Sistema de escrita e leitura baseado em 64 símbolos em relevo, o braille estimula a integração social da pessoa cega ou com baixa visão quando em produtos e espaços públicos. “É como se a representatividade da pessoa cega estivesse estampada ali, evitando que a cegueira inviabilize as relações que possam acontecer nesses diferentes espaços”, resume a mestra em educação e pessoa cega, Luciane Maria Molina Barbosa.

O código foi criado pelo francês Louis Braille (1809-1852) e trazido para o Brasil em 1854. Atualmente, além da Lei Brasileira de Inclusão (13146/2015) estipular o braille para a acessibilidade da pessoa cega, legislações municipais, estaduais e federais buscam ampliar sua presença no cotidiano – nem sempre com sucesso.

Criadora do projeto “Enxergando o Futuro”, – que disponibiliza materiais gratuitos e plataforma virtual para a aprendizagem do braille – Daniela Reis Frontera sente falta do relevo no cartão de credito e nas cédulas de dinheiro. “Quando ligam e pede numero do seu cartão de crédito, você precisa de uma pessoa vidente do lado para lhe ajudar”, relata.

Para ganhar autonomia, ela rotula os itens da sua casa com etiquetas em braille. “Como pastas de documento, mantimentos e roupas”, revela. Compras no supermercado sem produtos adequados ao sistema também são desafiadoras, como aponta a professora Lethicia Massolini Romaqueli. “Não acessamos informações básicas, como a data de validade do item. Poucas empresas disponibilizam essa informação em braille”, compartilha.

Daniela Frontera usa instrumento para escrita do braille (crédito: Nayara Zattoni Fotografias)

Como mudança positiva, ela aponta a inserção desse código nas embalagens de medicamentos. “Mencionam apenas o nome da substância e a dosagem, mas, ainda assim, é maravilhoso e garante independência”, comemora. Barbosa, por sua vez, aponta a falta do sistema em senhas de autoatendimento como um problema. “Livros, materiais didáticos, provas de concurso, literatura de entretenimento e tantas outras situações são exemplos de que o braille precisa ser preservado na vida de cada pessoa”, opina.

Quando presente, porém, ele provoca mudanças. Barbosa lembra duas situações marcantes: um cartão de natal recebido da sua professora de pilates e um bolo de aniversário, trazido por alunos, com a mensagem ‘com carinho’ escrita em braille, com jujubas. “O valor humano do braille vai além do que o relevo pode mostrar”, emociona-se.

Não basta ter

Alguns desafios impedem a ampliação do sistema no Brasil. “Temos tecnologias que produzem relevo em diferentes superfícies, mas falta barateamento. Temos legislações, mas falta fiscalização”, resume Barbosa. Para Romaqueli, informações sobre como o braille impacta positivamente a vida de pessoas cegas também seria de grande valia. “É cansativo, senão impossível, a pessoa com deficiência exigir cumprimento das leis em todas as situações. Com conscientização, o braille estaria em todos os espaços sociais”.

Também não basta apenas ter o braille para a acessibilidade acontecer. As sinalizações, por exemplo, precisam estar bem afixadas e seguindo diretrizes da NBR 9050. “Os rótulos dos medicamentos não devem ser obstruídos por adesivos ou etiquetas de preços ou lacres. Os cardápios devem estar legíveis, pois geralmente ficam esquecidos e possuem relevo deteriorado, reduzindo a qualidade de leitura. Os mapas táteis precisam estar em lugar de fácil acesso, livres de barreiras físicas, sem servir de mesa para acumular objetos”, alerta Barbosa.

A professora já encontrou placas de sinalização em braille de ponta cabeça, assim como uma escada que apresentava os sinais de ‘início’ e ‘final’ invertidos. “Rótulos com grafia errada ou letra espelhada também são comuns”, indica.

Desafios da alfabetização

O ensino do braille requer técnica e deve ser feito por profissional especializado no letramento. “Não se ensina decorando pontos de cada letra. Essa superficialidade é motivo de muitos fracassos no aprendizado”, alerta Barbosa, que aprendeu o sistema aos 14 anos de idade.

“Antes, lia e escrevia mais pelos ‘olhos’ e ‘vozes’ emprestados dos meus pais, colegas de classe e professores”, compartilha. Sua cidade, Guaratinguetá (SP), possuía uma única professora de braille, o que a incentivou a seguir carreira no magistério. “Despertou o interesse em contribuir para comunicar, informar, ensinar e transformar realidades”, justifica.

Mesma história de Fronteira, que não encontrou professor de braille com facilidade no seu município, Duartina (SP). “A dificuldade me motivou a criar um projeto que compartilhasse materiais de ensino sobre o sistema, como o alfabeto, pontuações, acentuações e matemática básica”, explica.

Romaqueli contou com a ajuda do pai quando aprendeu o braille no ensino infantil, que precisou se alfabetizar no sistema com a filha para servir de interprete para os professores dela. “Ele transcrevia minhas atividades para os docentes corrigirem”, lembra.

Atualmente, a Política de Educação Especial garante o direito ao aluno cego de um especialista em braille. Há também instituições não governamentais espalhadas pelo Brasil que oferecem a alfabetização. Ainda assim, o acesso está longe de ser universalizado.

“Temos uma aluna de onze anos não alfabetizada em braille porque não havia professor na sua cidade. O prefeito deveria levar a estudante para a instituição mais próxima, o que não aconteceu”, exemplifica Frontera. A facilidade trazida pela tecnologia também faz com que pessoas cegas desistam de aprender o sistema. “Embora o braille conviva também com as telas e displays”, assinala Barbosa. “Uma criança que perdeu a visão só poderá saber acentos, pontuações e silabas pelo braille. Por isso, uma das bandeiras é a conscientização da própria pessoa cega sobre sua importância”, complementa Frontera.

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