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O dia 15 de janeiro de 1985 é um marco para a política e a cultura do Brasil. Naquela noite, Brasília se tornou o palco para a escolha de Tancredo Neves (que não chegaria a tomar posse) como primeiro presidente civil após mais de 20 anos de ditadura. Enquanto isso, no Rio de Janeiro, centenas de milhares de pessoas vibravam com uma música e uma imagem que permanecem na lembrança principalmente de quem era jovem naquela época.

“Quando o Cazuza se apresentou com o Barão Vermelho lá no Rock in Rio, o Cazuza tinha se coberto com a bandeira do Brasil, numa expectativa assim de que agora o Brasil vai para frente. Ele encerrou com ‘Pro dia nascer feliz’, desejando um dia ‘feliz pra todo mundo amanhã’”, relembra o doutor em sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Mario Luis Grangeia, que pesquisou sobre Cazuza e Renato Russo. Ele é autor do livro “Brasil: Cazuza, Renato Russo e a transição democrática”.

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Cazuza nos anos 1980 (crédito: divulgação/ site oficial)

O show do Rock in Rio foi um dos impulsos para que Cazuza deixasse a banda que integrava desde 82 e se lançasse em carreira solo. Na nova fase, as mudanças políticas e sociais da redemocratização do país passaram a se refletir em sua obra.

Grangeia aponta que essa perspectiva começa com a música “Um trem para as estrelas”, parceria do cantor e compositor carioca com Gilberto Gil, em que traz críticas à invisibilidade da parcela mais pobre da sociedade. “Ele fala sobre essas diferenças de classe de uma maneira poética, mas com a novidade, trazendo essa temática que não era comum ao repertório dele até então”, reflete.

Trilogia da esperança

O pesquisador cita que Cazuza dizia ter criado uma “trilogia da esperança”, composta pelas músicas “Brasil”, “Ideologia” e “O Tempo não para”. “A gente não pode esquecer que naqueles anos 80 havia muitos casos de corrupção, escândalos, né? Não melhorava a situação econômica da grande maioria das pessoas. Eram anos de muita expectativa e, logo, um bocado de frustração”, contextualiza Grangeia.

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Cazuza em um de seus shows (crédito: divulgação/site oficial)

No áudio, ele explica como Cazuza reflete e incita mudanças políticas e sociais na redemocratização do país, ao expressar anseios e perplexidades da juventude da época. No final, o entrevistado avalia ainda em que aspectos houve avanços na sociedade e em quais ainda é preciso que haja maior atenção.
“Vale a pena a gente ouvir o Cazuza e parar pra pensar que ‘sim, muito se avançou, mas ainda falta muito a avançar nessa questão de integrar, de incluir os mais pobres em relação à agenda de direitos”, conclui.

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Transcrição do Áudio

Música: “Leve Up”, de Quincas Moreira, fica de fundo

Mario Luis Grangeia:
Cazuza teve essa sensibilidade de, no repertório dele, ter retratado uma porção de expectativas, de reações da população brasileira diante daquele período de mudanças, de saída do regime militar e retomada da democracia. Então, realmente tem esse diferencial de não ter olhado só questões da vida íntima, mas, também, questões da vida pública.
Mario Luis Grangeia. Eu sou jornalista e sociólogo, mas principalmente pesquisador, doutorado em sociologia e sou autor, então, deste livro ‘Brasil: Cazuza, Renato Russo e a transição democrática’, que trouxe a gente até aqui.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música: ““Leve Up”, de Quincas Moreira, fica de fundo

Marcelo Abud:
Na noite de 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves foi eleito o primeiro civil para a presidência do Brasil após mais de duas décadas de ditadura no país. Enquanto isso, no Rock in Rio, uma imagem ficaria marcada na memória do hoje doutor em sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mario Luis Grangeia, e de boa parte da juventude brasileira da época.

Mario Luis Grangeia:
Quando o Cazuza se apresentou com o Barão Vermelho lá no Rock in Rio, o Cazuza tinha se coberto com a bandeira do Brasil, numa expectativa assim de que agora o Brasil vai para frente. Ele encerrou com “Pro dia nascer feliz”, desejando um dia ‘feliz pra todo mundo amanhã’…

Trecho do final da apresentação do Barão Vermelho no Rock in Rio:
Cazuza: Valeu, que o dia nasça lindo pra todo mundo amanhã. Com um Brasil novo, uma rapaziada esperta. Valeu!

Marcelo Abud:
O repertório do Barão Vermelho já trazia alguns ensaios de crítica social e política, mas a fase mais engajada de Cazuza acontece quando ele começa a carreira solo, ainda em 1985.

Mario Luis Grangeia:
O ponto de virada dele em termos de crítica social e política foi ‘Um trem para as estrelas’, que a gente pode falar que ele retrata, assim, na fila dos pontos de ônibus, não tem para onde ir. As pessoas que acordam cedo pra pegar ônibus, pra ir para os seus trabalhos.

