Conteúdos

●    Apresentação da autora
●    Apresentação do livro e do contexto histórico
●    Análise da obra
●    Exercício de fixação

Objetivos

●    compreender a obra A falência – de Júlia Lopes de Almeida
●    conhecer a autora e seu contexto literário

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Palavras-Chave:

Literatura Brasileira. Júlia Lopes de Almeida. A falência.

Proposta de Trabalho:

No roteiro de estudos a seguir, você aprenderá sobre a autora Júlia Lopes de Almeida e sua escola literária. Em seguida, encontrará a apresentação do contexto histórico no qual a autora se inspirou para o desenvolvimento da obra. Além disso, neste roteiro de estudos, você verá a apresentação do livro e a análise de alguns trechos escolhidos. Ao final, faça o exercício de fixação para compreender melhor a linguagem temática da autora.

Sugerimos a leitura completa da obra, realizando, ao final, um fichamento com os principais personagens e a trama da narrativa. Ouça o podcast, assista aos vídeos e acesse os materiais de apoio sugeridos.
Bons estudos!

1ª Etapa: Apresentação da autora e movimento literário

Apesar de ter ficado de fora por muito tempo do cânone literário brasileiro, Júlia Lopes de Almeida possui vasta produção literária que a consagra como grande expoente de nossa literatura. A escritora, que também era cronista de vários periódicos, como O País, A Gazeta de Notícias, A Semana, Jornal do Comércio, Ilustração Brasileira, Tribuna Liberal e Brasil-Portugal, produziu romance, poesia, ensaios, teatro e foi uma das mentoras da criação da Academia Brasileira de Letras, porém ficou de fora da academia por ser mulher.

Nascida em 1862 na cidade do Rio de Janeiro, casou-se com o português Filinto de Almeida, jornalista e poeta, que acabou ocupando o lugar na ABL que seria da escritora. Considerada uma escritora com ideais feministas, defendia a abolição da escravatura, o direito ao divórcio e a educação formal para mulheres. Sua obra mais conhecida, “A falência”, foi publicada em 1901, e junto da irmã Adelina Lopes Vieira, publicou o livro “Contos Infantis”, sendo considerada uma das pioneiras a escrever literatura infantil no País.

É associada ao Realismo e ao Naturalismo, pois suas obras são marcadas pela crítica à sociedade brasileira e à aparência. No Realismo, a mulher não é mais idealizada como no Romantismo — por isso as personagens femininas de Júlia Lopes de Almeida são mulheres que cometem erros morais, como egoísmo e adultério, são fortes e superam as dificuldades de uma sociedade patriarcal.
Para saber mais sobre a biografia da autora e sobre os movimentos literários Realismo e Naturalismo, indicamos os materiais de apoio a seguir:

Fonte da imagem: Julia Lopes de Almeida – Wikipedia

●    Realismo
Acesso em: 3.11.2020
●    Naturalismo
Acesso em: 3.11.2020
●    Biografia Júlia Lopes de Almeida
Acesso em: 3.11.2020
●    Podcast da obra “A Falência”
Acesso em: 3.11.2020
●    Artigo: Representações da modernidade em A falência, Cruel Amor e a Isca de Júlia Lopes de Almeida 
Acesso em: 3.11.2020

2ª Etapa: Apresentação do livro e contexto histórico

A falência, publicado em 1901, possui uma linguagem simples e objetiva da realidade carioca de 1891, ano em que ocorreu uma expansão cafeeira no país. A economia desse período era basicamente desenvolvida com o acúmulo do capital vindo do setor cafeeiro. Por ser a capital da República, o Rio de Janeiro contava com mão de obra formada por ex-escravizados e possuía bons serviços urbanos, além de que sua indústria era desenvolvida com o capital excedente da lavoura cafeeira.*O período literário em que o livro é escrito é o Realismo e Naturalismo, e como característica fundamental problematiza as relações sociais do final do século XIX.

O livro conta a história de Francisco Teodoro, um português que enriqueceu com o comércio do café nesse período de expansão do setor cafeeiro, e a esposa Camila, uma mulher de origem pobre, que arranja o casamento como forma de sair da situação que vivia com a família.

