Patrícia Braille estava no ensino médio e tinha 16 anos quando começou a conviver com amigos cegos. Ao decidir escrever em redes sociais, sentiu a necessidade de manter a comunicação com os colegas da escola. Foi quando criou, em 2012, o Projeto #PraCegoVer.
“A hashtag pretende não só oferecer acessibilidade aos cegos, mas também reeducar o olhar de quem enxerga; fazer com que as pessoas que enxergam sejam mais empáticas”, explica a professora de braille e audiodescrição.
Para o presidente da Organização Nacional dos Cegos do Brasil (ONCB), Beto Pereira, a iniciativa de Patrícia provocou as pessoas, fez com que elas começassem a pensar na importância de descrever as imagens postadas em redes sociais.
“Em ambientes online nos quais essas imagens circulam, quando não há a descrição, nós, pessoas cegas ou com baixa visão, viajamos [ficam sem entender]. E aí não é uma viagem legal, é uma viagem do não ter acesso à informação, ao conteúdo”, explica.
No áudio, além de justificar a escolha da #PraCegoVer, Patrícia Braille traz algumas dicas para uma boa descrição de imagens, que estão presentes também no post fixo da página do Projeto #PraCegoVer no Facebook.
Confira algumas dicas da especialista:
– Descreva a imagem de cima para baixo e da esquerda pra direta;
– Contextualize a cena: onde, quem, como, o que está fazendo;
– Descreva todos os elementos de um ponto da imagem e só depois passe para o outro ponto (exemplo: explique os elementos visuais do topo, passe, então, para o centro e finalize com as informações do rodapé).
“Eu tomo por empréstimo as regras da audiodescrição e o mérito do projeto foi justamente trazer aquilo que a academia já produz com a linguagem mais palatável, de forma que todas as pessoas possam fazer”, conclui.
Música “Wishing Well”, de Bird Creek, de fundo
Patrícia Braille:
Uma descrição, uma audiodescrição, já acontecia no cinema, no teatro, ainda meio que timidamente, mas, nas redes sociais, ainda não. E eu não me permitia postar meu conteúdo nas redes sociais sem me importar com essas pessoas através da descrição.
Meu nome é Patrícia Silva de Jesus, eu sou conhecida como Patrícia Braille, formadora de profissionais para assuntos de acessibilidade, inclusão, audiodescrição. E sou autora do projeto #PraCegoVer.
Vinheta: “Instituto Claro – Cidadania”
Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo
Marcelo Abud:
Patrícia tinha 16 anos e estudava no ensino médio quando passou a conviver com pessoas com deficiência visual. Logo, conheceu e se encantou pelo sistema de comunicação visual acessível, o que lhe valeu o apelido de Patrícia Braille.
Quando começa a publicar em redes sociais, a professora e especialista em audiodescrição reencontra alguns de seus colegas com deficiência visual que havia conhecido na escola. É aí que surge, em 2012, o projeto #PraCegoVer.
Patrícia Braille:
“Pra cego ver” é um jogo de palavras; eu precisava de uma hashtag curtinha e impactante, afinal é rede social. A comunicação é rápida e eu não podia colocar uma hashtag muito extensa, tinha que ser uma hashtag curtinha e as duas palavras “cego” e “ver”, na mesma expressão, já causa um estranhamento, mas isso é uma metáfora. “Pra cego ver”, esse “cego” se refere também àquelas pessoas que, mesmo enxergando, não percebem a importância da acessibilidade ou ainda não se atentaram que os cegos também – os cegos e as pessoas com baixa visão – estão nas redes sociais e também querem consumir aquilo que as redes sociais produz.
A hashtag pretende também educar o olhar do vidente, não é só oferecer acessibilidade aos cegos, mas também reeducar o olhar de quem enxerga; fazer com que as pessoas que enxergam sejam mais empáticas.
Marcelo Abud:
Presidente da Organização Nacional dos Cegos do Brasil (ONCB) e consultor de acessibilidade e inclusão da Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual Laramara, o jornalista Beto Pereira reconhece a importância da iniciativa de Patrícia Braille.
Beto Pereira:
Em relação à hashtag “Pra cego ver”, eu penso que tenha sido uma provocação necessária, pra que a sociedade, pra que as pessoas começassem a entender a importância de descrever as imagens postadas em redes sociais, em ambientes online nos quais essas imagens circulam e, por não terem a descrição, acabam fazendo com que nós, pessoas cegas ou com baixa visão, viajemos. E, aí, não é uma viagem legal, é uma viagem muito desagradável, do não ter acesso à informação, ao conteúdo. É uma viagem bem desagradável.
