A Lei nº 9.263/1996 estabeleceu o planejamento familiar como um direito no Brasil e orientou que a vasectomia e laqueadura fossem oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Na vasectomia, os tubos que transportam os espermatozoides dos testículos para a uretra são cortados ou bloqueados, impedindo a liberação de espermatozoides durante a ejaculação. Já na laqueadura, os tubos que transportam os óvulos dos ovários para o útero são bloqueados, cortados ou amarrados.

Em 2022, Lei 14.443 trouxe mudanças importantes para o planejamento familiar: acabou com obrigatoriedade de aval do cônjuge para os procedimentos de laqueadura e vasectomia e reduziu de 25 para 21 anos a idade mínima para que homens e mulheres realizem a esterilização voluntária.

Para a professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) Cristiane S. Cabral, as medidas melhoram o acesso aos direitos reprodutivos pela população.

“São mudanças salutares e que ampliam direitos. O que vemos no Brasil é que pessoas economicamente desfavorecidas têm filhos mais jovens, enquanto as mais ricas [estão] postergando a chegada do primeiro filho.  Então, baixar a idade mínima amplia o acesso a um método definitivo de contraceptivo em uma população mais vulnerável”, analisa.

Segundo Cabral, a retirada da anuência do cônjuge eliminou outra barreira importante para o acesso à laqueadura e vasectomia pelo SUS.

“A lei de 1996 não pensava a reprodução fora de um contexto matrimonial, quando há famílias monoparentais, compostas por filhos de casamentos anteriores ou mulheres que têm filhos sozinhas”, contextualiza.

“Assim, a mudança reconhece outras determinações reprodutivas e o direito de cada homem e mulher escolher se quer ou não ter filhos”, descreve.

Opções contraceptivas

Cabral explica que a noção de direitos reprodutivos foi fundada na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento das Nações Unidas, em 1994, e influenciou a criação da Lei de Planejamento Familiar de 1996.

“Na conferência, foi forjada a ideia de que cabe às pessoas a decisão de poder escolher quando, quantos e como ter seus filhos. Em contrapartida, cabe ao Estado a função de prover os meios para que essa capacidade de escolha e decisão seja realizada”, explica a especialista.

“Esse pensamento ia contra noções mais autoritárias e restritivas, como as políticas de controle de natalidade em vigor na China”, contextualiza.

Segundo Cabral, falar de direitos reprodutivos exige discutir acesso e oferta de métodos contraceptivos, sejam eles de “curta” e “longa” duração, ou definitivos – caso da laqueadura e a vasectomia.

“A laqueadura e vasectomia integram um conjunto de métodos que tem que ser ofertado à população para que ela consiga exercer esse direito de escolha e de controle da sua capacidade reprodutiva. São métodos definitivos porque seus procedimentos de reversão são complicados e nem sempre eficazes”, descreve.

De acordo com Cabral, a pílula anticoncepcional pode ser considerada um método de “curta” duração. “Ela é de gestão diária, tem todo um aparato para se aprender a usar a pílula e questões relacionadas aos seus efeitos colaterais”.

Já os métodos contraceptivos de “longa” são aqueles que possuem duração igual ou maior que três anos, podendo ser revertidos. A lista inclui dispositivos intrauterinos (DIU), como o DIU de cobre e o com hormônio, assim como implantes contraceptivos e injeções de hormônio.

Desafios atuais

“Infelizmente, o que temos visto no SUS é uma oferta seletiva de métodos contraceptivos que rompe com o princípio da universalidade e da integralidade”, analisa Cabral.

“O diafragma sumiu e há pouca campanha para desmistificar o DIU de cobre”, relata a pesquisadora. O DIU de cobre age tanto dificultando a chegada do espermatozoide no útero quanto impedindo que ele fecunde um óvulo nos raros casos em que consegue romper a barreira.

“Além disso, a indústria farmacêutica faz pressão em prol métodos de longa duração, como os hormonais. Temos visto legislações, prefeituras e estados facilitando o caminho de acesso para alguns métodos de acordo com determinados perfis de mulheres, mas não para todas”, aponta.

Cabral também defende a retomada de uma educação sexual sobre contracepção e direitos reprodutivos por meio de políticas públicas.

“Ninguém nasce sabendo. Homens e mulheres precisam aprender sobre contracepção e sobre como fazer gerir a capacidade reprodutiva, iniciativas que foram apagadas”, avalia.

Interessados em fazer laqueadura ou vasectomia pelo SUS devem procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima de sua casa e comunicar a vontade de utilizar o método. Os pré-requisitos incluem ter, no mínimo, dois filhos vivos ou mais de 21 anos.

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Crédito da imagem: Marcello Casal Jr. – Agência Brasil

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