As redes sociais trouxeram mais visibilidade para homens trans gestantes. Caso do criador de conteúdo digital Roberto Bete (@roberto_bete), 34 anos, que viu a sua vida mudar quando, em 2020, decidiu engravidar.
“A gravidez foi planejada e levou mais de um ano para acontecer. Foi monitorada pelos meus médicos com exames e feita com responsabilidade. Suspendi a aplicação de testosterona (hormônio masculino), já não tinha ciclo menstrual e os ovários não funcionavam”, relata.
O que o encorajou a tomar a decisão foi acompanhar nas redes sociais o personal trainer porto-riquenho Esteban Landau, que havia passado pelo mesmo processo. “Ele me fez mudar minha cabeça de como ser homem gestante, de gestar sem perder a sua masculinidade”, compartilha.
A gravidez foi apoiada pela família, ainda que tenha gerado uma surpresa inicial. “Eu saí de casa aos 19 anos e iniciei a transição três anos depois. Então, eles (os familiares) achavam que eu ia ‘estragar o corpo’, perder tudo o que eu havia feito, nas palavras deles, para ‘parecer homem’. Mas expliquei a situação e isso não foi algo que me desencorajasse. Quando chegou a notícia da gravidez, fiz uma chamada de vídeo e todos ficaram felizes”, conta.
Pai parturiente
Noah nasceu no dia 10 de maio de 2022. Desde então, Roberto Bete passou a se definir como pai parturiente.
“Quando se fala ‘mãe’, automaticamente já liga à imagem da gestação. Tanto que há o termo mãe não gestante para aquelas que não gestaram. Porém, quando falava que era um pai solteiro, a gestação não ficava implícita, havia um apagamento desse processo”, compartilha.
“Pai parturiente é um termo que abarca homens trans e transmasculinos que geraram o seu próprio filho”, acrescenta.
Em termos de assistência médica, a gravidez foi tranquila. “Fui privilegiado porque consegui fazer o pré-natal no ambulatório que me acompanha como pessoa trans, com profissionais capacitados e consultas acolhedoras. Mas sei que essa não é a realidade de muitos homens trans gestantes que, ao chegarem a um posto de saúde, são tratados como alienígenas”, lamenta.
A única experiência de transfobia foi quando, gripado, ele precisou passar em um pronto-socorro de outro hospital. “Fui chamado de grávida, de Roberta, ainda que tivesse a aparência masculina”, lamenta.
“Um homem gestante, se a saúde pública não estiver preparada para receber, com certeza passará por transfobia”, enfatiza.
Desafios do processo
Entre os desafios do processo, Roberto relata dificuldade em realizar o registro de nascido vivo de Noah em seu nome.
“Na certidão não estava escrito parturiente, mas mãe. Mas a mãe do Noah é a Érica, uma mulher trans. O escrevente se recusou a nos registrar dessa forma e precisamos ligar para o dono do cartório. Ainda assim, saiu ‘domiciliado’ em referência à Érica e ‘domiciliada’ na minha referência”, lembra.
Ele, porém, não sentiu olhares de reprovação por ser pai parturiente. “Minha passabilidade (termo usado para descrever a capacidade de uma pessoa ser considerada pertencente a um grupo) como homem é alta. Então, mesmo na praia, algumas pessoas achavam que minha barriga era ‘de cerveja’ ou alguma doença, nunca que havia um bebê lá dentro”, relata.
‘Além disso, havia um recorte social: não precisei pegar transporte público porque tenho carro, por exemplo”.
“Porém, os desafios foram internos, de não cair em disforia (sentir-se desconfortável com as características do seu corpo), de ligar a gestação a ‘voltar a ser mulher’”.
Atualmente, Roberto Bete usa suas redes sociais para compartilhar conteúdos sobre paternidade trans. “Recebo dúvidas, mas mais depoimentos de inspiração, de homens trans que relatam pensar em gestar depois de me conhecer”, comemora.
Além disso, ele curte hoje o crescimento do filho Noah. “Com dois anos, hoje ele é meu companheiro: conversamos, brincamos e fazemos muitas coisas juntos”.
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