Drag queen é uma expressão artística em que qualquer pessoa, independentemente de sua identidade de gênero, pode criar uma persona feminina estilizada utilizando maquiagem, roupas e adereços. O termo é uma abreviatura de “dressed as a girl” (vestido como uma garota, em inglês) e tem origem no teatro britânico.
Por ser uma cultura na qual majoritariamente atuam homens gays, o que muita gente não sabe é que mulheres também podem ser drag queens. É o caso de Palloma Maremoto, personagem de Shizue Morimoto, de 42 anos, que já atua na cena drag carioca há mais de uma década.
“Eu comecei como uma brincadeira: teria uma festa drag e eu me montei para ir. Não era uma questão para mim se poderia ou não fazer drag por ser mulher. Lá encontrei outra mulher e durante muito tempo fomos só nós duas na cena”, relembra.
Bruna Tieme, 28 anos, é a artista por trás de Ginger Moon (foto acima). Fã do reality show RuPaul’s Drag Race, ela nunca imaginou que poderia se tornar uma drag.
“Achava o trabalho maravilhoso, mas que havia impedimento por ser mulher. Até que em 2015 li uma reportagem com a Palloma e mandei uma mensagem para ela nas redes sociais. Conheci outras meninas de São Paulo e uma delas me disse: vou trabalhar em uma festa e estão buscando outra mulher drag para performar. Eu aceitei sem ter nome, um figurino ou peruca. Quando terminou, senti algo muito doido: ‘É isso o que quero para minha vida’”, conta.
Gabrielle Britt é a drag de Gisele Dias, 23 anos, que ‘nasceu’ em 2022.
“Eu já ouvia que mulheres cisgênero poderiam ser drag, mas nunca tinha visto pessoalmente. Até que uma amiga minha disse que haveria uma festa e que, se fosse eu ‘montada’, teria acesso ao palco. Além de ter ficado muito feliz com a experiência, alegrou-me ver mulheres drags trabalhando lá. Ainda que a proporção fosse muito menor em relação aos homens”, relata.
De Carmen Miranda a Elke Maravilha
Ginger Moon conta que se inspirou em mulheres que, ainda que não tivessem o rótulo de drag queen em seu tempo, poderiam ser lidas como tal.
“Carmen Miranda construiu a persona dela. Ela não tinha aquele sotaque ou usava aqueles figurinos no dia a dia. É considerada a inventora do salto plataforma, porque queria ficar alta e dançar. Tem algo mais drag que isso?”, brinca.
“Já Elke Maravilha usava aqueles figurinos extravagantes que burlavam gênero. A gente não sabia se ela era homem ou mulher. Inclusive, sofreu transfobia e agressões por sair na rua assim”, relata Ginger Moon.
Para Palloma Maremoto, a arte drag ajuda a desafiar normas de gênero, tanto para homens quanto para mulheres.
“Para o gênero feminino, é exigido uma feminilidade, uma candura, delicadeza, uma discrição, e com a drag podemos ser o oposto disso, podemos ser o que quisermos”, explica.
“Já para o gênero masculino, é exigido uma masculinidade, e ser drag mostra que o feminino faz parte de ser homem também”, analisa.
Mesma opinião de Ginger Moon. “Ser drag mostra que a construção de gênero é tão artificial que podemos fazê-la com pincel, maquiagem e peruca”.
Longa lista de desafios
Ser mulher em uma cena dominada ainda por homens, porém, não é nem de longe fácil.
“Mulheres, no geral, são desvalorizadas nas suas profissões, e na cena drag não é diferente”, lamenta Gabrielle Britt.
“A mulher drag tem que fazer um trabalho impecável para receber metade do reconhecimento de um homem. Qualquer mínima falha é motivo para desmerecer um trabalho”, acrescenta Palloma Maremoto.
Segundo elas, os argumentos para justificar a exclusão de mulheres na cena drag variam, desde a justificativa de que seria “mais fácil” até a de que mulheres já são “femininas”.
“Nem toda mulher é feminina, e ser drag dói para todo mundo: a gente se cola, se corta, aperta partes do corpo, usa figurinos e calçados que machucam, trabalha menstruada etc.”, ilustra Maremoto.
“Já ouvi que mulher fazendo drag era apropriação cultural. Mas, se não houvesse mulher, nem drag haveria”, lembra Ginger Moon.
“Outro argumento comum é o de que drags são representantes da comunidade LGBTQIAPN+, como se mulheres não fossem lésbicas, bissexuais, assexuais e pansexuais”, pontua Maremoto.
“Há também desmerecimento do público. Se eles assistem a um reality show que não tem mulheres, já presumem então que o gênero feminino não faz e não pode fazer drag”, complementa.
Por fim, elas apontam invisibilidade no mercado de trabalho. “Tem produtor de elenco que ainda hoje não sabe que mulher faz drag”, afirma Maremoto.
“Indiscutivelmente, os homens que começaram no mesmo ano que eu tiveram mais oportunidades de trabalho”, compartilha Gabrielle Britt.
Segundo as artistas, nem mesmo mulheres drags reconhecidas internacionalmente são respeitadas. “Temos a cantora lésbica Chappel Roan, que tem grande dificuldade de se estabelecer como mulher drag queen e é taxada apenas de extravagante. Recentemente, o programa RuPaul’s Drag Race coroou pela primeira vez uma mulher cisgênero: a Pandora Nox. O público ainda vai na internet contestar não somente a vitória, mas a participação dela”, diz Maremoto.
“Ao final, arte drag é uma expressão artística e, como qualquer arte, é para todos. Há quase dez anos falam que eu não posso fazer e continuo fazendo”, finaliza Ginger Moon.
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Crédito da imagem: Ale Virgilio – divulgação