Conteúdos

●    Apresentação da autora;
●    Apresentação do conto e do contexto histórico;
●    Análise do conto;
●    Exercícios de fixação.

Objetivos

●    Compreender o conto Seminário dos Ratos, de Lygia Fagundes Telles;
●    Conhecer a autora e seu contexto literário.

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Palavras-Chave:

Literatura Brasileira. Seminário dos Ratos. Lygia Fagundes Telles.

Proposta de Trabalho:

No roteiro de estudos a seguir, você aprenderá sobre a autora Lygia Fagundes Telles e sua escola literária. Em seguida, encontrará a apresentação do contexto histórico no qual a autora se inspirou para o desenvolvimento do conto. Além disso, verá a apresentação da narrativa e a análise de alguns trechos escolhidos. Ao final, deixamos alguns exercícios de fixação para compreender melhor a linguagem temática da autora. Sugerimos que realize um fichamento para fixar melhor as ideias principais. Assista aos vídeos, ouça o podcast e acesse os links sugeridos. Bons estudos!

1ª Etapa: Apresentação da autora e movimento literário

Lygia Fagundes Telles é escritora, romancista, contista e, aos 97 anos de idade, é um grande nome do cânone literário brasileiro. Considerada uma artista do movimento pós-modernista, a autora busca em sua escrita documentar as condições difíceis de grandes centros urbanos com sua literatura engajada, misturando realismo e fantasia. Seu interesse pela literatura começou na adolescência e sua primeira publicação, “Porão e Sobrado” (1938), foi financiada pelo seu próprio pai, quando ela tinha 15 anos de idade. Casou-se com o jurista Goffredo Telles Júnior, com quem teve um filho, e após o divórcio casou-se com o cineasta Paulo Emílio Salles Gomes.

Foi a partir da publicação do romance “Ciranda de Pedra”, em 1957, que Lygia Fagundes Telles se consagra como escritora e alcança notoriedade no meio acadêmico. O romance traz o ponto de vista de uma menina, filha mais nova de um casal que acaba de se separar, e que vai morar sozinha com a mãe, enfrentando diversos conflitos com a família. Por essa obra a autora ganha um prêmio Jabuti. Dos anos 60 aos 2000, a autora produziu grandes obras com diversas premiações, como Verão no aquário (1963), As meninas (1973), A Disciplina do Amor (1980), A Noite Escura e Mais Eu (1995) e Memória (2000).

O movimento pós-modernista, ao qual pertence a autora, possui características que exploram a pluralidade, a mistura do real e do imaginário, mesclando vários estilos e trabalha também a imprecisão e o individualismo desse período. Esse movimento acompanha todo avanço tecnológico e da expansão da globalização, e isso se reflete nas artes e na literatura. A prosa de Lygia Fagundes Telles possui essas características. Sempre estabelecendo relações com o contexto sociopolítico, suas personagens estão imersas em incertezas. Observamos na narrativa de Lygia algumas fragmentações do foco narrativo e um fluxo de consciência onde observa-se o conflito existencial das personagens.

Para saber mais sobre a autora sugerimos o acesso ao material de apoio abaixo.

–    Sobre a autora
Acesso em: 29/11/2020.

–    A identidade no eu pós-moderno: fragmentação e busca
Acesso em: 29/11/2020.

–    A autora comenta, em podcast, sobre sua inspiração para a criação literária que a consagrou
Acesso em: 30/11/2020.

Lygia Fagundes Telles
Lygia Fagundes Telles (crédito: reprodução)

2ª Etapa: Apresentação do livro

O livro “Seminário dos ratos” foi publicado em 1977 e se constitui como um livro de contos que percorrem os caminhos da narrativa fantástica e lidam com questões típicas dos seres humanos. São 14 contos que trazem temas como amor, solidão, conflitos existenciais, loucura e medos de cada personagem. Muitas vezes a autora transcende as fronteiras do real chegando ao mundo fantástico em suas histórias, pois possui muita habilidade na articulação do enredo.

