’. O professor contextualizou a palavra, que parecia ser aleatória, com uma música do grupo MPB 4: ‘A lua quando ela roda é nova, crescente ou meia lua. É cheia e quando ela roda minguante e meia'”, revela.
8) Conflitos são naturais
Conflitos surgem durante os aprendizados e são parte do processo de inclusão. “É preciso permitir que o encontro com o outro seja permeado por uma diversidade de sentimentos, reações, ideias e curiosidades. Para isto, o adulto deve estar apto a lidar com perguntas e situações difíceis de serem respondidas ou contornadas e não tamponar o desconforto que isto possa causar”, orienta Pinto.
“Existem alunos que precisam sair de sala com frequência e o grupo se incomoda. Nessa situação, os educadores não deveriam procurar desculpas para acalmar a turma, mas discutir o papel e as necessidades de cada um dentro desse coletivo”, exemplifica. “São momentos ricos para que os alunos notem que cada um funciona de um jeito e que o grupo pode criar estratégias para a sala ser um lugar mais tranquilo para o estudante com TEA”, ressalta.
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Atualizada em 3/4/19, às 10h30.
Crédito da imagem: belchonock – iStock