Jorge Amado nasceu em 10 de agosto de 1912 e agora ganha uma homenagem do sobrinho, Roberto Amado, jornalista e escritor, assim como o tio. Doutorando da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), ele lança o livro “Jorge Amado, meu tio”.
“Eu fiz uma pesquisa bastante inédita e recuperei os artigos que ele escreveu entre 1931 e 1935, no começo de carreira, e que não eram conhecidos. São mais de 100 artigos que ele publicou em 18 publicações, em oito estados, e aí eu pude identificar uma poética que é muito característica dos anos 1930”, revela Amado em entrevista ao Livro Aberto, do podcast do Instituto Claro.
Na obra, Roberto se propõe a retratar o tio pela perspectiva pessoal que é resultado de mais de 40 anos de convivência. As histórias narradas contam com diversos relatos que foram compartilhados com ele pelo próprio tio. No áudio, com exclusividade, o autor traz alguns aspectos da vida pessoal de Jorge Amado que serviram de inspiração para as obras dele, como em “Capitães de Areia”.
“É a história de um grupo de crianças abandonadas que vive num trapiche em Salvador. Ele escreveu isso em 1937. Ele tinha 25 anos. E por que ele escreveu? Porque ele viveu esse ambiente. Ele foi muito cedo para Salvador, morar sozinho. Com 15 anos, ele já trabalhava no jornal. A atividade dele na área policial fez com que tivesse muitos contatos com a criminalidade, com o mundo dos excluídos – mais importante ainda”, exemplifica.
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Música: “Malandragem”, de Quincas Moreira, fica de fundo
Roberto Amado:
Eu fiz uma pesquisa bastante inédita assim que eu recuperei os artigos que ele escreveu entre 31 e 35, no começo de carreira, e que não eram conhecidos. São mais de 100 artigos que ele publicou em 18 publicações, em oito estados, e aí eu pude identificar uma poética que é muito característica dos anos 30, né, que é quando ele surge. E ele foi um protagonista deste movimento, do Romance de 30.
Eu sou Roberto Amado, sobrinho do Jorge Amado, convivi com o Tio Jorge durante 40 anos, no ambiente familiar, a princípio, como criança; depois, como adolescente e, finalmente, como confrade, como ele dizia, né? Confrade quer dizer colega de profissão. Isto porque eu sou escritor também, sou jornalista.
Eu acabei entrando na USP, fiz uma tese de mestrado com uma pesquisa dos anos 30, mas, na verdade, eu vou me transferir em agosto para a Universidade de Indiana, em Bloomington, onde eu vou reiniciar meu doutorado, estudando a literatura americana dos anos 30.
Vinheta: “Livro Aberto – Obras e autores que fazem história”
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
Roberto Amado, doutorando da USP, está lançando o livro “Jorge Amado, meu Tio”. A obra se propõe a retratar o homenageado por uma perspectiva muito mais pessoal, a partir da convivência por mais de 40 anos. Aqui, Roberto começa abordando o surgimento de Jorge Amado durante o período que ficou conhecido como romance de 1930.
Roberto Amado:
Tinham muitos jornais ou cadernos de jornais, revistas de literatura; as editoras se multiplicaram, as tiragens se multiplicaram. Foi um momento glorioso da literatura e ele foi um dos primeiros a surgir. Ele surgiu, inclusive, com aquela voz nordestina – que eles chamavam de norte – e que revelava um novo país. Que, até então, se passava a literatura nas avenidas do Rio de Janeiro, principalmente, que era a capital do Brasil, né? Revelavam também a vida da burguesia brasileira.
E, de repente, aparecem esses nordestinos e, entre eles, o Jorge Amado, falando da miséria do povo, da seca, personagens oprimidos pela fome, pela pobreza, por relações sociais exploradoras, né, que são coisas que eles viviam e viam. Eu estou falando eles, lembrando que existiam grandes escritores que surgiram também nessa época: o Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, o José Lins do Rego, Amando Fontes, que eles revelavam mesmo a realidade, né?
Música: “O Vento” (Eugene Raskin e Dorival Caymmi)
Vento que dá na vela
Vento que vira o barco
Barco que leva a gente
Gente que leva o peixe
Peixe que dá dinheiro, Curimã
Som de página de livro sendo virada
Marcelo Abud:
Para esta edição especial, o Instituto Claro solicitou a Roberto Amado que selecionasse algumas obras do tio que costumam ser adotadas em sala de aula. O sobrinho e pesquisador faz um paralelo entre estes livros e acontecimentos da vida pessoal de Jorge Amado que influenciaram as obras.
Roberto Amado:
“Capitães de Areia” é a história de um grupo de crianças abandonadas que vive num trapiche em Salvador. Ele escreveu isso em 37. Ele tinha 25 anos. E por que ele escreveu? Porque ele viveu esse ambiente. Ele foi muito cedo pra Salvador, morar sozinho, com 15 anos, ele já trabalhava no jornal. A atividade dele na área policial fez com que ele tivesse muitos contatos com a criminalidade, com o mundo dos excluídos – mais importante ainda.