“Seminário dos ratos” é um dos contos que dá nome ao livro, e faz parte desta compilação onde a narrativa apresenta uma metáfora com a repressão política que vivia o país em 1977. Na capa da primeira edição do livro aparecem dois ratos segurando bandeiras, ao fundo, vemos a figura de uma coroa, dando a ideia de que eram de espécies diferentes, deixando que o leitor use a imaginação para definir a imagem. Os contos são recheados de simbologia do realismo fantástico.

Capa do livro “Seminário dos Ratos” (crédito: reprodução)

As formigas: O conto fantástico narra a história de duas primas que alugam um quarto de um sombrio sobrado. A história é contada em primeira pessoa por uma das meninas estudantes. Uma era estudante de direito, a outra de medicina. Na casa, as meninas encontram um caixote com ossos de um anão. Elas decidem ficar com os ossos com o objetivo de estudar, porém, ao anoitecer, enquanto dormem, uma colônia de formigas aparece para montar, aos poucos, os ossos do anão, o que deixa as garotas muito assustadas. Antes de terminarem de montar os últimos ossos, as meninas fogem e nunca mais retornam para aquela pensão. Ao decorrer do conto podemos observar que a montagem dos ossos pelas formigas é uma forma metafórica das experiências de vida das moças e que, para não enfrentarem as adversidades, elas fogem do lugar antes da montagem total dos ossos.

Senhor diretor: A história é da senhora Maria Emília, que ao completar 61 anos vê em uma banca de jornal a capa de uma revista de um casal se beijando. A senhora acha um absurdo a exposição e começa a escrever uma carta para um diretor de televisão sobre sua indignação. Enquanto escreve a carta, faz uma reflexão de sua vida e como ela gostaria que tivesse sido. Durante todo o conto a narrativa do fluxo de consciência é explorada, revelando a intimidade da protagonista e sua insatisfação.

Tigrela: É um dos mais conhecidos contos da autora, a narrativa deixa a situação ambígua quando conta que divide o apartamento com uma tigresa: Tigrela. O animal é uma mistura de mulher e tigre e apresenta características humanas, como ter ciúmes e embebedar-se. A Tigrela tinha ciúmes de Romana quando tentava se reconciliar com seu ex-marido. Ao final do conto, Romana imagina o suicídio da jovem, sem apresentar um final.

Herbarium: É um conto em primeira pessoa e relata a primeira paixão de uma menina por seu primo mais velho. Para impressionar seu primo botânico, que está doente, a menina sai à caça de folhas raras para dar ao primo. No entanto, ao retornar para casa com uma folha que tinha achado, encontra seu primo saindo com uma moça muito bonita. Na raiva, ela decide não entregar a folha, porém, após pensar muito, acaba entregando num gesto de amor. O conto trata do amadurecimento da menina em relação ao seu primeiro amor não correspondido.

A sauna: O conto se passa em uma sauna, onde o protagonista faz uma análise sobre sua vida. Ele é casado com Marina que o acusa de nunca ter amado ninguém. Nessa reflexão, ele se lembra de como conheceu Rosa. Rosa era namorada de seu melhor amigo. Após muita sedução, ele conquista Rosa e deixa seu amigo muito mal. Durante o relacionamento com Rosa, ele a convence a internar um tio para que pudesse ficar com o quarto para montar um ateliê. Além disso, ele tinha várias amantes e deixava Rosa de lado. Após engordar muito e engravidar, ele a obriga a abortar e vender a casa. Assim feito, ele larga Rosa e vai viajar para a Europa, onde conhece Marina. Nessa lembrança, o protagonista chora e se sente mais aliviado e tudo volta ao normal.

Pomba enamorada ou uma história de amor: O conto também traz a temática do amor platônico de uma mulher por um homem grosseiro chamado Antenor. A mulher nunca consegue conquistar a empatia dele, depois de muito tempo os dois se casam com pessoas diferentes e seguem suas vidas. Certo dia, a Pomba enamorada vai até uma cartomante que diz que seu verdadeiro amor chegaria pela rodoviária. A moça, que agora já era senhora e avó, sabia que Antenor era motorista de ônibus e acreditava que seria ele o verdadeiro amor. Ela se arruma toda e segue para a rodoviária para concretizar seu verdadeiro amor que nunca aconteceu.