A trama se desenvolve a partir do estabelecimento de Francisco Teodoro, um armazém de sacas de café de onde o proprietário fez sua riqueza. O eixo da história está baseado na família de Teodoro, que casou com Camila e tiveram quatro filhos: Ruth, Lia, Raquel e Mário. Junto dessa família, encontramos Nina, uma agregada sobrinha de Camila, que acaba assumindo algumas funções na casa e se apaixonando por seu primo Mário, um bon-vivant que se aproveita da mordomia de ter uma família com posses. O núcleo familiar também é composto pela ex-escravizada Noca, que faz tudo na casa da família. A família também é acompanhada pelas visitas constantes de Dr. Gervásio, que Teodoro já considera “de casa”. Não percebe que além da amizade, o médico tem um caso com Camila.

A falência da família acontece quando Teodoro é seduzido a investir na bolsa de valores e acaba perdendo sua fortuna muito rápido com a queda do valor do café. Assim, acaba suicidando-se e deixando a família sem nada. Camila, sem saída, encontra-se com Gervásio na intenção de que ele se case com ela e adote a responsabilidade de cuidar dela e de sua família. Porém ele não a assume e confessa que já é casado, o que deixa Camila sem chão. As únicas pessoas que agora podem ajuda-la são Nina e Noca, que se matam de trabalhar para sustentar todos.

Material de apoio
●    O café e a República – economia cafeeira
Acesso em: 7.11.2020
●    A Zona Rio Cafeeira: uma expansão pioneira
Acesso em: 7.11.2020

Fonte da Imagem: A Falência – Blog Editora Unicamp

3ª Etapa: Análise da obra

Para a autora, o livro tem a intenção de desenvolver uma narrativa reflexiva a respeito da autonomia da mulher na sociedade e pode ser dividido em dois períodos de acontecimentos: o primeiro à época em que a família vive na fartura, e o segundo quando a falência chega e dá um choque de realidade em todos.

As personagens femininas da história possuem maior profundidade, pois são mais trabalhadas no enredo. Camila, a protagonista, é uma mulher de origem humilde que casou com um rico português e possui atitudes consideradas fúteis, conseguiu sua ascensão social através de um bom casamento e possui um amante. Ruth, filha adolescente, é musicista e, na chegada da pobreza, trabalha dando aulas para ajudar a família.

Nina é sobrinha de Camila, toma as decisões dos afazeres de casa e é apaixonada por Mário, seu primo. Nina possui uma força interna que a move para não deixar que essa família passe por mais dificuldades. Com a mesma origem humilde de Camila, não teve a mesma sorte de se casar com um homem rico e teve que lutar desde cedo para conseguir sobreviver.

[Nina]

Criara-a desde o primeiro ano a avó paterna, d. Emília, sem muitos agasalhos porque o dinheiro era escasso e a paciência já não era nenhuma. Por causa disso, aprendera depressa todos os serviços caseiros, era a copeira da família e, aos nove anos, já não se atrapalhava quando tinha de por uma panela de arroz ou de feijão no fogo. Lá teria ficado sempre em Sergipe, se o Joca não se tivesse casado com uma viúva carregada de filhos e que não podia ver a enteada diante de si… Sempre as antipatias! Não era para tornar má uma criatura? Lembrava-se que não fora também acolhida com entusiasmo na casa de Francisco Teodoro. (p.93)

Noca, a ex-escravizada, é o elo cômico da narrativa, pois utiliza seu misticismo para justificar as causalidades da situação que a família passa. É uma mulher em que todos confiam e possui uma personalidade forte entre a família.

Noca tinha ascendência sobre a criadagem, que a tratava por dona. Mesmo entre os brancos, a palavra da sua experiência era ouvida com acatamento. Ela era a mulher desembaraçada, a doceira dos grandes dias de festa, a única das engomadeiras capaz de satisfazer as impertinências do dono da casa; ninguém sabia como a Noca preparar um remédio, um suadouro, nem dar um escalda-pés sinapizado, nem tão bem escolher o peixe, preparar um pudim ou vestir uma criança. Alegre, forte, faladora e arrogante, com o gênio picado e a língua pronta para a réplica, não admitia admoestações nem conhecia economias. As suas roupas, muito asseadas, cheiravam bem; andava de cores claras e fitas alegres, pisando com todo o peso do seu corpo volumoso e encarando as criaturas de frente, num bom ar de sinceridade. Exímia na tradução e interpretação dos sonhos, era de uma imaginação lentejolada de pequeninas ideias extravagantes e concepções originais. Para o mais insignificante fato, tinha uma explicação misteriosa, embrulhada em névoas e superstições curiosíssimas que saíam da sua boca como lemas fatais, de uma verdade indiscutível. (p.83)

Mário, o filho mais velho do casal, que deveria ser o sucessor de Teodoro no armazém, é um bon-vivant que se aproveita da família para gastar muito com mulheres. Ele sabe da traição da mãe e consegue manipulá-la para que o continue defendendo das ameaças do pai.

