Genocídio é o ato intencional de exterminar, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. A Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), lista cinco atos que ajudam a identificar esse crime:

  • Assassinar membros do grupo;
  • Causar sérios danos físicos ou mentais aos membros do grupo;
  • Submeter deliberadamente o grupo a condições de vida que visem à sua destruição física total ou parcial;
  • Impor medidas destinadas a prevenir nascimentos no grupo;
  • Transferir à força crianças do grupo para outro grupo.

Doutor em sociologia e professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Julio da Silveira Moreira explica que a definição de genocídio não se restringe à efetiva eliminação de um grupo, mas vale também para atos que levem a isso.

“Como impedir abastecimento de comida, contaminar água, impedir nascimentos, destruir hospitais, entre tantos outros”, lista.

Doutor em Direito Político e Econômico e especialista em genocídio e direitos humanos pelo Instituto Zoryan, da Universidade de Toronto, no Canadá, Flávio de Leão Bastos Pereira lembra que há uma intenção em negar o direito de existência de um grupo no genocídio.

“Ele não é caracterizado apenas pelo extermínio físico, mas também cultural”, aponta Pereira, com uma ressalva. Segundo ele, o genocídio cultural, ou etnocídio, embora igualmente proposto por Lemkin, não foi inserido nas leis internacionais vigentes, que tipificam apenas o extermínio físico intencional.

Moreira ainda explica que o genocídio está intimamente relacionado ao racismo. “Em muitos contextos, essa discriminação racial com políticas de ódio e de apartheid chegou a níveis de tentar eliminar determinados grupos”, aponta.

Exemplos históricos de genocídio

Foi o jurista polonês de origem judaica Raphael Lemkin o criador do conceito de genocídio, no livro “Domínio do Eixo na Europa Ocupada”, de 1944. Ele combinou as palavras grega “genos” (raça ou grupo) e latina “cide” (matar).  Tanto Lemkin quanto a sua família foram vítimas diretas do nazismo.

“Até então, era crime matar o homem, mas não se pensava quando a vítima fosse todo um grupo”, diferencia Pereira.

Como advogado em convenções internacionais, Lemkin fez um esforço para que nazistas fossem punidos e houvesse um tratado entre todos os países que prevenisse novos genocídios”, lembra Pereira.

Além do extermínio de judeus (Holocausto), ciganos e pessoas LGBTQIAPN+ pelo regime nazista, Pereira aponta como exemplos históricos o genocídio armênio cometido pelo Império Otomano entre 1915 e 1923; o massacre de quase um milhão de tutsis em Ruanda em 1994; e o genocídio de bósnios em Srebrenica, na Bósnia e Herzegovina, em 1995.

Já Moreira lembra que a colonização também provocou a extinção física e cultural de povos nativos da América.

Como se prova um genocídio?

Moreira explica que é necessário provar a intenção de erradicar um grupo dentro de um processo judicial no Tribunal Penal Internacional (TPI), com apresentação de provas. “Como discursos dos governantes, decretos, leis, provas testemunhais e o próprio contexto em que essas ações são praticadas”, destaca.

Pereira lembra que o genocídio cometido pelos nazistas na Segunda Guerra foi amplamente documentado pelos próprios praticantes, algo que se tornou mais difícil nas décadas seguintes. “Os perpetradores tentam esconder a intenção genocida”, apresenta.

Assim, para Moreira, é fundamental contrapor o discurso de um grupo acusado de genocídio com suas ações.

“Por exemplo, enquanto parte dos discursos dos líderes do Estado de Israel fala que a intenção das ações é simplesmente combater o Hamas e libertar reféns, há uma prática contraditória com tais declarações ao observar que houve bombardeios de hospitais, escolas, abrigos de refugiados, a jornalistas e impedimento de entrada de água, comida e ajuda humanitária. Isso tudo entra no terceiro ponto prescrito pela convenção da ONU: submeter o grupo a condições de vida em que ele não possa se reproduzir ou sobreviver”, opina Moreira. O caso está sendo avaliado pelas cortes internacionais.

Diferenças do genocídio para outros crimes

O Estatuto de Roma é o tratado que criou o TPI, em 1998, e definiu os crimes internacionais mais graves: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e o crime de agressão.

De acordo com Pereira, a principal diferença do genocídio para os outros é a intenção deliberada de destruir um determinado grupo.

Crimes contra a humanidade, por exemplo, abrangem ataques gerais contra todos os civis. “Exemplos foram as ditaduras na América Latina e a Guerra Fria, nas quais a população civil tida como um inimigo político sofria atos como homicídio, tortura, prisão, violência sexual, perseguição, desaparecimento”, exemplifica.

Já o crime de guerra exige a violação de tratados (Convenção de Genebra) dentro de um conflito armado. “O tratado protege os não combatentes, como civis, médicos, enfermeiros, os clérigos, e ex-combatentes, como o soldado rendido e ferido”, diferencia Pereira.

Já o crime de agressão refere-se ao uso de força de um Estado contra outro, violando a soberania.

Como prevenir genocídio?

Pereira lembra que todos os países do mundo que aderiram aos tratados da ONU são obrigados a prevenir, investigar e punir casos de genocídio.

“O genocídio segue um processo que inicia com o aumento do discurso de ódio e polarização contra um determinado grupo. Prevenir exige políticas públicas que preguem tolerância, multiculturalismo, combate ao racismo e uma educação para a paz”, resume Pereira.

Moreira pontua o fortalecimento das organizações e coletivos internacionais para prevenir o crime. “As vítimas, sozinhas, podem não conseguir se opor à opressão de um Estado”, descreve.

Para completar, a memória é uma aliada para que novos genocídios não se repitam. “Um erro é achar que passado e presente estão em relação de oposição, quando o contexto atual do presente se dá porque houve um passado. E quem não entende os erros do passado está condenado a repeti-los”, finaliza Pereira.

Veja mais:

Relatos pessoais de sobreviventes enriquecem ensino sobre o Holocausto

Especialistas explicam os conceitos de antissemitismo e islamofobia

O que é etnocentrismo?

Conheça 3 filmes para debater intolerância religiosa

Crédito da imagem: Cemile Bingol – Getty Images

Talvez Você Também Goste

Funkeiros Cults amplifica a arte na periferia

“Quando você descobre a arte, descobre que existe um mundo além da favela”, diz idealizador do projeto

Descubra 8 séries LGBTQIAPN+ recentes para maratonar

Produções educam, promovem empatia e ajudam a viabilizar o diálogo dentro das famílias

O que são minorias sociais?

Pesquisadores explicam por que grupos que são maioria numérica ainda assim são considerados minorizados

Receba NossasNovidades

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.