WM: Neste conto o leitor se pega vivendo a história de um esquizofrênico. Wlado é paciente de um hospital psiquiátrico, onde está internado por assassinar sua namorada Wing. Porém, durante toda a narrativa, Wlado acredita que está no hospital para acompanhar sua irmã Wanda. Wlado parece ter uma obsessão pelas iniciais WM, pois foi assim que a irmã Wanda o ensinou a escrever seu nome, um M ao contrário. Ao longo da narrativa, fragmentos de lembrança e realidade se fundem para dar vida a este conto.

Lua crescente em Amsterdã: O conto pode ser lido pela perspectiva da narrativa fantástica, onde um casal nos mostra como acontecem os desgastes de uma relação amorosa. A narrativa conta que o casal renunciou a tudo e os dois resolveram se aventurar pelo mundo. Porém as coisas não ocorreram como estavam planejando, e acabaram dormindo numa praça em Amsterdã. Famintos, ao avistar uma menina com um pedaço de bolo, ficam encarando-a, a menina foge e eles resolvem dormir no banco. A menina se arrepende e volta para entregar o bolo a eles, mas só encontra um passarinho (ele) bicando uma borboleta (ela).

O x do problema: A narrativa no conto é uma crítica à alienação. Uma família pobre assiste a um programa de televisão que promete dar 1 milhão se o personagem acertar as perguntas. A família, que mora numa casinha humilde que sempre alaga quando chove, assiste ao programa numa televisão com a imagem muito ruim, torcendo para que o personagem acerte todas as perguntas.

A mão no ombro: Um homem supersticioso sonha com a morte colocando a mão em seu ombro, o que o deixa reflexivo durante o dia. Assim que entra em seu carro, eis que aquele pressentimento da chegada da morte o assombra e ele sente seu ombro ser tocado de leve. Conto em terceira pessoa que ironiza valores burgueses e a sociedade das aparências, que vive para parecer aos outros algo que não é.

A presença: O conto se passa em um hotel onde só se hospedam idosos. Certo dia aparece um jovem e se hospeda no lugar de forma provocativa. A reação dos idosos se dá de forma vingativa, e começam a envenená-lo.

Noturno amarelo: O conto é marcado pela consciência da protagonista que, por muitas vezes, causou sofrimento a muitas pessoas. Laura vai relembrando situações do passado que hoje julga erradas. Situações como o remorso de quase nunca visitar sua avó e de ter roubado uma peça de xadrez do seu avô, traz lembranças que ela, aos poucos, vai tentando entender.

A consulta: A consulta é um conto de humor onde um médico psiquiatra precisa dar uma saída enquanto seu paciente Max o espera para uma consulta. O doutor Ramadian pede a Max que atenda os telefonemas e anote os recados. Em certo momento, um paciente liga para tentar marcar uma consulta de emergência. O paciente vai até o consultório e encontra somente Max, fingindo ser o doutor. Neste conto predomina o humor. Embora relativamente coerentes, os conselhos que dá ao interlocutor não são nada recomendáveis: sugere que ele se mate para superar o temor da morte.

Seminário dos ratos: Conto homônimo do livro, “Seminário dos ratos” é uma crítica à burocracia, à ditadura e à uma elite que acredita não ser integrante da mesma classe social. A história se passa em uma casa de campo onde estão reunidos os chefes de diversas nações para discutirem sobre a situação dos ratos. No conto, eles não possuem nomes e são chamados somente pela ocupação que exercem. Ao final, os ratos invadem a casa e devoram tudo, comida, pessoas, roupas, móveis. O único que sobrevive é o secretário que organiza a festa, pois se esconde dentro da geladeira. O conto deixa o leitor na ambiguidade, pois não esclarece se os líderes políticos também são ratos ou são humanos discutindo a situação dos ratos.

–    Pacote de Abril (1977)
Acesso em: 29/11/2020.

