A “câmera operacional portátil” (COP) é o nome dado à tecnologia acoplada ao uniforme do policial que capta som e imagem em temo real pela perspectiva do agente. Depois de programas pilotos na Polícia Militar de São Paulo, as COPs se tornaram uma política da Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP-SP) desde 2020.

“As câmeras ficam junto ao peito e gravam as atividades interruptamente, sem que o agente possa parar. Com isso, é possível observar o que realmente aconteceu na ocorrência, sendo que as imagens permanecem armazenadas em um banco de dados e podem ser acessadas por órgãos externos, como o Ministério Público (MP)”, esclarece o membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Alan Fernandes.

Entre as conquistas, a SSP-SP informa que o uso das câmeras nos uniformes de agentes reduziu a letalidade policial em 65,6% nas unidades que adotaram a tecnologia, enquanto as mortes de policiais em serviço caíram de 14 para 4.

Estados Unidos e Reino Unidos estão entre as nações que também adotam a tecnologia.

“Há uma variação grande de modelos e de países que iniciaram ou interromperam a prática”, contextualiza Fernandes.

O Brasil contou ainda com um projeto piloto em Santa Catarina com 2500 câmaras, em 2019. Já o Rio de Janeiro iniciou o uso das COP em nove batalhões em maio de 2022.

“Em Santa Catarina, houve redução de 61% no uso de força e casos de baixa periculosidade, como brigas de bar que não escalaram para outras violências. A câmera contribui para ânimos mais relaxados”, analisa o pesquisador do Núcleo de Violência  da Universidade de São Paulo (NEV-USP) Daniel Edler.

Abusos são realidade  

A discussão sobre o uso da tecnologia se dá pelo histórico de violência policial do Brasil. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 , 12,9% de todas as Mortes Violentas Intencionais (MVI) do país decorrem do problema.

De acordo com o documento, apesar de uma redução de 4,2% nas mortes pela polícia no último ano,  as elevadas taxas em diversos estados indicam que “abusos e execuções permanecem como prática de algumas instituições policiais , misturando-se a casos de uso legítimo da força”.

Enquanto a média nacional é de 2,9 vítimas por 100 mil habitantes, o Amapá – estado com a polícia mais violenta do país – possui taxa de 17,1. A título de comparação, na Venezuela, a taxa de mortalidade por intervenções policiais foi de 16,6 em 2018.

“Entre as hipóteses para a diminuição da violência, estão uma possível inibição do uso de força por  criminosos – já que as gravações podem ser utilizadas como provas em processos criminais. Outra possibilidade é o policial buscar apoio nos procedimentos operacionais para resolver conflitos ao invés de recorrer à violência”, lista Fernandes.

Agente fica protegido

Já entre os argumentos contrários está a possível queda na produtividade da polícia no combate ao crime. Em São Paulo, porém, os dados da SSP-SP apontam o oposto: as prisões em flagrante aumentaram 41% e as apreensões de armas cresceram 13% nos 64 batalhões e unidades de ensino que utilizam as 10.100 câmeras.

Outro argumento é a violação da privacidade do policial, que pode ser gravado indo ao banheiro ou tendo conversas pessoais. No caso das agentes femininas, há a preocupação da gravação no vestiário.

“O policial é um trabalhador e as demandas são legitimas. Porém, quando comparamos os estudos de outros países e realidades, quando o policial tem o controle para parar as gravações, não há ganhos na diminuição da violência”, lembra Fernandes.

Para os especialistas, o uso da câmera é positivo para os agentes. “Além de diminuir a violência e morte dos policiais, o bom agente fica respaldado juridicamente quando mostra que usou todos os protocolos antes de escalar para o uso da força”, analisa Edler.

“Também evita que outras autoridades tentam prejudicar o seu trabalho, como ‘as carteiradas’, quando alguém lança algum ‘você sabe com quem está falando?’”, relata Edler.

Só as câmeras não bastam

Para reduzir a letalidade policial, as cops tem que ser aplicadas junto a outras iniciativas. Em São Paulo, a SSP apostou em formação de agentes e maior uso de armas não letais, como as de incapacitação neuromuscular.

“É ainda necessária uma atuação livre das corregedorias – órgão interno que fiscaliza irregularidades”, lembra Fernandes.

Em São Paulo, a SSP criou a Comissão de Monitoramento da Letalidade em dezembro de 2021, grupo que conta com representantes da secretaria, das polícias Militar, Civil e Técnico-Científica, MP, Defensoria Pública do Estado, Instituto Sou da Paz e Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para as cops atingirem seus objetivos, Edler destaca o cuidado com a  produção de provas. “Em São Paulo, as imagens são enviadas automaticamente para banco de dados, sem a necessidade de descarregar. Ao contrário do Rio, no qual os agentes precisam fazer o download ao final da patrulha. Assim, um policial mal pode sumir com o arquivo antes de baixá-lo”

Em São Paulo, as imagens ficam arquivadas de 30 a 90 dias salvo situações em que ocorre mortes ou quando as gravações são solicitadas pela Defensoria Pública, MP e Corregedoria, quando o prazo pode se estender para até três anos.

“Há ainda necessidade de supervisão. Em São Paulo, o software aponta se a câmera estiver apontada para cima. Se em outros estados não houver controle, em pouco tempo, todas câmaras podem estar propositalmente envergadas”, alerta Edler.

Outros pontos é facilitar o acesso a imagem pelos cidadãos. “Quando um camelô toma uma tapa na cara do policial injustificado, como ele pode fazer para pedir essa prova? Será rápido?”, questiona Edler.

Também é necessário investimento. Segundo a SSP-SP, são direcionados R$ 7,1 milhões por mês para cobrir equipamentos e o armazenamento das imagens em nuvem.

“A instituição deve estar preparada para aplicar o programa. Em São Paulo, havia um projeto piloto que foi se expandindo. No Rio, contrataram por licitação 22 mil câmeras de uma só vez sem formação dos agentes”, compara Edler.

“Além disso, o  Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), conhecido pela letalidade policial, foi excluído de usar a tecnologia”, informa o pesquisador do NEV-USP.

 

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