Por Leonardo Valle

Imagine um mundo onde as pessoas ‘comprassem’ produtos e serviços não utilizando o dinheiro como recurso, mas seu tempo? Pois essa dinâmica já é realidade nos chamados bancos de tempo. A iniciativa teve suas primeiras experiências na Itália, mas se consolidou em Portugal, onde funciona há mais de 15 anos por meio de agências físicas. Já no Brasil, os bancos de tempo surgiram em 2015 e funcionam virtualmente em grupos do Facebook, que reúnem pessoas da mesma cidade.

“Ao entrar no grupo, cada pessoa ganha quatro horas de crédito. Quando ela precisar de uma aula de inglês, por exemplo, terá uma hora retirada da sua conta e transferida para a conta da pessoa que irá ensiná-la. Como se fosse um cheque”, compara um dos administradores do Banco de Tempo de Brasília (DF) Vitor Rocha. “Esse professor, por sua vez, poderá utilizar as horas que ganhou para acessar outros serviços”, complementa.

Os serviços trocados na plataforma são os mais variados. “Sou advogado e produzo manteigas ghees. Troco esses serviços por massagens e consultas terapêuticas”, conta Rocha, cujo grupo possui ainda médicos, pintores, massagistas, professores, entre outros.

E o que iguala profissões diferentes não é o valor de mercado, mas o tempo. “O tempo do médico que cura o resfriado decorrente de um golpe de vento de uma janela quebrada vale a mesma coisa que o tempo daquele que arrumou a janela e evitou que outras pessoas se resfriassem”, ilustra uma das administradoras do Banco de Tempo de Florianópolis, Luciana Cury. “Vai na contracorrente do capitalismo porque o tempo iguala qualquer talento que as pessoas tenham desenvolvido durante a vida, independente da valorização monetária vigente”, completa.

Em seu grupo, Cury disponibiliza uma lista de talentos que inclui consultoria em alimentação natural animal, acupuntura, desenvolvimento e gerenciamento de projetos de informática. “Mas estou disponível para ajudar qualquer pessoa em outras coisas. Já ajudei uma garota que estava mudando e não conseguia tempo para buscar caixas. Também fiz um bolo de aniversário”, relata ela, que troca suas horas por atividades fixas. “Uma associada leva meu cachorro para passear três vezes por semana. Faço pilates, aula de inglês e dança do ventre. Já fiz ioga, terapia e troquei minhas horas por comidas deliciosas que outras pessoas fizeram”, destaca.

“Não existe lucro financeiro aqui. Tempo é tempo e não se pode esticar, devolver ou acumular. Tempo é vida e quando a gente pode contar com a ajuda do outro, ela fica mais plena, bonita e fácil. Pra quê, então, lucro?”, questiona.

Foto dos administradores da página Banco de Tempo Florianópolis
Administradores da página Banco de Tempo Brasília. Da esquerda para a direita: Vitor Rocha, Nádia Nádila, Ana Júlia Zacks e Laís Guedes (crédito: divulgação)

 

Comunidade fortalecida

“Num mundo onde a gente vive ocupado, é importante um lugar onde se possa olhar para as necessidades dos vizinhos. Além disso, o banco de tempo fomenta a cidadania e autoresponsabilidade. Cada indivíduo percebe que pode fazer muito pela comunidade quando passa a olhar as necessidades dos outros”, justifica Cury.

Outro benefício é igualar possibilidades de aquisição. “Serviços que algumas pessoas não têm acesso estão disponíveis no banco de uma forma que elas podem pagar: usando seu crédito de tempo”, comemora.

Já a massoterapeuta Wanessa Souza vê no banco de tempo uma possibilidade de autoconhecimento. “Há pessoas que entram achando que não tem nenhum talento, mas descobrem que podem ajudar cuidando de uma criança, acompanhando um vizinho doente em uma consulta médica, entre outros. Elas percebem que aquilo que não viam como um talento pode realmente fazer a diferença na vida do outro”, opina. “Se você sabe algo em nível intermediário, esse seu conhecimento pode ajudar muito quem não sabe nada. Assim, a ideia é não deixar nenhum talento na gaveta”, finaliza Rocha.

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