–    Resumo dos contos
Acesso em: 29/11/2020.

–    Seminário dos ratos
Acesso em: 30/11/2020.

–    Realismo Fantástico
Acesso em: 30/11/2020.

3ª Etapa: Análise do conto - Seminário dos ratos

O conto foi publicado em 1977, está ambientado durante o governo de Ernesto Geisel que teve como característica “a abertura política”. A história se passa em um casarão no interior, onde ocorre um seminário que irá discutir o controle populacional dos ratos que, segundo o Chefe das Relações Públicas:

“[…]a população ratal já se multiplicou sete mil vezes depois do I Seminário, que temos agora cem ratos para cada habitante, que nas favelas não são as Marias, mas as ratazanas que andam de lata d’água na cabeça — acrescentou contendo uma risadinha. — O de sempre”. (p.101)

A narrativa é dividida em dois momentos. O primeiro na organização do evento, onde o Chefe das Relações Públicas conversa com o Secretário do Bem Público e Privado, os detalhes do evento que está acontecendo no casarão, o VII Seminário dos Roedores. O segundo momento podemos classificar sendo a invasão dos ratos no local.

O narrador está em 3ª pessoa onisciente, ou seja, conhece os pensamentos de todos os personagens. Como referência ao militarismo e à ditadura, as personagens não possuem nomes, são chamados somente pelo cargo que exercem.

“— veja, Excelência, nem seis horas e já se dispersaram. O Assessor da Presidência da RATESP está instalado na ala norte, vizinho do Diretor das Classes Conservadoras Armadas e Desarmadas, que está ocupando a suíte cinzenta. Já a Delegação Americana achei conveniente instalar na ala sul.” (p.99)

Há, então, um tom irônico na conversa, o Secretário do Bem Público e Privado menospreza as questões públicas e se preocupa somente em manipular as mídias. Nessa época, durante a ditadura no país, qualquer oposição aos ideais conservadores era punida severamente.

“Nossa única fonte vai soltando notícias discretas, influindo sem alarde até o encerramento, quando abriremos as baterias! Não é uma boa tática? Com dedos tamborilantes, o Secretário percorreu vagamente os botões do colete. Entrelaçou as mãos e ficou olhando as unhas polidas.
— Boa tática, meu jovem, é influenciar no começo e no fim todos os meios de comunicação do país. Esse é o objetivo. Que já está prejudicado com esse assessor de perna quebrada.” (p.102)

Ao longo da narrativa a autora coloca várias pistas para indicar quem são as personagens desse conto. Muitas referências são postas para indicar que os organizadores do evento são caricaturas dos militares, como na passagem a seguir.

“— Pois eu escuto demais, devo ter um ouvido suplementar. Tão fino. Quando fiz a Revolução de 32 e depois, no Golpe de 64, era sempre o primeiro do grupo a pressentir qualquer anormalidade.” (p.103)

Podemos interpretar também que no conto os organizadores não acreditavam que pertenciam à mesma classe social. Por isso é possível interpretar que talvez os organizadores também fossem ratos, porém não se consideravam como tal. Segue o trecho que permite essa interpretação:

“— O povo, o povo — disse o Secretário do Bem-Estar Público, entrelaçando as mãos. A voz ficou um brando queixume.
— Só se fala em povo e, no entanto, o povo não passa de uma abstração.
— Abstração, Excelência?
— Que se transforma em realidade quando os ratos começam a expulsar os favelados de suas casas. Ou a roer os pés das crianças da periferia, então, sim, o povo passa a existir nas manchetes da imprensa de esquerda. Da imprensa marrom. Enfim, pura demagogia. Aliada às bombas dos subversivos, não esquecer esses bastardos que parecem ratos — suspirou o Secretário” (p.104)

O segundo momento do conto se dá quando o Secretário interrompe a conversa dizendo que está ouvindo barulhos. O Chefe da Relações Públicas, a princípio, não percebe, mas acaba escutando também. Para se certificar que está tudo bem, sai da sala para percorrer os corredores do casarão até encontrar a fonte do barulho. Ao encontrar o Cozinheiro Chefe esbaforido, correndo para ir embora do lugar, o Chefe das Relações Públicas o questiona:

