A história oral exerce fascínio em crianças e professores e é uma ferramenta pedagógica potente na escola. 

“As crianças gostam de ouvir histórias e, se souber contá-las, elas ficam bastante envolvidas”, explica o coordenador emérito do Grupo de Pesquisa História Oral e Educação Matemática (Gohem) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Antonio Vicente Marafioti Garnica.

Além disso, muitos são os benefícios para a aprendizagem dos estudantes, entre eles, desenvolver a noção de historicidade próxima. “Ou seja, a criança percebe que sua rua, roupa, família, vizinhos têm história. Que ela é parte e faz história, que isso não é algo de uma disciplina acadêmica distante e sem significado”, destaca. 

O aluno também desenvolve sensibilidade ao conversar com pessoas para registrar as memórias delas, além de promover a diversidade na escola. “A escuta de pessoas diferentes é uma das questões complexas do mundo contemporâneo. Em projetos de história oral, os estudantes percebem que pessoas de lugares e classes sociais distintas têm diferentes contribuições a dar”, pontua. 

“Para completar, também é possível fortalecer laços familiares, comunitários e de pertencimento”. 

Registrando memórias

Projetos de história oral se baseiam em registrar memórias de pessoas que relatam não somente o que viveram, mas também o jeito como gostariam que determinado acontecimento fosse. 

“É comum em relatos de sobreviventes de guerra, por exemplo, eles se aterem apenas a fatos agradáveis, como se a mente recalcasse as vivências de sofrimento para não vivenciá-las de novo”, descreve Garnica. 

Para o professor, projetos de história oral são relativamente simples de executar por exigir como material basicamente um celular com gravador. “Não é uma prática restrita ao mundo acadêmico, como muitos pensam”, desmistifica o pesquisador.

Ao escolher um tema e um entrevistado, crianças de qualquer idade podem participar da criação do roteiro de perguntas — incluindo as não-alfabetizadas. 

“A professora pode conversar com elas sobre as perguntas que gostariam de fazer, curiosidades que gostariam de saber”, orienta. 

A seguir, Garnica indica cinco projetos de história oral que podem ser colocados em prática em escolas de educação básica das redes públicas. Confira!

1) A escola é cheia de história

Muitas escolas de bairro e de cidades do interior abrigaram também os pais, avós, irmãos e primos dos atuais alunos. Estes podem ser entrevistados sobre como era a distribuição do espaço escolar, os uniformes, as aulas, os professores, os livros didáticos e o intervalo no tempo deles, permitindo as crianças traçarem semelhanças e diferenças com a mesma escola dos dias de hoje. 

Segundo Garnica, vale ainda entrevistar diretores e professores que passaram por aquela instituição em outras décadas. Os estudantes também podem coletar registros fotográficos.  

“Em um projeto em um grupo escolar do interior, as crianças se surpreenderam ao descobrir que os alunos de antigamente podiam sair da escola na hora do intervalo e que, inclusive, havia um pipoqueiro que ficava do lado de fora do portão. Algo impensável nos dias de hoje”, compartilha. 

“É possível perceber como os costumes se alteram e que nem sempre a história é sinônimo de progresso. Pode haver retrocessos também”, exemplifica. 

Estudar sobre uniformes costuma revelar como a função deles mudou ao longo do tempo. “No passado, por exemplo, quando as escolas públicas eram destinadas apenas às elites, os uniformes eram usados como um fator de distinção. Hoje, o uniforme ajuda a identificar a criança, de que ela pertence aquela escola caso algo aconteça no trajeto dela para a casa”, contextualiza. 

2) Os caminhos dos alunos 

As ruas, casas, praças, museus que os alunos cruzam do trajeto das residências até chegarem à escola também guardam muitas informações que podem ser exploradas em um projeto de pesquisa. 

“O aluno pode perceber que existem bairros mais ricos que outros. Porque a igreja fica no centro de uma praça. Em quais lugares da cidade estão localizados os parques, os clubes, entre outros”, indica Garnica. 

“É possível expandir o tema para a arquitetura da escola e a arquitetura das casas dos alunos e do entorno. Por exemplo, corredor é uma invenção da modernidade. No passado, para chegar a um dormitório, passava-se pelos outros. Isso pode trazer reflexões, por exemplo, sobre como era a privacidade das pessoas”, exemplifica o pesquisador. 

“Já na arquitetura escola, é possível pensar como eram as distribuições das salas, como as pessoas circulavam, etc.” 

3) O que não se aprende mais na escola?

Os alunos podem pesquisar em materiais didáticos ou em entrevistas com pais e responsáveis sobre assuntos que eram ensinados no passado e foram esquecidos nos currículos.

“É o caso, por exemplo, da prova dos nove. Muitos pais e avós tiveram aulas inteiras apenas sobre isso. Estudos de matrizes ocorreram somente após a década de 1970, em um movimento de renovação da matemática. Já os livros didáticos da década de 1950 traziam tábua de logaritmo”, conta o professor.  

4) Moda e música nas décadas passadas

Dois temas que crianças e adolescentes adoram discutir, como aponta Garnica. “Nesse projeto, eles podem pesquisar em revistas antigas; entrevistar costureiras que trabalharam nas décadas de 1970, 1980 e 1990;  conversar com adultos sobre os costumes e o que mudou. Tais conteúdos podem ser atrelados a conteúdos disciplinares do currículo. 

“Cabe ao professor sensibilidade para traçar um paralelo entre as informações coletadas, por exemplo, com conteúdos de matemática, história ou mesmo sociologia”, sugere o pesquisador. 

“Além disso, ao criar o roteiro de perguntas e do projeto, é possível já escolher entrevistados que consigam traçar esse vínculo entre um certo conhecimento formal e a história”. 

5) As mulheres da escola

Apesar de ser o maior contingente dos trabalhadores da educação, as mulheres foram invisibilizadas na escola durante muitos anos. Por esse motivo, Garnica sugere projetos nos quais os alunos possam ouvir como era ser professora, aluna, merendeira e mulher nas décadas de 1970, por exemplo. 

Algumas perguntas que podem ser exploradas são: como era a relação delas com o trabalho? Havia mulheres em cargo de direção? Em quais momentos passou-se a ter mais mulheres na educação do que homens? Hoje em dia, há homens lecionando no ensino fundamental 1? Por quê? 

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