Quando se trata de desfilar em escolas de samba, pessoas com deficiência (PCD) podem integrar alas comuns, alas inclusivas e até optar por uma escola voltada especificamente a elas: a carioca Embaixadores da Alegria.
Vitor dos Santos, 50, é cadeirante e encontrou espaço nas alas comuns da Unidos de Padre Miguel.
“Eu sempre gostei de carnaval, mas nunca havia desfilado em escola de samba. Até que em 2019 minha irmã me levou à quadra, e os coordenadores me convidaram para desfilar. Desfilo geralmente sozinho, mas em caso de dificuldade alguém me ajuda”, relata.
Pessoa com nanismo, a passista Viviane de Assis, 45, desfila pela Viradouro e pela Embaixadores da Alegria. Filha de um compositor de samba-enredo, ela começou a desfilar em 1994.
“Estou em escolas que me deram espaço e me valorizaram, mas penso que todas deviriam abrir oportunidades para PCDs desfilarem onde quiserem, seja como passista, rainha de bateria, porta-bandeira…”, opina
Porém, desfilar em alas convencionais nem sempre é fácil para PCDs. Cofundador da Embaixadores da Alegria, Paul Davies, 67 anos, aponta como empecilho a estrutura rígida do carnaval de avenida.
“As escolas precisam atravessar até três mil pessoas em 80 minutos sem atrasar, puxadas pelos setores de harmonia e evolução. Isso exclui PCDs com mobilidade reduzida”, exemplifica.
Assis aponta capacitismo no mundo do carnaval como outra problemática. “Tenho amigas que foram esquecidas por suas escolas depois que se tornaram PCDs, expulsas dos postos que ocupavam”, lamenta.
Para completar, o discurso de ódio nas redes sociais pode afastar PCDs das escolas de samba. “Quando eu posto foto como passista, aparece muito hater. Os comentários me entristecem”, revela Assis.
Alas inclusivas
Algumas escolas de samba possuem tradição de alas voltadas para PCDs, como as paulistanas Rosas de Ouro (2002) e X-9 (2001).
A Loucos pela X, da X9 Paulistana, reúne pessoas com transtornos psiquiátricos e surgiu quando a escola, que desenvolvia um samba-enredo sobre a origem do papel, descobriu que ali pertinho havia um ambulatório de saúde mental em que os usuários geravam renda produzindo papel reciclado.
“A escola nos convidou para formar uma ‘ala convidada’ que virou permanente no ano seguinte. O nome era uma brincadeira para desmistificar o termo ‘loucura’ e lembrar que, fora do diagnóstico psiquiátrico, todos somos loucos por alguma coisa”, apresenta o trabalhador do coletivo Loucos Pela X Pedro Gava, 45 anos.
Vinte e quatro anos depois, a ala continua em atividade, e os participantes hoje trabalham produzindo fantasias.
“Justamente para ser inclusiva, é uma ala para todo mundo. A maioria dos membros faz acompanhamento de saúde mental, mas há parceiros e acompanhantes que não”, lembra Gava, que vê no projeto a possibilidade de a pessoa com transtorno psiquiátrico vivenciar outros papeis e circular em sociedade.
“Infelizmente, restringimos essa população ao seu diagnóstico e aos serviços de saúde, quando elas podem ser muito mais, incluindo sambistas e anfitriões de uma escola de samba”, enfatiza Gava.
Mas, dependendo da estrutura e do objetivo da ala inclusiva, ela pode não atingir aquilo a que se propõe. Assis aponta como benefícios do modelo a oferta de estrutura e a presença de acompanhantes para quem necessita.
“Mas elas também podem ser usadas como segregação, porque em vez de ter uma passista ou uma porta-bandeira PCD você vai jogar todo mundo em um mesmo setor, como um curral. O ideal é cada um desfilar onde quiser”, reflete.
O cadeirante Vitor Santos, por sua vez, vê ambas as possibilidades com bons olhos. “Os dois modelos podem ser positivos”, avalia.
Embaixadores da Alegria
Fazer do carnaval do Rio de Janeiro uma festa mais democrática foi o que motivou Paul Davis, 67 anos, a cofundar a Embaixadores da Alegria em 2006. A escola – estruturada no mesmo modelo que todas as outras – abriga PCDs com diferentes deficiências e tradicionalmente abre o Desfile das Campeãs.
A ideia surgiu quando ele, que coordenava alas em uma escola de samba carioca, ficou imobilizado por conta de uma hérnia de disco, sem poder desfilar.
“Foi quando percebi a exclusão de muitas pessoas no carnaval”, relata.
Na Embaixadores da Alegria, a PCD pode desfilar com família, responsável e acompanhantes. A escola abre anualmente duas mil vagas, que podem ser consultadas pelo Instagram do projeto.
Ao longo da existência, a escola ganhou homenagem da família real britânica, participou das aberturas dos Jogos Olímpicos de Londres (2012) e do Rio de Janeiro (2016) e de Jogos Paralímpicos.
“Algumas histórias me marcaram, como um rapaz que tinha extrema dificuldade para andar e completou a avenida sozinho. Teve outro que esqueceu a cadeira de rodas ao entrar no ônibus. Por isso, um participante o carregou por toda a avenida, mudando ele de lado para que pudesse ver as pessoas nas duas arquibancadas”, relata Davies.
Mas há dificuldades: a Embaixadores depende da abertura de editais de fomento para viabilizar vestimentas e não tem barracão próprio.
“Abrimos todos os anos o Desfile das Campeãs, mas não somos televisionados e não estamos no horário oficial da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa). Mas creio que, mostrando a qualidade do nosso trabalho, chegaremos lá”.
Para PCDs que desejam desfilar na avenida em qualquer modalidade, Santos indica buscar uma escola e conversar. “Entrar na avenida e ser aplaudido é maravilhoso, faz a gente se sentir um artista”, emociona-se.
“PCD que quer desfilar não deve desistir desse sonho. Ser sambista também está no nosso sangue e alma”, diz a passista Viviane de Assis.
Veja mais:
Blocos inclusivos aproveitam o carnaval para conscientizar sobre o tema
Escolas de samba mirins: agremiações oferecem oficinas de carnaval e reforço escolar
Por que as antigas marchinhas são machistas?
Sambas-enredo exaltam contribuições de negros e indígenas para a história do Brasil
Crédito da imagem: luoman – Getty Images