“Parou no primeiro lance: — Mas o que significa isso? Pode me dizer o que significa isso?
Esbaforido, sem o gorro e com o avental rasgado, o Cozinheiro-Chefe veio correndo pelo saguão. O jovem fez um gesto enérgico e precipitou-se ao seu encontro.
— Como é que o senhor entra aqui neste estado?
O homem limpou no peito as mãos sujas de suco de tomate.
— Aconteceu uma coisa horrível, doutor! Uma coisa horrível!
— Não grita, o senhor está gritando, calma — e o jovem tomou o Cozinheiro-Chefe pelo braço, arrastou-o a um canto.
— Controle-se. Mas o que foi? Sem gritar, não quero histerismo, vamos, calma, o que foi?
— As lagostas, as galinhas, as batatas, eles comeram tudo! Tudo! Não sobrou nem um grão de arroz na panela. Comeram tudo e o que não tiveram tempo de comer levaram embora!
— Mas quem comeu tudo? Quem?
— Os ratos, doutor, os ratos!
— Ratos?!… Que ratos?
O Cozinheiro-Chefe tirou o avental, embolou-o nas mãos.
— Vou-me embora, não fico aqui nem mais um minuto.”
(p.106)

Os ratos aparecem como devoradores famintos. Sem acreditar no cozinheiro, o Chefe das Relações Públicas observa um tumulto na casa e sai para verificar, é quando ocorre a segunda invasão.

As luzes se apagaram. Então, deu-se a invasão, espessa como se um saco de pedras borrachosas tivesse sido despejado em cima do telhado e agora saltasse por todos os lados numa treva dura de músculos, guinchos e centenas de olhos luzindo negríssimos. Quando a primeira dentada lhe arrancou um pedaço da calça, ele correu sobre o chão enovelado, entrou na cozinha com os ratos despencando na sua cabeça e abriu a geladeira. Arrancou as prateleiras que foi encontrando na escuridão, jogou a lataria para o ar, esgrimou com uma garrafa contra dois olhinhos que já corriam no vasilhame de verduras, expulsou-os e num salto, pulou lá dentro. Fechou a porta, mas deixou o dedo na fresta, que a porta não batesse. Quando sentiu a primeira agulhada na ponta do dedo que ficou de fora, substituiu o dedo pela gravata.” (p.107)

O segundo ataque dos ratos confirma que a narrativa retrata a repressão e a desigualdade entre o povo, considerado pelo Secretário uma abstração. Ao encerrar a narrativa, a autora deixa um final ambíguo sobre quem são os ratos e o que estão decidindo no Seminário. A invasão pode ser interpretada como uma luta de resistência dos considerados mais fracos, pois transgridem a ordem estabelecida e trocam de papel social, onde os homens se tornam animais e os animais se transformam em homens.

“No rigoroso inquérito que se processou para apurar os acontecimentos daquela noite, o Chefe das Relações Públicas jamais pôde precisar quanto tempo teria ficado dentro da geladeira, enrodilhado como um feto, a água gelada pingando na cabeça, as mãos endurecidas de câimbra, a boca aberta no mínimo vão da porta que de vez em quando algum focinho tentava forcejar. Lembrava- se, isso sim, de um súbito silêncio que se fez no casarão: nenhum som, nenhum movimento. Nada. Lembrava-se de ter aberto a porta da geladeira. Espiou. Um tênue raio de luar era a única presença na cozinha esvaziada. Foi andando pela casa completamente oca, nem móveis, nem cortinas, nem tapetes. Só as paredes. E a escuridão. Começou então um murmurejo secreto, rascante, que parecia vir da Sala de Debates e teve a intuição de que estavam todos reunidos ali, de portas fechadas. Não se lembrava sequer de como conseguiu chegar até o campo, não poderia jamais reconstituir a corrida, correu quilômetros. Quando olhou para trás, o casarão estava todo iluminado.”