Nesse mundo dos excluídos estavam as prostitutas, os pais de santo – que eram perseguidos – do candomblé – e os meninos abandonados, que era uma realidade ali presente constante, né, meninos que perderam a infância, porque muito cedo frequentavam os prostíbulos, os ambientes dos crimes, né, dos excluídos, que ele fazia parte como jornalista, como observador.
Música: “João Valentão” (Dorival Caymmi), com Danilo Caymmi, Dori Caymmi, Dorival Caymmi e Nana Caymmi
João Valentão é brigão
Pra dar bofetão
Não presta atenção e nem pensa na vida
A todos João intimida
Faz coisas que até Deus duvida
Mas tem seus momentos na vida
Som de página de livro sendo virada
Roberto Amado:
Uma das que mais me marcou foi quando ele falou um pouco sobre a morte de Quincas Berro d’Água, que é muito interessante, meu livro favorito, inclusive. Porque é um senhor que vive numa certa situação burguesa assim de Salvador, mas ele era apaixonado pela vida, né, ele dizia que esses personagens estavam ali ao redor dele. Eu tô falando aí no momento em que ele está vivendo na Bahia. Então, esses personagens estavam ali, ao lado do bairro dele, da casa dele, estavam ali no Rio Vermelho, que eram personagens muito simbólicos da Bahia, né?
Mas, especialmente, esse personagem Quincas Berro d’Água representa aquele personagem que tem toda uma vida estruturada, burguesa, familiar, e que abdica disso pra encontrar seu povo, pra encontrar a sua cultura, pra encontrar os personagens que realmente são interessantes que vivem nos morros. E ele é um espírito, também, hedonista, que vive à base de samba, de cachaça, de relacionamento com a gente, né, o povo.
Marcelo Abud:
Outro livro que Roberto Amado indica para crianças e jovens é “O Menino Grapiúna”.
Roberto Amado:
Grapiúna é quem nasce no litoral, em Ilhéus… um dos raros livros assim que lhe é revelador, autobiográfico, revelador de suas experiências verdadeiras. Ele conta as experiências dele, que ele passou na infância em Ilhéus. Ele viveu em Ilhéus até os 9 anos de idade. Ele vivia na fazenda de cacau lá do meu avô.
Marcelo Abud:
O livro “Jorge Amado, meu Tio” é repleto de fotos e traz ainda um vídeo gravado pelo próprio sobrinho, em 1995, quando o escritor voltou a Ilhéus para acompanhar a adaptação teatral de “O Menino Grapiúna”. O áudio é raro e tem uma qualidade caseira. Para melhor compreensão, você pode acompanhar a transcrição deste podcast no site do Instituto Claro.
Jorge Amado:
E essa praça, esse lugar faz parte de minha vida, mas faz parte de mim… Eu nasci disso tudo que está aí, das fazendas e dos jagunços e dos coronéis e das putas (risos). E são muitos ficcionistas da região (Grapiúna) e muito importantes. Eu nasci numa fazenda de cacau, distrito da cidade de Itabuna e, aos 14 meses, vim para a cidade de Ilhéus, aonde estou até hoje. Muito obrigado! (aplausos)
Música: “Modinha para Gabriela” (Dorival Caymmi), com Gal Costa
Quando eu vim para esse mundo
Eu não atinava em nada
Som de página sendo virada
Roberto Amado:
Mas eu também gostaria de falar principalmente do aspecto do escritor, porque em 1951 ele parou de escrever, depois de escrever “Os Subterrâneos da Liberdade”, ele parou, ele viveu ali um problema de um branco que deu, sabe? É muito difícil um escritor, quando passa por isso – um momento infértil – quando se detém num branco, é muito difícil ele retomar, anos depois, com a mesma criatividade. E o que aconteceu com o Jorge Amado foi justamente o contrário. Ele parou de escrever e ficou oito anos sem escrever e ele voltou a escrever. O que ele escreveu quando ele voltou? Ele escreveu o maior sucesso da vida dele, que é “Gabriela, Cravo e Canela”. É um livro maravilhoso que coloca uma mulher como protagonista, o que era muito raro, e cria um personagem – como dizia João Ubaldo – ele não usa estereótipo, ele cria estereótipos, que depois são usados por outros, entendeu?
Música: “Modinha para Gabriela” (Dorival Caymmi), com Gal Costa
Eu nasci assim, eu cresci assim
E sou mesmo assim, vou ser sempre assim
Gabriela
Sempre Gabriela
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
A obra de Jorge Amado é muito atual ao tratar de questões político-sociais e do lado mais humano do povo brasileiro, aspectos que são revelados pelo sobrinho no livro “Jorge Amado, meu Tio”.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.