Vivenciar situações constrangedoras e preconceitos é uma realidade na vida de lactantes quando precisam amamentar em público.
“Já aconteceu de pessoas acharem feio, de pedirem para eu ir para um local reservado e de homens aproveitarem para olhar de forma abusiva”, conta a psicóloga especializada em aleitamento materno Tarsila de Carvalho.
Consultora em amamentação e fonoaudióloga, Larissa Simon percebeu que o incomodo é proporcional à idade da criança. “Eu não percebia olhares maldosos, de nojo ou desprezo quando a minha filha era bebê, mas sim quando ela se tornou criança”, relata.
O problema não é exclusividade do Brasil e possui fatores associados entre as suas causas. Como o desconhecimento da amamentação como uma questão de saúde e que traz benefícios físicos e emocionais tanto para a criança quanto para a mãe. A prática está relacionada ao fortalecimento da imunidade, à redução da mortalidade infantil, à prevenção de depressão pós-parto, entre outros. São motivos que levaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) a preconizar o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida.
“Há uma hipersexualização dos seios ligada à erotização masculina, uma visão maliciosa de como o corpo feminino é visto pela sociedade. Quando, na realidade, amamentar é uma questão de saúde e ponto”, opina a jornalista membro da Rede Mães Amazonas Thayssa Castro.
“Um bebê não tem hora marcada para sentir fome. Além disso, constranger um aleitamento é uma atitude machista porque determina que a lactante deve ficar enclausurada, interfere no seu ir e vir”, analisa Simon.
Direito constitucional
A advogada Bruna Carolina Silva lembra que amamentar é um direito constitucional vinculado à proteção da dignidade humana (artigo 1º da Constituição Federal) e ao direito à saúde (artigo 6º).
Além disso, a Lei nº 8.069/1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), assegura às mães lactantes o direito de amamentar em qualquer ambiente, público ou privado.
“Assim, constranger ou impedir uma mãe de amamentar pode ser considerada uma violação dos direitos fundamentais da criança e da mulher, além de gerar responsabilidade por danos morais”, afirma.
Porém, Silva explica que o ECA é incompleto por não especificar punições para quem constranger a amamentação em público. “Assim, ele depende de complementação legislativa”, assinala.
Contra o problema, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 1654/19 (antigo 514/2015, do Senado Federal).
“Ele reforça a proteção à amamentação em público ao criminalizar quem constranger a lactante, prevendo penas e multas claras, além de prever indenizações para as mães que sofrerem violação de direitos”, explica Silva.
A advogada explica que uma legislação nacional unificaria o entendimento do tema no país. Atualmente, há legislações locais em cidades como São Paulo (16.161/2015) e Rio de Janeiro (5.872/2015) e no estado do Rio de Janeiro (7115/2015).
O PL também determina que espaços públicos tenham locais onde mães possam amamentar. “É algo dúbio porque, por um lado, pode oferecer uma infraestrutura confortável para mães iniciantes amamentarem com facilidade. Por outro, não deve ser uma imposição”, opina Simon.
“Se estão todos almoçando em uma mesa de restaurante, qual seria o motivo de uma lactante precisar se retirar para amamentar em local reservado? A amamentação deve ser feita em qualquer ambiente onde o lactente se sentir confortável”, reforça Carvalho.
Como agir?
Em caso de constrangimento, Simon recomenda conversar com a pessoa educadamente. “Lembre-a de que não há lei que impeça a amamentação em locais públicos, que é uma atividade natural, um direito constitucional e que a criança está com fome. Além disso, quem está incomodado tem a opção de não olhar”, orienta.
Caso o constrangimento se prolongue, Silva recomenda registrar um boletim de ocorrência, buscando respaldo legal para possíveis ações judiciais, como indenização por danos morais.
“Documente o ocorrido com fotos, vídeos ou testemunhas, procure orientação jurídica e, dependendo da situação, pode-se denunciar o caso ao Ministério Público ou à Defensoria Pública”, ensina a advogada.
‘Hora do mamaço’
Foi pensando em naturalizar o aleitamento materno que mães francesas se uniram para amamentar em público em 2006, dando origem ao evento ‘La Grande Tétée’. No Brasil, o evento se chama “A Hora do Mamaço” e acontece em diversas cidades durante o mês de agosto, quando ocorre a Semana do Aleitamento Materno (SMAM). Ele ainda oferece palestras, rodas de conversas e atividades culturais como a dança materna.
“Com a Hora do Mamaço, conseguimos mobilizar a sociedade para a importância do aleitamento materno para a saúde dos bebês e das mulheres, mostrando que amamentar também é um ato político, social e sustentável”, afirma Castro.
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