Francisco Teodoro conseguiu sua fortuna através da valorização do preço do café no Rio de Janeiro, no final do século XIX, como observamos no trecho a seguir:

O comércio de café nadava em ouro. Casas pequenas galgavam de assalto posições culminantes; havia por todo o bairro cafezista um perene rumor de dinheiro. E a maré do ouro subia ainda com a magna abundância das enchentes que ameaçam inundação. O preço do café chegara a uma altura a que antes nunca tinha atingido. Era um delírio de trabalho por todos aqueles armazéns de S. Bento. No de Francisco Teodoro o movimento era enorme. (p.77)

O comércio do café e seus negócios eram as únicas coisas que importavam para Teodoro, que não considerava que Camila poderia ter uma vida particular fora do casamento e a julgava como uma figura banal, onde só tem valor como esposa e mãe, como observamos no trecho a seguir:

[Teodoro]
– Sei, sei… a vida foi feita para as mulheres. E ainda elas se queixam! Só se fala por aí em emancipação e outras patranhas… A mulher nasceu para mãe de família. O lar é o seu altar; deslocada dele não vale nada! (p.39)

Na sociedade patriarcal do século XIX, a mulher só poderia exercer sua função de mãe e esposa, sendo que qualquer coisa que se afastasse do padrão, não era considerada moral para uma mulher de “família”. Por isso, Camila sente um certo desprezo do marido por ela e a saída que encontra para se sentir valorizada é encontrar um amante, no caso, dr. Gervásio. O médico, que é muito próximo da família, passa todos os dias no palacete para almoçar com Camila. Sua proximidade com a moça não desperta qualquer tipo de ciúmes em Teodoro, pois há muito tempo atrás, quando Ruth era pequena, o médico a salvou de uma infecção pulmonar.

Na concepção de Teodoro, essa aproximação com a família é uma forma de agradecimento por todos os serviços que ele já prestara. Teodoro admira a intelectualidade de dr. Gervásio, que sempre traz novidades e tenta fazer com que Camila se torne uma dama. Na verdade, o médico sempre está intrometido nos assuntos da casa, desde a forma que o jardineiro cuida do jardim, até o tipo de roupa que Camila deve usar para parecer uma mulher fina. Essa intromissão do médico em tudo vai aproximando, aos poucos, e criando uma certa liberdade com Camila.

Camila, apesar de ser uma mulher fútil, conhece bem a sociedade patriarcal em que vive e como as mulheres são culpabilizadas por tudo que acontece com elas. Em certo momento, dr. Gervásio dá um livro para ela, dizendo que o livro era a mesma história de amor entre eles:

– Trata-se de um amor um pouco parecido com o nosso.
– Então não leio. Sei que está cheio de injustiças e de mentiras perversas. Os senhores romancistas não perdoam as mulheres; fazem-nas responsáveis por tudo — como se não pagássemos caro a felicidade que fruímos! Nesses livros tenho sempre medo do fim; revolto-me contra os castigos que eles infligem às nossas culpas, e desespero-me por não poder gritar-lhes: hipócritas! hipócritas! Leve o seu livro; não me torne a trazer desses romances. Basta-me o nosso, para eu ter medo do fim. (p.32)

A traição, apesar de não ser moralmente aceita na sociedade, para Camila é uma forma de compensar as traições do marido e a forma indiferente que ele a trata, pois na visão moralista da sociedade, aceitar esse tipo de situação é natural para as mulheres.

– Remorsos… remorsos de quê? Pensa, Gervásio, que, desde o primeiro ano de casado, o meu marido não me traiu também? Qual é a mulher, por mais estúpida ou mais indiferente, que não adivinhe, que não sinta o adultério do marido no próprio dia em que ele é cometido? Há sempre um vestígio da outra, que se mostra em um gesto, em um perfume, em uma palavra, em um carinho… Eles traem-se com as compensações que nos trazem…

– Isso tudo é vago e abstrato.

