Torcidas que reúnem autistas e espaços adaptados em estádios são duas iniciativas recentes no futebol que contribuem para a inclusão de torcedores com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Gerente de Compliance e ESG do Estádio Governador Magalhães Pinto, mais conhecido como Mineirão, Amanda Bomtempo explica que as dificuldades enfrentadas pelas famílias começam desde a compra dos ingressos e se estendem até a permanência no estádio.
“Entre os desafios estão garantir o direito à meia-entrada para o autista e acompanhante; permissão para levar alimentos e bebidas para o autista com seletividade alimentar; necessidade de levar objetos de afeição que proporcionam conforto; lidar com aglomeração; ausência de prioridade no acesso ao estádio e revistas de segurança realizadas sem considerar as particularidades do autismo”, lista.
“Há ainda excesso de barulho no ambiente e situações de crise, que frequentemente levam a família a deixar o local antes do término do evento”, complementa.
Autista, psicopedagoga e diretora do projeto Autistas Alviverdes, do Palmeiras, Barbara Luise da Silva lembra que o estádio é um local repleto de estímulos diversos, que podem ser causadores de uma desregulação emocional na pessoa autista.
“Ter o acolhimento no momento certo, com auxílio de profissionais adequados e locais adaptados corretamente, é crucial para que a experiência seja positiva, tanto para a pessoa autista como para seu acompanhante”, enfatiza.
Salas adaptadas
Foi pensando em proporcionar mais conforto para autistas e familiares que, desde 2015, clubes de futebol de todo o mundo passaram a criar salas adaptadas em estádios.
A primeira iniciativa é atribuída ao casal inglês de torcedores Kate e Peter Shippey, com três filhos autistas. Eles conseguiram implementar a ideia com o Sunderland. No Brasil, o Corinthians foi pioneiro em inaugurar um setor para autistas, em 2019, seguido por times como Goiás, Palmeiras e Cruzeiro. Este último possui o camarote TEA no Mineirão.
“Para adquirir os ingressos para autista e acessar o Camarote TEA, preenche-se um cadastro no site do Mineirão. Os documentos enviados são analisados e, caso estejam corretos, a equipe entra em contato com o comprador para coletar informações necessárias para garantir uma boa experiência”, explica Bomtempo.
No estádio, o espaço reservado conta com estacionamento com vaga exclusiva, brinquedos sensoriais, ambiente com controle de ruído, banheiro adaptado e abafadores de som para maior conforto, assim como menu adaptado para restrições alimentares e alergias.
“A equipe possui psicopedagogos, neuropsicopedagogos, psicomotricistas, terapeutas ABA e especialistas em inclusão e autismo”, conta Bomtempo.
“Sem uma sala com um número menor de estímulos, redução de ruído, baixa iluminação, espaço físico para que a criança e o adulto possam caminhar, balançar-se, regular-se de acordo com a necessidade do momento, uma experiência como a ida a um estádio de futebol pode causar uma sobrecarga tão alta, que pode afetar não somente o momento, mas também os dias seguintes de uma pessoa autista”, lembra Silva, da torcida Autistas Alviverdes.
“Sobre as salas, nada se compara ao momento de ver uma família assistindo pela primeira vez à partida do seu time de coração. As adaptações tornam possíveis experiências como essa”, orgulha-se Silva.
Torcida autista
Pessoas autistas também passaram a se reunir para assistir a jogos em estádios juntas: “O objetivo foi conscientizar as pessoas sobre o autismo e mostrar que autistas podem sim frequentar espaços como um estádio de futebol”, relata a idealizadora do movimento Autistas Alvinegros, que reúne torcedores do Corinthians dentro do TEA, Juliana Prado.
“Desde a criação da torcida, notamos que mais autistas e seus familiares têm frequentado as partidas e ambientes que antes eram evitados por receio ou por não serem acessíveis”, analisa.
“Recebemos um carinho muito grande, principalmente dos torcedores que vão recorrentemente ao estádio. Quando estamos próximos à faixa, sempre recebemos comentários positivos, pessoas que tiram fotos e nos encaminham por rede social, que perguntam como fazer parte e ajudar o projeto. No geral, somos muito bem recebidos pela torcida”, compartilha Silva.
Em São Paulo, as torcidas autistas também mantêm contato entre si. “Temos um grande grupo intitulado Arquibancada Autista, no qual dividimos experiências”, relata a diretora do projeto Autistas Alviverdes.
“Ao final, o esporte tem um papel muito importante no processo de inclusão, principalmente quando falamos da conscientização”, avalia Silva.
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