Lygia Fagundes Telles trabalha no conto uma denúncia sobre a situação do Brasil no período da ditadura e o sofrimento da população, tanto na manipulação da mídia quanto na repressão política e econômica. Ao utilizar fatos insólitos, a autora articula a palavra para tratar da resistência e contemplar as questões sociais.

–    Golpe militar de 64
Acesso em: 06/12/2020.

–    Narrativa de resistência: “Seminário dos Ratos”, de Lygia Fagundes Telles
Acesso em: 06/12/2020.

4ª Etapa: Exercícios de fixação

1. (UFPR) Os ratos são nossos, as soluções têm que ser nossas. Por que botar todo mundo a par das nossas mazelas? Das nossas deficiências? Devíamos só mostrar o lado positivo não apenas da sociedade, mas da nossa família. De nós mesmos acrescentou apontando para o pé em cima da almofada.

Considerando o trecho acima, extraído do conto Seminário dos ratos, e a leitura do livro homônimo, de Lygia Fagundes Telles, identifique a alternativa verdadeira.

a) Os contos de Seminário dos ratos, como toda a obra de Lygia Fagundes Telles, representam a tendência literária predominante no Brasil no período da ditadura militar, identificada como literatura-verdade, ou literatura-reportagem.
b) O trecho citado exemplifica o conservadorismo da visão de mundo de Lygia Fagundes Telles, também presente no conto Senhor diretor, em que uma professora denuncia a liberdade excessiva com que o cinema e a televisão passaram a representar a sexualidade.
c) O trecho citado deve ser interpretado de forma irônica, pois é um rato quem condena a transparência no trato dos problemas sociais e familiares, ou seja, o conto opera uma inversão total de valores.
d) Ao lado de Guimarães Rosa e de Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles é responsável pela continuidade de uma tradição literária marcada pelo engajamento dos escritores em projetos literários voltados à denúncia das mazelas e deficiências da sociedade brasileira.
e) O conto citado, bem como a narrativa A mão no ombro em que um homem sonha com sua própria morte, exemplifica uma característica recorrente em Seminário dos ratos: a presença de elementos insólitos nos enredos, às vezes aproximando-se da literatura fantástica.

2. (UFPR) Tendo em vista o livro “Seminário dos Ratos”, de Lygia Fagundes Telles, assinale a(s) afirmativa(s) correta(s).
(01) Trata-se de contos apresentados à maneira de fábulas, cada texto dedicado a um animal, como formigas, pombas, tigres e ratos, todos com características fantásticas.
(02) São contos autobiográficos, evidenciando-se os trabalhos da memória. Há indícios, nos diversos textos, de que a voz da autora ecoa por trás da voz da narradora.
(04) Traço que caracteriza os contos é o desencanto, a frustração das ilusões, seja para o indivíduo, seja para a coletividade.
(08) Vários contos são marcados por uma atmosfera de pesadelo, e neles não há a perspectiva do despertar libertador.
(16) Em alguns contos o ponto de vista é em primeira pessoa, de uma perspectiva feminina; mas há uns poucos em que a voz narradora é masculina, e há ainda outros em terceira pessoa.
(32) A temática da obra gira em torno das desilusões da vida, das misérias da condição humana, mas o amor é apontado como um resgate possível.
Soma ( )