– Não importa. E as denúncias? E as cartas anônimas? E os ditos das amigas? Eu soube de muitas coisas e fingi ignorá-las, todas! Não é isso que a sociedade quer de nós? As mentiras que o meu marido me pregou deixaram sulco e eu paguei-lhas com o teu amor, e só pelo amor! E assim mesmo o enganá-lo pesa-me, pesa-me, porque quanto mais te amo, mais o estimo. É uma tortura que parece que foi inventada só para mim! (p.32)

Assim, diante dessa situação, a traição de Camila não lhe faz uma mulher ingrata, somente retribui o que lhe é dado em troca pelo marido.
Francisco Teodoro observa, ao longo da narrativa, que seus vizinhos estão enriquecendo com muita facilidade com o investimento na Bolsa de Valores e fica com receio de que lhe tomem sua parte no comércio.

Incentivado pelos amigos a conseguir ganhar mais dinheiro, aposta sua fortuna e acaba perdendo tudo, chegando à falência da família. Desolado, comete suicídio, deixando a família sem nada.

À uma hora Francisco Teodoro levantou-se muito pálido, persignou-se e rezou, ali mesmo, entre o lampejar das molduras e o ar atrevido do cavalheiro de bronze. Finda a oração, caminhou resolutamente para a sua secretária. A bulha dos seus passos firmes abafou um sussurro leve de saias que deslizavam pela escada abaixo. Francisco Teodoro tirou da gaveta o seu revólver, olhou-o um instante e encostava-o no ouvido quando a mulher apareceu na porta, muda de terror, estendendo-lhe as mãos. Ele cerrou logo os olhos à tentação da vida e apressou o tiro. E toda a casa acordou aos gritos de Camila que, com os braços no ar, clamava por socorro. (p.197)

A partir de então, o restante da família começa a viver o segundo momento da narrativa, a fase da pobreza e das necessidades. Nina começa a tomar frente das ações para que não passem mais necessidades, já que para a sociedade de aparência, a pobreza é mal vista.

Sempre pensara que ele havia de deixar testamento; seria então uma cerimônia completa e bonita, bem certo é que o dinheiro dá prestígio a tudo. Empobrecer… suicidar-se, quem diria? um português, um homem conservador e acostumado ao trabalho! Ainda o maior crime não estava em suicidar-se, estava em empobrecer, em deixar a família na miséria. Na sociedade há só uma coisa ridícula: a pobreza. Vejam se os jornais inscrevem o nome dos miseráveis que vão para a vala. Pois sim! Dizem que o dinheiro não vale nada, mas só dão notícia dos mendigos que deixam moedas de ouro entre as palhas podres do colchão. (p. 199)

Nina cede uma casinha que Teodoro lhe havia dado anos atrás como forma de agradecimento pelos anos de seus serviços, e a família inteira vai morar com ela.

A casa era pequena, em um trecho sossegado da rua de d. Luiza, disfarçada por um jardinzinho mal cultivado. Dentro sentiram-se todos opressos; habituados à largueza de um palácio, parecia-lhes que aqueles tetos e que aquelas paredes se apertariam de repente esmagando-os a todos. O melhor quarto fora arranjado para Mila e as gêmeas; Ruth e Nina dormiriam na mesma alcova, Noca num quarto ao fundo. (p. 205)

Mário, que deveria nesse momento cuidar da família, casou-se com uma francesa e foi-se embora para Paris, deixando a mãe e as irmãs para se virarem sozinhas. No seu retorno depois de meses, pede à mãe que se case novamente. Já que Gervásio era um homem solteiro e ela viúva, poderiam se casar e acabar com o sofrimento da família. Porém, assim que toma a decisão de pedir a Gervásio que case com ela, ele fala toda a verdade sobre sua vida:

Gervásio, pondo-lhe as mãos nos ombros, fe-la sentar-se outra vez, com brandura.

– Para quê? Perguntou-lhe ela, quase chorando.
– Para te dizer tudo: eu sou casado.

