A tecnologia facilitou o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos de diversas naturezas, incluindo pornográficos. Esse tipo de entretenimento adulto, porém, traz informações distorcidas aos jovens sobre padrão de corpo, sexualidade e como tratar os parceiros, ainda mais quando não há acesso a aulas de educação sexual.

“As opiniões e comportamentos dos estudantes serão influenciados com o agravante que, estando em formação, os impactos tendem a ser profundos”, relata o doutor em psicologia e especialista em relacionamentos amorosos Thiago de Almeida.

Contra o problema, a pedagoga e docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) Fátima Denari destaca a importância do diálogo familiar e da instrução no âmbito escolar.

“Sem ela, há possibilidade de a pornografia ser a única fonte de conhecimento sobre sexo para essa população, algo complicado e perigoso. Ainda que destinada ao ensino médio, essa área do conhecimento pode auxiliar nesse processo formativo e informativo.”

Frustração com autoimagem

Uma das consequências da pornografia entre adolescentes é a insatisfação com a autoimagem corporal. “Os corpos dos atores são magros, esculpidos por musculação, dietas e procedimentos estéticos. No caso dos homens, são escalados apenas atores com pênis maior do que a média da população brasileira”, lembra Almeida.

“Essas informações chegam em um momento delicado, em que o adolescente está passando por transformações corporais, psicológicas e transitando para um corpo e mente adultos”, complementa.

Leia também: Filmes e jogos pedagógicos facilitam educação sexual de alunos com deficiência

Uma performance sexual irreal também tende a ser naturalizada. “Os atores usam substâncias que induzem a ereção por longas horas e não demonstram cansaço, algo que não corresponde à vida real”, compara Almeida.

A falta de enredo proposital dos filmes acarreta relações sexuais mecânicas, pouco afetuosas e sem diálogo. “Como é um filme, o ato é encenado e programado. Raramente há um ato penetrativo, por exemplo, finalizado com um abraço, algo normal nas relações reais. Em contrapartida, é priorizada uma ejaculação visual”, descreve o psicólogo e sexólogo Robson Girardello.

Isso pode criar no adolescente expectativas altas em relação a si mesmo e à prática sexual, assim como muitas frustrações. “É comum no consultório o jovem falar sobre ansiedade na performance. Conversando, você descobre que sua referência são os filmes”, exemplifica Girardello.

Outro ponto é que os atores no filme não utilizam preservativos, o que também provoca consequências.

“A educação sexual ajuda a explicar que os filmes de sexo explícito são ficcionais em relação a corpos e desempenhos. Tal como um filme de terror, onde o monstro da história não é real e não devemos temê-lo, não devemos interiorizar esses valores comunicados”, orienta Almeida.

Girardello concorda com o colega sobre a importância da formação escolar sobre o tema:

“Discutir isso na educação sexual implica não apenas falar de sexo, mas de afetividade e relacionamentos também”, pontua.

Consentimento e acordos

O filme pornográfico é geralmente produzido, dirigido e destinado ao público masculino. “Nas produções heterossexuais, há um imaginário machista da mulher colocada em posição de submissão, cuja função é satisfazer”, alerta Girardello.

A falta de enredo também suprime que as relações afetivas e sexuais reais exigem que os atos sejam acordados e consentidos.

“Pode-se acreditar que a parceira ou parceiro apreciam todas as práticas sexuais vistas nestas produções, o que não é verdade”, adverte Almeida.

Contra o problema, Girardello recomenda discutir consentimento. “Há situações exploradas nesses filmes que podem naturalizar o estupro ou sinalizam que um abuso é algo bom, quando provoca traumas. Não há, por exemplo, aviso advertindo que aquela cena é fantasiosa e que as pessoas ali estão em comum acordo”, destaca. “Falar de consentimento é reforçar a necessidade de que todos estejam confortáveis em um ato.”

De acordo com Almeida, o debate é necessário para que os jovens aprendam a se relacionar de uma maneira mais respeitosa e saudável: “A educação sexual pode trazer informações adequadas sobre a realidade dos relacionamentos amorosos e sobre o empoderamento de mulheres e homens. Assim, ajuda os alunos a desenvolverem aspectos sadios de intimidade e autoestima.”

Como abordar o assunto?

Para travar um diálogo franco sobre os impactos da pornografia na formação do aluno, Denari indica à escola buscar psicólogos e educadores da área de educação sexual.  “É importante ter pessoal especializado para ministrar palestras e cursos de curta duração para a comunidade escolar, não deixando de lado o papel das famílias”, orienta.

Almeida recomenda desenvolver programas e protocolos para situações-problemas que possam surgir na escola envolvendo o tema.

“Estes podem ser integrados ao projeto político-pedagógico e às disciplinas curriculares, considerando questões como sexo e sexualidade, prazer, respeito por si e pelo parceiro, responsabilidade e prevenção, visão reflexiva sobre o próprio corpo e o do outro e também sobra suas manifestações afetivossexuais”, finaliza o psicólogo.

Veja mais:

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