Leonardo Valle
Cega do olho direito e com 30% de visão no olho esquerdo, a arquiteta e escritora Raquel Alves descobriu que nem todo o mundo está preparado para lidar com pessoas com baixa ou nenhuma visão. Diagnosticada com glaucoma aos 13 anos, a filha do escritor Rubem Alves sofreu complicações da doença na idade adulta.
Para sensibilizar a sociedade sobre o tema, ela reuniu histórias de pessoas com deficiência visual no livro “Muito além da visão”. “Há jornalistas, professores e até um esportista paralímpico”, revela. A obra reúne 27 depoimentos, um para cada estado, além do Distrito Federal.
“O objetivo também é trazer empatia e aproximar. Que as pessoas não tenham medo de ajudar um cego a atravessar a rua, por exemplo. É uma questão, sim, que interfere na rotina, mas quem tem baixa ou nenhuma visão se adapta e faz tudo”, ressalta.
Como você se descobriu como pessoa com deficiência visual?
Raquel Alves: Sou diagnosticada com glaucoma desde os 13 anos e passei por duas cirurgias. A doença estacionou até que, há oito anos, voltou e não estabilizou. Tenho visão de 30% no olho esquerdo e fiz uma cirurgia para tentar salvar a visão do direito, com o qual enxergava bem. Não consegui e fiquei cega deste olho também.
Quais os desafios que você viveu nesta trajetória?
Alves: O mundo não é preparado para a pessoa com deficiência visual. Ela não tem autonomia e depende de ajuda. Quem não consegue enxergar não consegue andar em determinados lugares, pois não tem orientação. A referência é a visão e é preciso desconstruir esse universo e construí-lo novamente. Processo que não é rápido e eu ainda estou vivendo. Também é preciso reeducar o mundo ao redor, pois nem todos sabem como lidar. As pessoas em volta tentam fazer o melhor e nem sempre conseguem, e a gente tem que ensinar como fazer. Também é exercitar a paciência com você mesmo, por não conseguir fazer as coisas como antes.
Sobre o que a sociedade precisa se conscientizar em relação às pessoas com deficiência visual?
Alves: Das 6,5 milhões de pessoas que se declaram com deficiência visual, apenas 500 mil são cegas, o restante tem baixa visão. Mas a sociedade tem mais familiaridade em entender o absoluto: enxerga ou não enxerga. Na baixa visão, cada um vê de uma forma única. Eu, por exemplo, vejo bem no smartphone e computador, mas perdi o campo visual e enxergo só o que está na minha frente. Para andar na rua, necessito da bengala. Entretanto, há pessoas que são o oposto: perderam a visão central e têm a lateral. Elas podem andar sem bengala, mas não conseguem ler. Cada patologia é diferente, as necessidades mudam e falta conhecimento. É instituído que essa população, por exemplo, usa bengala verde. Nem todo mundo sabe disso. Já elogiaram minha bengala achando que era uma escolha.
Como surgiu a ideia do livro “Muito alem da visão”?
Alves: Quando comecei a me entender como pessoa com deficiência visual, estacionei o carro na garagem pela última vez e percebi que não conseguiria seguir a vida do jeito que fazia até então. Isso me deixou muito triste. Naquele momento, eu não estava preparada para usar bengala ou procurar uma instituição, estava precisando de acalanto, acolhimento e apoio. Precisava conversar. Procurei grupos de acolhimento, mas não encontrei naquele momento. Na internet, encontrei o livro “Histórias de baixa visão”, organizado pela Mariana Baierle e ele me ajudou. Encontrei autores que perderem ou estavam perdendo a visão e vi que existia luz no fim do túnel. Conheci a organizadora e ela me convidou para participar da segunda edição. Tive a ideia de fazer algo mais abrangente, com pessoas de todos os estados e do Distrito Federal. Conversei com a Mariana e ela viu que esse seria um outro projeto. Fui atrás dos personagens e os convidei para contarem suas histórias.
Do que o livro trata?
Alves: O livro fala da vida, conquistas e desafios de cada autor. São pessoas com deficiência, mas que não são limitadas: há jornalistas, professores e até um esportista paralímpico. Cada autor retrata a origem da sua perda visual e as causas são diversas.
Qual o objetivo do livro?
Alves: Construir uma sociedade que busque proporcionar uma convivência entre todos. Lembrar que mesmo que uma situação não seja comum, como é não enxergar, não significa que seja anormal. Também é trazer empatia e aproximar. Que as pessoas não tenham medo de ajudar um cego a atravessar a rua, por exemplo. É uma questão, sim, que interfere na rotina, mas a pessoa se adapta e faz tudo.
O que é necessário para mudar essa realidade?
Alves: Uma vez, estava em um restaurante e esqueci minha lupa. O amigo que me acompanhava leu o cardápio para mim. Na hora do pedido, o garçom perguntou o que nós desejávamos apenas para ele. Como se junto com a deficiência visual você perdesse a capacidade de escolha. Existe um tabu grande em falar sobre o assunto, mas é melhor abordar abertamente e com gentileza do que fazer de conta que nada está ocorrendo. Fazer com que os outros perguntem para a pessoa com deficiência o que ela necessita, pois só ela pode ter a resposta. A educação é importante. Por exemplo, que as crianças possam experienciar como é não enxergar em dinâmicas na escola. E mudar a tecnologia. Muitos sites ainda não são inclusivos, não levam em conta que a pessoa com baixa visão ou cega não acessa as imagens ou arquivos em pdf.
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Crédito das imagens: divulgação