Pessoas com deficiência que possuem liberação médica podem – e devem – frequentar academias de musculação, como explica a professora da pós-graduação em Ciências da Reabilitação e Desempenho Físico Funcional da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Lidiane Fernandes.
“A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146/2015) garante acesso a ambiente físico com acessibilidade arquitetônica, respeito e dignidade às necessidades específicas, além do direito a uma prática e a um ambiente adaptados”, resume.
Porém, barreiras físicas e comportamentais ainda são uma realidade para PCDs nas academias.
“Já fui barrada em academias por ser cega, sendo informada de que só poderia treinar pagando também por um personal trainer. Após ameaçar processar, a situação foi resolvida”, relata a engenheira de software Geisa Farini.
“Uma cega na academia”
Ao se fazer presente nesses espaços, Farini vivenciou transformações. “Quando eu mostrava ser possível, sem risco, e que não tomava o tempo do professor, que bastava me levar ao aparelho e me entregar o peso para que eu executasse o exercício sozinha, sem precisar de correções além do convencional, as academias mudavam — e passavam, inclusive, a acolher outras pessoas cegas.”
A relação com os professores também mudou. “Muitos passavam treinos leves por acharem que, por ser cega, eu não conseguiria pegar peso. Em uma aula de jump, o professor — que não tinha experiência com pessoa cega — propôs adaptações. Colocamos o jump encostado em uma parede, para que eu tivesse uma referência de apoio; ao me acostumar, fiz a aula junto com todos, com autonomia”, diz ela, que compartilha nas redes sociais vídeos mostrando como é ser “cega na academia”.

Para ela, mudanças de atitude transformam um ambiente que ainda é hostil para cegos.
“A academia é um espaço grande, sem demarcações no chão avisando se há um aparelho à sua frente. É possível se machucar com os pesos de outras pessoas”, descreve Farini.
“O ideal seria ter piso tátil e alerta na frente de cada aparelho, além dos nomes dos equipamentos e os pesos em braile. Não é preciso que o professor fique ao lado o tempo todo; bastaria que houvesse botões que ao serem acionados chamassem o profissional para fazer a condução até o próximo aparelho”, complementa.
Treino para pessoa autista
Doutor em Tecnologia e Sociedade, Rodrigo Diesel está dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA) e treina há dois anos. Ele conta que frequentar a academia o ajudou a superar traumas relacionados ao bullying nas aulas de educação física. “Isso me gerou bloqueios e passei 30 anos sem me exercitar, o que prejudicou minha saúde.”
Segundo ele, academias não costumam ser inclusivas para autistas devido ao excesso de estímulos. “Música alta, luzes fortes, ambiente abafado, lotado e a necessidade de revezar aparelhos trazem ansiedade e podem gerar crises. Há também o medo de ser julgado, já que autistas podem ter dificuldade ou alteração na percepção corporal, o que influencia no equilíbrio e na coordenação motora”, destaca.
“O ideal seria reduzir os estímulos sensoriais, treinar com abafadores de ruído e haver espaços destinados à regulação sensorial”, aponta Diesel.

A falta de preparo dos professores também é um obstáculo. “É necessário compreender que se trata de uma deficiência oculta, para que não sejamos cobrados como pessoas neurotípicas. Precisamos de instruções claras e de exercícios que respeitem nossas necessidades sensoriais e sociais”, exemplifica.
Para ele, a melhor opção foi treinar em um estúdio de musculação, com horário agendado e poucas pessoas no mesmo espaço. “Geralmente treino no mesmo horário e com as mesmas pessoas, o que me traz rotina e conforto. As crises diminuíram, e ganhei mais força para realizar as atividades do dia a dia”, relata.
Como benefício, ele destaca a melhora na percepção corporal. “Havia partes do meu corpo que eu nunca tinha movimentado, e precisei criar novas conexões mentais para conseguir controlá-las. Além da autoestima — eu tinha vergonha do meu corpo”, completa.
Manobras com cadeira de rodas
A atleta Katleeny Teixeira é usuária de cadeira de rodas e decidiu iniciar a musculação para fortalecer o tronco, melhorar a postura e evitar dores causadas pelo tempo prolongado sentada. “A musculação entrou na minha vida como forma de conquistar independência e saúde”, explica.
No entanto, enfrentou dificuldades arquitetônicas, como ausência de rampas, corrimãos, portas largas, banheiros adaptados e vestiários acessíveis.
“Faltam equipamentos adaptados ou ajustáveis para quem treina sentado, espaço suficiente para manobras com cadeira de rodas, profissionais com conhecimento sobre reabilitação e fisiologia de pessoas com deficiência e, principalmente, empatia”, enfatiza.
“Há quem ache que PCDs só podem fazer fisioterapia, como se houvesse uma suposição de incapacidade. Ignora-se a importância dos exercícios regulares para fortalecer músculos ainda funcionais. Também se esquece que PCDs têm objetivos estéticos, de bem-estar e de superação, como qualquer outra pessoa”, afirma. “Ser visto, respeitado e incluído também faz parte do treino.”

Capacitação profissional é essencial
Fernandes explica que a inclusão de PCDs nas academias de musculação deve ser pensada em camadas.
“É preciso garantir uma estrutura arquitetônica acessível, que pode ir desde pequenas adaptações até ajustes mais robustos na infraestrutura”, aponta.
Outro aspecto importante é o maquinário. “Máquinas com assentos não removíveis e sem ajustes de altura ou peso, de difícil manuseio, impedem o uso por cadeirantes, por exemplo. O mesmo ocorre quando não há identificação tátil e visual para pessoas com deficiência visual”, explica.
Ela também destaca a importância de contar com profissionais habilitados e interessados na área da educação física adaptada, disciplina obrigatória nos cursos de graduação desde 2004.
“O treino padronizado, que pode funcionar para uma pessoa sem deficiência entre 25 e 55 anos, não se aplica da mesma forma a uma PCD, que necessita de adaptações relacionadas à execução dos exercícios e aos seus objetivos”, contextualiza.
“Um corpo técnico qualificado combate o capacitismo e torna o ambiente mais acolhedor”, reforça Fernandes.
Para PCDs que desejam iniciar na musculação, Farini deixa uma recomendação: “Não se deixe abater pelo primeiro ‘não’.”
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Crédito da imagem: arquivo pessoal