Desfem é uma abreviação de desfeminilização e faz referência a um movimento liderado por mulheres lésbicas que rejeita a feminilidade imposta ao gênero feminino desde o nascimento.
Exemplos dessa imposição incluem práticas como furar orelhas de meninas, usar cabelo comprido, maquiagem, roupas e acessórios tidos como desconfortáveis, como salto alto.
“O termo diz respeito a mulheres que não propagam essa feminilidade entendida como padrão, que dita não somente como a mulher deve se vestir, mas também como deve se comportar. Uma feminilidade que, se você não a pratica, não é tida como uma ‘mulher de verdade”, resume a produtora de conteúdo sobre desfem Luana Ferraz (@lu.ferrazzz), de 19 anos.
Artista quilombola autora da página Desfeminilizei (@desfeminilizei), Anne Murici, 30 anos, explica que expressar uma estética que rejeita a feminilidade não significa querer “ser homem”.
“A mulher desfeminilizada gosta de usar roupas que são socialmente associadas ao masculino. Mas acreditamos que roupa não tem gênero”, explica.
“Há uma busca por conforto. A mulher pode raspar o cabelo porque não quer gastar muito tempo o escovando. Maquiagem também é vista como desnecessária: é algo que fica o dia inteiro no rosto, impede de tocá-lo e, às vezes, borra. São padrões que se tenta quebrar”, explica.
Além das questões estéticas, ser desfem é se opor a normas de comportamento impostas às mulheres, como as de serem dóceis, falarem baixo, entre outras.
“A norma de comportamento mais associada à mulher feminilizada é a passividade na forma como ela fala e age”, destaca Murici.
Ela relata também a hipersexualização que sofrem as mulheres feminilizadas. “Os homens entendem que elas, de certa maneira, estão disponíveis para eles”, relata.
Preconceitos diários
Para Murici, ser desfem foi motivado por conforto e por não querer ser sexualizada pelo olhar masculino. “Gosto da minha beleza natural, de andar com roupa e cabelos confortáveis”, compartilha.
Ferraz conta que sofria bullying quando criança por não expressar uma feminilidade padrão.
“Eu me assumi lésbica aos 15 anos e já era desfem, mesmo desconhecendo o termo. Até porque você não vê muitas mulheres desfem tendo visibilidade”, relata.
“Eu tinha medo e vergonha do que os outros iriam pensar de mim. O que me fez seguir em frente é que me sinto livre, feliz e a pessoa que sempre quis ser”, conta.
Para Murici, o principal preconceito contra as desfem é desvalorizá-las como mulheres.

“É afirmar que ela quer ser um homem pela forma como se veste, anda e por se relacionar com outras mulheres. E, por conta dessa rebeldia de ir contra um padrão de feminilidade imposto, a desfem é violentada com palavras e fisicamente. É mais propensa a sofrer lesbofobia (preconceito por ser lésbica), violências quando anda na rua ou em família e também de ser vítima de lesbocídio (assassinato tendo como motivo a orientação sexual)”, relata Murici.
Ferraz aponta também como violências diárias o impedimento de entrar em banheiros públicos femininos ou provadores de roupa.
“Muitas vezes, querem te barrar dizendo que você não é mulher de verdade. Devido ao seu cabelo ou roupa ser de uma determinada maneira, você não pode frequentar o local”, relata.
“Eu me preocupo com coisas que não me alarmavam quando tinha cabelo comprido. Quando vou a um local público feminino, por exemplo, tenho que estar mais atenta e preciso responder a possíveis perguntas com paciência”, lamenta.
No campo do trabalho, Murici lembra que mulheres desfem possuem dificuldade de encontrar emprego e também ficam restritas a atividades braçais.
“Caso você seja uma mulher desfeminilizada e negra, você será mais violentada porque o corpo preto é visto como um corpo que ‘aguenta’ qualquer atividade pesada. É um conjunto de opressões”, denuncia Murici.
“Ao final, por conta da lesbofobia, as mulheres lésbicas desfeminilizadas estão mais vulneráveis ao adoecimento mental”, conclui.
Lésbicas desfem
Murici explica que é difícil mapear quando se iniciou um movimento desfem, uma vez que mulheres buscaram confrontar padrões de feminilidade em diferentes tempos e culturas. Outra dúvida é se toda mulher desfem é lésbica.
“Quem adota a desfeminilidade não precisa necessariamente ser lésbica. Mas também não dá para negar que esse é o grupo no qual há mais desfeminilizadas”, analisa Ferraz.
“A comunidade lésbica o reivindica como algo próprio dela”, acrescenta Murici.
Historicamente, dentro da comunidade lésbica alguns termos são relacionados às mulheres desfeminilizadas.
“Um deles é caminhoneira, considerado pejorativo no passado, mas que foi positivado dentro da comunidade”, relata Murici.
Por sua vez, ela rejeita as terminologias “masculina” e “bofinha” (feminino de “bofe”, sinônimo de homem).
“Lésbicas mais velhas ainda os utilizam, mas hoje tentamos pautar que são inadequados, porque você coloca a lésbica desfeminilizada em um lugar masculino. Faz uma associação de que a lésbica quer ser um homem, o que é puro preconceito e hostiliza essas mulheres também”, pondera Murici.
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Crédito da imagem: arquivo pessoal – divulgação