A escrita é apenas uma das faces da literatura indígena. “Pode-se chamar literatura indígena todas as manifestações da cultura dos povos tradicionais. A escrita acaba sendo mais uma dessas plataformas”, diz o escritor Daniel Munduruku. Para ele, a escola deveria ter um olhar mais atento para essa literatura já que “ela é a voz legitima dos povos indígenas e traz uma verdade que não foi dita à sociedade brasileira” por meio da “literatura oficial”. Sobre o assunto, confira a entrevista completa para o NET Educação abaixo.
NET Educação – Quais são as principais características da literatura indígena?
Daniel Munduruku – A literatura indígena se caracteriza pelo apelo ambiental que traz em seu bojo. É uma literatura comprometida com a informação correta sobre a situação dos povos indígenas e com a transformação da sociedade.
NET Educação – A escrita no papel é apenas uma das faces da literatura indígena?
Munduruku – A tradição indígena não faz separação entre saberes e formas de expressá-los. Por isso, penso que se poderia chamar literatura indígena todas as manifestações da cultura dos povos tradicionais. A escrita acaba sendo mais uma dessas plataformas. Eu diria que o grande suporte é a cultura ancestral e as suas manifestações – canto, dança, rituais, grafismos, artes, oralidade e a escrita.
NET Educação – Quais são os desdobramentos da literatura indígena na educação?
Munduruku – As crianças entram para a escola sem conceitos ou preconceitos, mas ali ganham informações que distorcem a compreensão delas sobre os povos indígenas. Os professores são mal formados e costumam repetir estereótipos. Penso que o grande papel dessa literatura é justamente oferecer material para que os professores atualizem-se para oferecerem uma nova consciência aos estudantes.
NET Educação – A literatura indígena ajuda a educar a sociedade não indígena?
Munduruku – Ela tem um caráter educativo forte e está comprometida com a transformação da consciência preconceituosa que foi construída ao longo da história colonialista brasileira. Temos o papel de dizer ao Brasil a importância de compreender as sociedades ancestrais em suas diferenças, em seus aspectos culturais, sociais, políticos e religiosos. O Brasil precisa aprender a conviver com todas essas diferenças e garantir o direito de sobrevivência delas. Ou seja, essas sociedades precisam de terra para viver, de tratamento de saúde, de respeito aos seus rituais, de poderem educar seus filhos e filhas de acordo com suas tradições. Penso que o Brasil tem muito a aprender com a riqueza cultural indígena e a literatura pode ser um instrumento de aproximação entre essas diversidades.
NET Educação – Por que a escola deveria ter um olhar mais atento para a literatura indígena?
Munduruku – Porque ela é a voz legitima dos povos indígenas. Ela traz uma verdade que não foi dita à sociedade brasileira. Porque ela organiza o pensamento sobre os indígenas, é um misto de realidade e fantasia e pode alimentar a imaginação das crianças e jovens. Por todos esses motivos, a literatura indígena é urgente nas escolas brasileiras.
NET Educação –  Como os professores devem trabalhar a questão indígena em sala de aula?
Munduruku – Devem, em primeiro lugar, revisar seus próprios conhecimentos sobre os povos indígenas. Os professores são, infelizmente, os reprodutores do pensamento estereotipado, comemorando um índio que não existe e que nunca existiu. Precisariam, por isso, começar por não tratar a diversidade indígena por meio de uma palavra que carrega tantos estereótipos.
NET Educação – O que você procura trabalhar com os alunos em suas palestras em escolas?
Munduruku – Uso a palavra para demonstrar a riqueza das tradições indígenas. Faço isso como um educador que tenta arrancar imagens preestabelecidas e preconceituosas e colocar no lugar um novo olhar, um novo jeito de perceber a sabedoria de nossa gente. Faço isso contando histórias, respondendo perguntas, cantando e dançando ou mostrando a arte de atirar com arco e flecha ou da pintura corporal sempre explicando, sempre conscientizando.
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