Ainda que o assunto pareça mórbido, o destino do corpo de uma pessoa falecida gera impactos significativos ao meio ambiente. No Brasil, os encaminhamentos legais e culturalmente aceitos são o enterro em cemitérios e a cremação. Mas qual deles pode acarretar menor dano à natureza?

Sepultamento em cemitério

“No país, a maioria da população é cristã e, por questões dogmáticas, os sepultamentos são realizados no solo, em cemitérios”, explica o engenheiro sanitarista e ambiental Jarbas Amoedo Fogaça Neto.  

Cemitérios requerem espaços consideráveis de terra, resultando na remoção da vegetação nativa e destruição do ecossistema local. Por sua vez, a impermeabilização do solo com concreto aumenta as chances de enchentes e erosão do solo no entorno do local.

Mas o principal risco ambiental relacionado a cemitérios ainda é a contaminação do solo e lençóis freáticos pela matéria orgânica em decomposição do corpo humano, o chamado necrochorume. 

“Microrganismos decompositores quebram os tecidos do corpo e liberam um líquido rico em nutrientes, microrganismos e contaminantes”, resume Neto.

Quando os corpos são enterrados em solo sem um sistema adequado de drenagem ou quando ocorre a ruptura de caixões e sepulturas, tais fluidos atravessam e contaminam o solo. 

“Por possuir grande carga patogênica, o necrochorume pode provocar doenças como febre tifoide e paratifoide, diarreia e infecção pelo vírus da hepatite A”, alerta Neto. Para lidar com o problema, são necessários sistemas de drenagem e de contenção.

“Para fins ambientais, quanto menor for a possibilidade de contato entre o necrochorume e o solo, melhor. Em cemitérios horizontais, o mais comum é a impermeabilização do local do sepultamento e o uso de caixão de madeira, que criam uma barreira entre ambos”, descreve o engenheiro sanitário.

Já em cemitérios verticais, onde o sepultamento ocorre em prédios ou torres, há menor risco de infiltração por necrochorume. “Também resolve a necessidade de espaço e terra que ocorre nos cemitérios horizontais”, avalia o mestre em análise geoambiental, Francisco Carlos da Silva. 

Silva ainda aponta a falta de legislações locais e de fiscalização para evitar acidentes ambientais envolvendo o necrochorume.  

“Na teoria, as secretarias de meio ambiente deveriam fiscalizar os cemitérios e o Ministério Público também pode ser acionado”, orienta. 

Completam as problemáticas ambientais relacionadas aos cemitérios a decomposição dos caixões de madeira e o lixo gerado no dia a dia, como plásticos, flores artificiais, velas e vasos. Estes podem representar riscos a aves e demais animais da fauna local. 

“A decomposição dos caixões pode liberar no meio ambiente metais potencialmente tóxicos, como cádmio, zinco e cobalto”, afirma Silva.

Cremação

A cremação não demanda espaço de terra ou provoca contaminação por necrochorume. Porém, exige queima de combustíveis fósseis, como gás natural e óleo diesel, provocando a emissão de poluentes na atmosfera.

A lista de gases poluentes emitidos inclui não apenas o dióxido de carbono (CO₂) — relacionado ao efeito estuda e mudanças climáticas — mas também nitrogênio (NOx), dióxido de enxofre (SO₂) e compostos orgânicos voláteis (COVs). Estes impactam na qualidade do ar e causam problemas respiratórios. O problema é ainda agravado quando o corpo cremado contém próteses metálicas ou outros materiais não biodegradáveis.

Embora alguns crematórios possuam sistemas de filtragem nas chaminés para reduzir as emissões de poluentes atmosféricos, eles não são 100% eficazes, como aponta Silva.

“Seriam necessários filtros em ótimas condições de funcionamento e a manutenção constante deles”, ressalta. 

Comparando ambos

Ainda que a cremação elimine muitos gases poluentes e de uma única vez, os efeitos a longo prazo dos cemitérios fazem dele a pior opção — conclusão da pesquisa  “Estudo comparativo do impacto ambiental entre cremação e sepultamento” (2020),  da engenheira ambiental Gabriela Cavion.

A análise de dados mostrou que a cremação gera emissões atmosféricas, ainda que baixas concentrações. Porém, não produz poluentes líquidos, um ponto positivo em relação ao sepultamento.

Para avaliar o sepultamento, Cavion usou um cadáver suíno, que possui características fisiológicas similares ao corpo humano. Uma curiosidade foi a identificação de emissão de gases também na decomposição do corpo sepultado, caso de O₂, CO₂, NO, NOx e SO₂. 

“Os gases oriundos da decomposição cadavérica estão presentes em maiores concentrações, além de serem emitidos por um período maior, comparando com o processo de cremação”, concluiu.

Possibilidades futuras

Para o futuro, são esperadas novas alternativas para lidar com a morte de maneira sustentável. Entre as pesquisas recentes se destaca a compostagem de corpos, estudada pela Recompose em parceria com a Universidade de Washington, nos Estados Unidos. A técnica se assemelha a compostagem de carcaças de animais e consegue transformar os corpos humanos em nutrientes para o solo de forma segura. 

Outra iniciativa estadunidense é a Eternal Reefs, que utiliza uma mistura de cinzas humanas e cimento para restaurar corais marinhos. Para completar, o holandês Bob Hendrikx pesquisa o uso de caixões feitos de micélio, a parte vegetativa de fungos e colônias bacterianas. 

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