Durante seis dias na semana, o ator e homem gay Eduardo B. ajuda a coordenar a sala virtual voltada à diversidade do grupo Alcóolicos Anônimos (A.A.). “São homens e mulheres cis e transgêneros, de diferentes orientações sexuais, que geralmente não possuem encontros em suas cidades”, relata.

Segundo ele, os estresses motivados por diferentes preconceitos são gatilhos para o uso nocivo de álcool e aparecem nos relatos. “Temos uma mulher trans do interior do Pará que chegou relatando ser discriminada e apedrejada na comunidade em que vivia, e isso a fazia querer beber mais, tinha vontade de beber até desaparecer”, compartilha B.

Entender a vulnerabilidade da população LGBTQIAP+ ao alcoolismo – doença caracterizada pelo consumo compulsivo e descontrolado de álcool e que leva a problemas físicos, psicológicos e sociais – ainda é um campo que exige pesquisas.

“Há uma carência de estudos devido ao estigma e, das pesquisas que temos, maioria são estadunidenses”, explica a psiquiatra e membro consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead) Alessandra Diehl.

Nos Estados Unidos, uma pesquisa que comparou os dados da “National Survey on Drug Use and Health” – “Levantamento Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde” – entre 2015 e 2017 mostrou que o consumo excessivo de álcool no último mês havia sido maior entre homens gays (37,4%) e bissexuais (33%) em relação a homens heterossexuais (31,8%). O mesmo ocorreu para mulheres lésbicas (30,1%) e bissexuais (38,7%) comparadas com heterossexuais (21,2%).

Fatores estressores

“Independentemente da população, o alcoolismo está associado a transtornos psiquiátricos, incluindo ansiedade e depressão.  Estes, por sua vez, estão relacionados a vivência de fatores estressores que podem ser maiores entre LGBTQIAP+ do que na população em geral devido ao preconceito. Tudo isso pode aumentar o risco para o consumo de álcool”, analisa o psicólogo e pesquisador do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA) Kae Leopoldo.

“Basicamente, ter rede de apoio e cuidar da saúde mental são fatores de proteção para o alcoolismo. Porém, para muitos LGBTQIAP+, você não é aceito nos seus primeiros lugares de pertencimento, que são a família, a escola e a comunidade religiosa. Assim, não raro o álcool entra como estratégia para tentar lidar com estigma, bullying, baixa aceitação e outras dores”, acrescenta Diehl.

“Outro fator de proteção é ter atividades de lazer e de convivência social que não girem em torno do consumo de álcool”, relata Leopoldo.  Para Eduardo B., esse é o problema de alguns dos espaços de socialização entre LGBTQIAP+.

“Há uma força da mídia em relação ao consumo de álcool que também atinge a cultura de comunidade LGBTQIAP+. Por exemplo, os maiores patrocinadores das paradas de orgulho são [empresas de] bebidas alcóolicas. O álcool não é visto como uma droga, e somos bombardeados com esse chamariz para consumi-lo”, avalia.

Grupos de ajuda para a diversidade

Preconceito e desconhecimento dos médicos sobre orientação e identidade de gênero também dificultam a busca da pessoa LGBTQIAP+ para tratamento contra o consumo abusivo de álcool explica Leopoldo.

“Se a intervenção de saúde não atende peculiaridades de um subgrupo da população que é membro dele, já começa o processo de busca de ajuda prejudicado. E a população LGBTQIAP+ tem particularidades”, explica Leopoldo.

Para o tratamento, o psicólogo indica os grupos de ajuda mútua, como o A.A. “Não é que eles [os grupos do AA] são apenas legais, eles têm efetividade igual ao tratamento psicológico. Essa é uma das minhas primeiras recomendações para um paciente: procure o AA”, reforça.

“O tratamento pode ser via Centro de Atenção Psicossocial (Caps), oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), junto ao A.A., que é uma irmandade porta aberta com alta capilaridade no Brasil. Há grupo todos os dias a semana, próximo às residências e online. Eles formam uma rede de apoio e apresentam ferramentas importantes para o processo de parar de beber”, explica Diehl.

Dentro do AA, há os grupos voltados exclusivamente para LGBTQIAP+, como o MAAIS, criado pelo Alcoólicos Anônimos e integrado por Eduardo B. Segundo ele, são importantes porque oferecem escuta e acolhimento sem estigmas.

“Compartilhar situações incômodas que ocorrem é importante no processo de tratamento. Porém, uma mesma situação partilhada do ponto de vista de um heterossexual é acolhida, e de um não-heterossexual causa mal-estar”, explica.

 “Por exemplo, um homem hetero pode dizer que bebeu e se sentiu atraído por uma cunhada. Se um homem gay disser o mesmo, pode ser orientado a não compartilhar ‘determinadas coisas’ com o grupo”, lembra B.

Segundo ele, nos Estados Unidos, grupos voltados para populações especificas são mais comuns. “Uma mulher não vai se sentir à vontade em relatar um estupro quando alcoolizada em uma sala mista. Da mesma forma que pessoas negras também têm vivências particulares relacionadas ao racismo”, analisa.

“Ao final, o mais bonito da irmandade é que temos apoio. A menina trans que era apedrejada no interior do Pará não está mais sozinha dentro da sua dor”, assinala Eduardo B. 

Pessoas LGBTQIAP+ que buscam ajuda para uso abusivo de álcool podem acessar o canal online do Grupo MAAIS, do A.A. As reuniões acontecem às terças, quartas, quintas, sextas e sábados, às 20h. E aos domingos, às 19h.

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