3. (UFPR) Leia o fragmento a seguir, extraído do conto “A mão no ombro” (in: “Seminário dos ratos”, de Lygia Fagundes Telles):
“O homem estranhou aquele céu verde com a lua de cera coroada por um fino galho de árvore, as folhas se desenhando nas minúcias sobre o fundo opaco. Era uma lua ou um sol apagado? Difícil saber se estava anoitecendo ou se já era manhã no jardim que tinha a luminosidade fosca de uma antiga moeda de cobre. Estranhou o úmido perfume de ervas. E o silêncio cristalizado como num quadro, com um homem (ele próprio) fazendo parte do cenário. Foi andando pela alameda atapetada de folhas cor de brasa, mas não era outono.”
Assinale a alternativa correta.
a) Assim como em livros publicados nos anos 70 por Dalton Trevisan e Clarice Lispector, os elementos fantásticos dos contos de “Seminário dos ratos” são resultado de uma estratégia para driblar a vigilância da censura no período da ditadura militar.
b) A presença de um estranho jardim aproxima “A mão no ombro” do conto “Herbarium”, narrativa em que as plantas igualmente colaboram para a composição de um cenário denso, pouco objetivo.
c) A atmosfera de mistério relaciona-se com a psicologia da personagem que – assim como diversos protagonistas de “Seminário dos ratos” – é um ser humano isolado do convívio social.
d) A variedade de detalhes e nuances do trecho apresentado resultam numa exatidão descritiva típica de uma descrição realista.
e) A dificuldade do personagem para identificar o astro luminoso – lua ou sol – justifica-se pelo predomínio dos cenários urbanos na ficção de Lygia Fagundes Telles.

4. (UFPR) Analise as afirmativas a seguir e assinale a correta.
a) Os focos narrativos de “Leão-de-chácara” representam uma visão de mundo distanciada do universo retratado: ambientes e pessoas marginalizadas pela parcela mais rica da sociedade.
b) Em “Como e por que sou romancista”, descobrimos que a literatura, para José de Alencar, deve reproduzir fielmente sua visão de mundo, pois ela é, antes de tudo, um documento político.
c) “O pagador de promessas” – ao contrário de “O santo e a porca”, que apresenta uma compreensão política do mundo – faz uma opção pela religiosidade como condutora da moral social.
d) “Seminário dos ratos” apresenta uma multiplicidade de personagens e diferentes contextos sociais, mas há um fio condutor para o conjunto de contos: uma sensação de absurdo e de deslocamento característicos do nosso tempo.
e) “Em Terras do sem fim”, a violenta luta pela terra é um ingrediente em uma história em que a afetividade e a sensualidade definem o enredo.

5. (UFRS) Considere as afirmações abaixo.
I – Antonio Callado, autor de vários romances e peças de teatro, escreveu “Quarup”, narrativa que mergulha nas profundezas da realidade brasileira pós-64.
II – Dalton Trevisan é autor de contos que exploram, através de personagens comuns, situações extraordinárias vivenciadas em cidades gaúchas.
III – Lygia Fagundes Telles é autora de narrativas, entre as quais “As Meninas” e “Seminário dos Ratos”, que representam ficcionalmente a vivência urbana de personagens que se confrontam com o esvaziamento do sentido existencial.
Quais estão corretas?
a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas III.
d) Apenas I e III.
e) I, II e III.

6. (CFET-PR) Assinale a única alternativa correta quanto ao conteúdo dos contos do livro “Seminário dos Ratos”.
a) Em “Seminário dos Ratos”, o Chefe das Relações Públicas marca um encontro secreto com o Secretário do Bem-Estar Público e Privado e tramam uma estratégia para provocar uma epidemia de ratos que assolará a região.
b) Em “A Consulta”, o médico que tratava dos loucos da clínica troca de lugar com um de seus pacientes, Maximiliano, permitindo que este o analise, revelando, apesar de louco, sua perspicácia e inteligência.
c) “Pomba enamorada ou Uma história de amor” trata do envolvimento de uma assistente de cabeleireira romântica com um homem que é o seu oposto. Ela o persegue com rezas, mandingas, simpatias, convites e cartas de amor, mas não há nada que o faça se interessar por ela.
d) Em “As Formigas”, durante o tempo em que as duas amigas levam para se formar em Medicina, as formigas vão juntando e colando os ossos abandonados de um anão até montar o esqueleto completo.
e) Em “Herbarium”, um médico, com uma doença contagiosa e perigosa, busca repouso na casa de sua tia, num sítio retirado, onde é bem recebido, mas mantido sob discreta vigilância e aura de mistério.

As questões e suas respostas podem ser acessadas neste link.
Acesso em: 30/11/2020.

Respostas

1. e
2. 28
3. b
4. d
5. d
6. c

Roteiro de estudos elaborado pela Professora Fernanda Alves de Souza   

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