Patrícia Braille:
Os estudos de audiodescrição já me davam lastro pra isso. Então, eu tomo por empréstimo as regras da audiodescrição e o mérito do projeto foi justamente trazer aquilo que a academia já produz com a linguagem mais palatável, de forma que as pessoas todas, eu, você, um leigo e um especialista possa fazer. Então, eu trouxe a audiodescrição pra população, para as pessoas conseguirem descrever.
Marcelo Abud:
Patrícia criou um manual, que está disponível no post fixo da página Pra Cego Ver no Facebook. A ideia é auxiliar todo mundo que queira fazer descrição de imagens. Ela resume os pontos importantes que traz no material.
Patrícia Braille:
Descrever a imagem de cima para baixo; da esquerda pra direta; ir localizando na cena: onde, quem, como, o que está fazendo; descrever todos os elementos de um ponto da imagem e só depois passar para outro ponto, pra não causar nenhuma confusão na apreensão do sentido pela pessoa com deficiência visual. A audiodescrição é uma tradução de um signo visual pra um signo verbal.
Marcelo Abud:
De acordo com a especialista, a descrição de imagens beneficia outras pessoas, como, por exemplo, quem tem deficiência intelectual.
Patrícia Braille:
Porque, como ela gera uma redundância, a imagem aparece e, em seguida, o texto ou a voz do narrador diz o que tem na imagem. Isso reforça a aprendizagem de quem tem deficiência intelectual. Então a audiodescrição ela ajuda muita gente: ela ajuda o daltônico, ela ajuda à pessoa cega, à pessoa com baixa visão.
Música: “Óculos” (Herbert Vianna), com Blitz
“Por que você não olha pra mim (ô ô) / Me diz o que é que eu tenho de mal (ô ô) / Por que você não olha pra mim / Por trás dessa lente tem um cara legal”
Marcelo Abud:
Apesar de beneficiar a todos, Patrícia Braille defende o uso da hashtag Pra Cego Ver.
Patrícia Braille:
E eu precisava evidenciar o grupo que é o maior beneficiado mesmo da audiodescrição. Porque as pessoas podem dizer que ela serve aos daltônicos, que ela serve a quem tem DI, aos idosos, que ela serve a todo mundo, mas o maior público beneficiado mesmo são as pessoas cegas. Então, a minha intenção mesmo era jogar luz, jogar todos os holofotes em cima do cego.
Beto Pereira:
Sempre publico antes de uma imagem a seguinte frase: “Descrição da imagem para pessoas com deficiência visual”. Porque eu penso que, aí, eu estou provocando as pessoas de uma outra forma: o que eu estou fazendo e para quem eu estou fazendo. Então, é uma forma bem particular que eu utilizo pra fazer as minhas publicações, as minhas descrições de imagens, que são bem curtas, bem sucintas – eu acho que nas redes sociais é importante a gente ter esse equilíbrio e esse entre aspas “limite”: não jogar tanta informação nas descrições. Mas eu utilizo essa forma de descrever aquilo que eu posto, quando se trata de uma imagem. “Descrição da imagem para pessoas com deficiência visual”.
Audiodescrição de imagem publicada no Facebook do Instituto Claro, com a voz de Walkíria Britt:
“Hashtag Pra Cego Ver, hashtag Pra Todos Verem. Foto em fundo cinza de um homem cadeirante. Ele está de braços abertos mostrando como realizar um exercício físico.”
Marcelo Abud:
Nas redes sociais do Instituto Claro, além de Pra Cego Ver, é utilizada também a hashtag Pra Todos Verem.
Patrícia Braille:
Não deixem de fazer descrição de imagem, por favor, por causa de hashtag. O projeto não é um projeto de evidenciar hashtag, é um projeto de implementação da descrição. O importante mesmo é a descrição, sabe, que tem que estar bonita, bem feita, casando com o contexto; se não quiser usar hashtag nenhuma, não use.
Música: “Além do Alcance” (Juh de Paula/ Sasquat), com Sasquat
“É bem mais do que ver / Não é um simples olhar / Use o coração e veja a transformação que você pode causar”
Patrícia Braille:
O projeto “Pra cego ver” já virou lei em três munícipios de diferentes estados, em Fortaleza, em Salvador e em Campo Grande já é lei municipal, que toda rede social do serviço público deve, obrigatoriamente, usar descrição de imagem em todos os seus comunicados.
Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo
Marcelo Abud:
Pra cego ver, pra todos verem, descrição da imagem para pessoas com deficiência visual: escolha ou crie a sua própria hashtag. O importante é fazer a descrição da imagem que você posta e tornar o conteúdo mais acessível.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.