“É assédio meu padrasto bater na minha bunda mesmo eu pedindo para ele parar?”. “Tenho 13 anos e namoro um rapaz de 23 anos”. “Se eu me assumir gay, meus pais homofóbicos podem fazer alguma coisa comigo?”. “Anticoncepcional evita infecções sexualmente transmissíveis (ist’s)?”.

Essas são algumas dúvidas e relatos que a pedagoga e mestra em educação sexual, Isabela Manchini, já presenciou após aulas de educação sexual com estudantes da educação básica. 

Além de evidenciar a importância de se abordar o tema na escola, eles apontam a necessidade de acolher os relatos dessas crianças e adolescentes corretamente e sem constrangimento. 

“As dúvidas, curiosidades e relatos surgem justamente quando os estudantes se sentem seguros e bem informados. O acolhimento deles, porém, é dificultado pela falta de formação dos professores para isso”, explica a especialista. 

“Basicamente, acolher significa receber esse relato de forma digna, atenciosa, discreta e em uma abordagem clara e segura”, resume a pedagoga e docente do departamento de psicologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Fátima Elisabeth Denari.    

“Condições referentes à sexualidade tem de ser consideradas com responsabilidade, com envolvimento da equipe escolar e em consonância com as famílias dos alunos, que não raro apresentam dificuldades em falar sobre sexo e sexualidade”, complementa. 

“A função do profissional de ensino diante da suspeita ou confirmação de um abuso sexual, por exemplo, é de acolher, registrar e acionar a rede de proteção e as autoridades policiais”, lembra Manchini.

Como realizar o acolhimento?

Para o professor que fará o acolhimento de relatos ou dúvidas dos estudantes, Manchini lista algumas orientações importantes:

  • Demonstre disponibilidade para conversar e busque um ambiente acolhedor para isso;
  • Ouça-o atentamente, sem interromper, e não pressione para obter informações. “A escuta com cautela possibilita o livre relato da situação de violência pela vítima”, lembra Manchini; 
  • Limite os questionamentos ao estritamente necessário; 
  • Use linguagem compatível com a idade e desenvolvimento do aluno; 
  • Anote o que lhe foi dito para ser utilizado em procedimentos legais;
  •  Registre o relato exatamente do jeito que criança contar, sem trocar palavras; 
  • Expresse apoio, solidariedade e respeito, e reforce que a criança ou adolescente não tem culpa do ocorrido;
  • Explique que será necessário conversar com outras pessoas para protegê-la;
  • Se for contatar a família, cheque antes com o estudante quais são as pessoas que ele aprova como interlocutores;
  • Mostre-se disponível para novas conversas sempre que o aluno precisar;
  • Evite que a criança ou adolescente sejam ouvidos diversas vezes sobre a situação de violência sofrida, para não ocorrer revitimização; 
  • Mostre à criança ou adolescente que você confia nela e acredita no que diz;
  • Preserve a intimidade e as condições pessoais da vítima;
  • Nunca julgue ou a culpe pelo ocorrido;
  • Em caso de crimes, como abusos e estupro, deve-se acionar o Conselho Tutelar.

Apoio psicológico

Em casos de violências sexuais o relato sempre deve ser feito individualmente e em um ambiente acolhedor. 

“O que pode acontecer de forma coletiva são as conversas com os diversos temas da educação sexual, seguindo das perguntas e relatos feitos de formas espontâneas pelas crianças em adolescentes”, explica Manchini.

“Quando há um ambiente de camaradagem e confiança entre os alunos e o professor, é possível um atendimento coletivo para esclarecer pontos que são do interesse de todos”, complementa Denari.

  Além disso, Manchini indica ao professor levar uma caixa, papéis cortados e canetas para os estudantes escreverem experiências ou fazerem perguntas de forma anônima.

“Nas minhas experiências, vejo que os estudantes interagem mais quando dessa forma”, compartilha.  

Dependendo da gravidade da situação relatada, o apoio não é apenas pedagógico, exigindo também a participação de um psicólogo.

“Em relação a outras situações sobre a sexualidade e quando há  mudanças de comportamentos visíveis, que afetam o rendimento escolar e outras atividades exercidas pela criança e adolescente, é preciso ir além da intervenção pedagógica. Exemplos são os casos de bullying, situações de racismo, homofobia, dificuldades com a autoestima, etc.”, elenca Manchini.

“Sempre que forem notadas situações de desconforto, timidez, vergonha, medo, abuso sexual, estupro ou tentativas, faz-se necessária a presença de profissional especializado para evitar maiores constrangimentos e consequências”, orienta Denari.

“Assim, caso o professor não se sinta à vontade ou preparado para abordar um determinado assunto, é desejável contar com ajuda de profissionais da área da saúde, tais como médicos especializados em adolescência e psicólogos, ou mesmo professor de biologia, para esclarecer dúvidas sobre a constituição do corpo humano e seu funcionamento”, afirma Denari.

“Além disso, é importante o professor manter atualizados os registros sobre seus alunos visando justificar tais encaminhamentos”, finaliza Manchini. 

Veja mais:

5 livros que ajudam a prevenir abuso sexual infantil 

‘Sex education’: série ajuda a abordar educação sexual na escola 

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