Música: “Um trem para as estrelas” (Gilberto Gil e Cazuza), com Cazuza
Correm pra não desistir
Dos seus salários de fome
É a esperança que eles têm
Neste filme como extras
Todos querem se dar bem
Num trem pras estrelas
Depois dos navios negreiros
Outras correntezas

Mario Luis Grangeia:
Ele fala sobre essas diferenças de classe de uma maneira poética, mas com a novidade, trazendo essa temática que não era comum ao repertório dele, até então.

Marcelo Abud:
Em entrevista à TVE do Rio Grande do Sul, em 1988, Cazuza fala sobre essa mudança de rota em sua carreira.

Entrevista de Cazuza à TVE-RS, em 1988:
Eu acho que o que está ocorrendo hoje em dia é isso, não é sabe ‘buscar a menina na lanchonete com o carro vermelho’ mais. É pedir hombridade aos dirigentes e querer morar num país decente. É querer ver o povo da gente vivendo dignamente. É querer ser um país, dentro do cenário internacional, um país de peso, um país, sabe… Ver a raça da gente vencendo, em vez de ficar pedindo esmolas.

Marcelo Abud:
Em sua pesquisa, Grangeia lembra que Cazuza dizia ter criado uma trilogia da esperança, composta pelas músicas ‘Brasil’, ‘Ideologia’ e ‘O Tempo não para’.

Mario Luis Grangeia:
A gente não pode esquecer que naqueles anos 80 também eram anos que havia muitos casos de corrupção, escândalos, né? Não melhorava a situação econômica da grande maioria das pessoas.
Eram anos de muita expectativa e, logo, um bocado de frustração. Na letra de Brasil, por exemplo, havia um apelo por amor à pátria, que eu diria que é um patriotismo mais crítico às instituições, aos políticos.

Música: “Brasil” (Nilo Romero / George Israel / Cazuza), com Cazuza
Não me convidaram
Pra esta festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer

Mario Luis Grangeia:
Na ‘Ideologia’ ele mostrava uma certa desesperança primeiro, né?

Música: “Ideologia” (Cazuza e Frejat), com Cazuza
Meu partido
É um coração partido
E as ilusões
Estão todas perdidas

Entrevista de Cazuza à TVE-RS, em 1988:
Ideologia, eu quero uma pra viver. Está faltando valores nos caras que a gente possa confiar. Então eu acho que hoje em dia, as pessoas estão realmente precisando acreditar em alguém, sabe, que tenha uma corrente de pensamento – que ideologia é corrente de pensamento – e não encontram. Porque está tudo muito… você vê os partidos políticos aqui no Brasil, tá tudo muito misturado. Você não sabe… Você vê o cara falando uma coisa num dia e falando outra no outro. Aí o cara tem uma posição um dia, um mês depois tem outra diversa. Então, essa bagunça assim que eu quis falar nessa música, né?

Música: “Ideologia” (Cazuza e Frejat), com Cazuza
Ideologia
Eu quero uma pra viver

Mario Luis Grangeia:
E a terceira música dessa trilogia, que é ‘O Tempo não para’, que é aquela da ‘tua piscina tá cheia de ratos’ e que é um hino do desencanto com o país.

Música: “O Tempo não para” (Arnaldo Brandao / Cazuza)
A tua piscina ‘tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para não, não para

Marcelo Abud:
Entre temas em que Cazuza foi pioneiro em suas músicas e que dos anos 80 para cá ganharam espaço na sociedade, o pesquisador cita a orientação sexual.

Mario Luis Grangeia:
Aparece assim em músicas do Cazuza, como ‘Narciso’, por exemplo, que diz o seguinte: ‘nós somos iguais na alma e no corpo’ ou na letra de ‘Como já dizia Djavan’…

Música: “Como dizia Djavan” (Frejat e Cazuza), com Cazuza
Que o amor não é inviável
Num mundo inacreditável
Dois homens apaixonados

Mario Luis Grangeia:
E essa abordagem sem meias-palavras foi uma novidade, enquanto as gerações anteriores da música não tocavam nele.

Marcelo Abud:
Para Grangeia, apesar de ter havido mudanças importantes, ainda hoje há abordagens das músicas de Cazuza que permanecem atuais na sociedade brasileira.

Mario Luis Grangeia:
A maioria das cidades avançou nessa questão de acesso a serviços públicos, mas ainda tem tanto a avançar em termos de garantir uma renda mais bem distribuída…
Isso ainda continua atual, infelizmente, assim.
Vale a pena a gente ouvir o Cazuza e parar pra pensar que ‘sim, muito se avançou, mas ainda falta muito a avançar nessa questão de integrar, de incluir os mais pobres em relação à questão da agenda de direito.

Música: “Leve Up”, de Quincas Moreira, fica de fundo

Marcelo Abud:
A partir das músicas e declarações, Cazuza reflete e estimula mudanças políticas e sociais, desde a redemocratização do país.
Marcelo Abud para o podcast de cidadania do Instituto Claro.

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