Consumir apenas o essencial e de forma consciente é o principio do minimalismo, filosofia de vida que tem atraído cada vez mais pessoas. Os motivos para a transformação, contudo, são variados. A publicitária Kika Monteiro, por exemplo, iniciou seu processo ao se mudar para São Paulo e precisar cortar gastos. “Não tive educação financeira e precisava saber o destino do meu dinheiro. O rombo estava em roupas e sapatos: cheguei a ter 22 pares de um mesmo calçado”, relembra.
Morar em uma kitnet de 27m² e com um armário pequeno deu início a uma reflexão sobre o que a levava a consumir tanto. “Tentava compensar a ausência de algo emocional com o material”, opina. Após ler e assistir documentários sobre minimalismo, ela passou a rever objeto por objeto da casa. “Vivo hoje com 42 peças de roupa e oito pares de calçado. Vivo em um apartamento alugado mobiliado e sem decoração. Quando sair daqui, parto com uma mala”, afirma.
Acúmulo e apego
Autor do perfil do Instagram @filosofiaminimalista, Silas Fernandez se tornou minimalista após uma depressão. “Nada me satisfazia e os objetos não davam o sentido de vida que buscava”, destaca. Ele também passou a questionar o consumismo. “Desconta-se a frustração comprando ou comendo algo que não se precisa, gerando dívida, competição e falsa ilusão de status social. Tudo isso para não ‘enfrentar o monstro’”, garante.
A criadora de moda Mirella Cestari buscava entender um processo de ansiedade quando passou a refletir sobre acúmulo. “Não somente de itens físicos, mas de momentos, hábitos, aplicativos e até redes sociais desnecessárias”, pontua. Ela acredita que o ambiente da moda favorecia um consumo desenfreado.
“Mas sempre tive uma relação diferente com objetos: de carinho, história e herança. Apenas não entendia a consumidora que gostaria de ser e seguia o mercado”, lembra. A adoção do minimalismo foi ainda incentivada por consciência ambiental e social. “Consumir apenas para satisfação impacta negativamente nas mudanças climáticas e incentiva o trabalho análogo ao escravo”, defende.
Apego excessivo foi o motivo para a artista e palhaça Denise de Souza Bruno assumir o novo estilo de vida. “Comprava ou guardava tudo o que via e gostava. Sentia um apego às coisas que me incomodava, gerava sofrimento e sensação de prisão”, confessa.
Além do guarda-roupa
O minimalismo está inserido em um contexto social e histórico amplo, como explica o pesquisador do Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo da Universidade de São Paulo (USP), Silvio Koiti Sato. “A tecnologia móvel e a nuvem trouxeram a ideia de um produto não- físico. A internet possibilitou a troca de informações sobre novas formas de vida. A superpopulação nas cidades levou as pessoas a morarem em lugares menores e há a questão ambiental urgente”, analisa.
O processo, porém, é desafiador. “Vivemos em uma sociedade de consumo, que estimula a busca pelo novo e cria produtos feitos para não durarem . Se o status é medido pelo o que você tem, consumir menos é repensar o seu lugar na sociedade”, resume.
Esses são os desafios enfrentados pelos minimalistas. “Se conhecer é quebrar crenças como vencer na vida, status social, comemorar somente em datas especiais”, diz Fernandez. “Precisei entender se eu era o que eu desejava ou apenas influenciada pela mídia e pelo que a sociedade convencionou como padrão”, reflete Monteiro.
O que começa com um guarda-roupa tende a migrar para outras áreas, principalmente a exposição excessiva a informações.“Reduzi interação na internet, removi notificações e escolhi rede social e aplicativos prediletos”, pontua Cestari. “Na alimentação, evito industrializados. No lazer, uno exercício físico e de baixo impacto ambiental, como andar de bicicleta, fazer um piquenique”, acrescenta.
Para começar
Para Sato, os benefícios do minimalismo são o resgate da afetividade dos objetos e a escolha consciente. “Sei hoje o motivo do que consumo, seja produto, notícia ou alimento. Sou dona das minhas escolhas”, comemora Cestari. Outra vantagem é uma saúde mental mais equilibrada, como aponta o autor do livro e do recém-lançado documentário gratuito “Mente Minimalista”, Gianini Cochize Ferreira: “Pouco consumo, vida simples e reserva financeira garantem tranquilidade em um período de crise econômica, como aconteceu na pandemia do coronavírus”.
Ferreira lista algumas dicas para quem deseja se tornar minimalista. Antes de começar a se desapegar de coisas, é importante buscar informações. “Entenda onde o minimalismo se aplica na sua vida, algo que só você pode saber. Por isso, evite grupos de discussões sobre o tema em um primeiro momento”, recomenda. O processo de desapego deve ser invertido, isto é, o foco deve estar primeiro no que é essencial para a pessoa. “O que sobrar, você doa”, ensina.
Roupas que não foram usadas em seis meses podem ser doadas. “Comece por itens que sejam somente seus, caso divida moradia. Ou seja, por onde tem autonomia”.
Outra orientação é se desapegar de itens que estejam em dobro na sua casa. “Se for guardar tudo duplicado pensando ‘vai que eu precise um dia’, terá que fazer um back-up da sua vida toda”, brinca.
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