Camila abafou um grito, tapando a boca com a mão. Ele dissera aquilo num desabafo, na ânsia do golpe inevitável, com uma voz cortante como a de um machado lanhando um tronco verde. Roto o segredo, apiedou-se logo e falou com humildade, muito chegado a ela. Também pensara nisso, ela também a quereria fazer sua aos olhos de toda a gente, mas estava preso a outra mulher, até que a morte…
 – A morte! suspirou Camila. (p.219)

Na parte final do livro, Camila percebe que foi abandonada por todos os homens que a rodeavam quando era rica — já que estava sozinha, deveria ajudar a família, trabalhando em alguma coisa. Para Camila, fica a lição de que, mesmo na fraqueza, aquelas mulheres não precisam de ajuda masculina para superar suas dificuldades. A coragem de todas para ajudar umas às outras era suficiente para sobreviverem às adversidades que a vida lhe impunha.

A falência é uma produção que foi esquecida ao longo dos anos por apresentar mulheres fortes e independentes que rejeitam determinismos. As personagens se transformam ao longo da narrativa e descobrem uma força interior capaz de mudar seus destinos.

4ª Etapa: Exercício de fixação

1) UNICAMP (2ª Fase)

Resumindo seus pensamentos de vencido, Francisco Teodoro disse alto, num suspiro:

― Trabalhei, trabalhei, trabalhei, e aqui estou como Jó!
(…)
― Como Jó! Repetiu ele furioso, arrancando as barbas e unhando as faces. Não lhe bastava o arrependimento, a dor moral, queria o castigo físico, a maceração da carne, para completa punição da sua inépcia.

Não saber guardar a felicidade — depois de ter sabido adquiri-la — é sinal de loucura. Ele era um doido? Sim, ele era um doido. Tal qual o avô. Riu alto; ele era um doido!

(Júlia Lopes de Almeida, A Falência. Campinas: Editora da Unicamp, 2018, p. 296.)

a) O protagonista de A Falência encarna um tipo representativo da sociedade brasileira do século XIX. Aponte quatro características desse tipo social constatadas na trajetória de Francisco Teodoro.

b) No excerto acima, o narrador se detém no momento em que o protagonista, atormentado, revê sua trajetória e se recorda do avô. Caracterize a voz narrativa nesse excerto e explique seu funcionamento.

RESPOSTA:
a) O tipo representativo da sociedade brasileira do século XIX é o imigrante português que quer ascender. Geralmente, são personagens que representam dois extremos: saem de uma condição de pobreza, conseguindo superá-la rumo a mais impressionante riqueza. Inclusive, uma personagem tipo se caracteriza pela sua previsibilidade e universalidade, o que podemos ainda associar aos traços marcantes dos movimentos literários do período, no caso, Naturalismo e Realismo. Francisco Theodoro é um rico comerciante/dono de um armazém de café do Rio de Janeiro.

A primeira característica da trajetória do protagonista Francisco Theodoro é sua ambição, sobretudo a financeira. Ele é um verdadeiro workaholic (viciado em trabalho), inclusive negligenciando a sua própria família em benefício próprio.
Nesse sentido, ele se assemelha à outra personagem do cânone literário, que é João Romão no romance O cortiço, de Aluísio de Azevedo. *Observação: esse livro fazia parte do repertório obrigatório do vestibular FUVEST 2020, podendo contemplar os alunos do público-alvo que, possivelmente, também estivessem prestando vestibular para essa outra instituição do Sudeste.

A segunda característica de Francisco Theodoro é justamente o percurso de uma trajetória de ascendência rumo à decadência, como indica o próprio título de A falência. O leitor chega a desconfiar como que um personagem tão esperto cai na armadilha de Inocêncio Braga, que o conduz à bancarrota. A terceira característica é o conservadorismo, um dos marcos de sua personalidade.
Isso inclui outros aspectos, como o machismo, por exemplo, presente em várias passagens do livro. Isso também pode ser expresso na forma de indiferença para com a família, no tratamento dos filhos (ele quer que o primogênito Mário seja seu sucessor, mas, ao mesmo tempo, nunca o treina de fato para o trabalho).

Isso ainda pode ser projetado no seu individualismo e egocentrismo, isto é, ele concentra todo o poder na sua própria figura, em si mesmo, constituindo isso num dos motivos de sua falência. Por exemplo, ele não deixava sequer sua mulher – Camila – trabalhar (caso o tivesse feito, talvez, ela teria se adaptado melhor à situação e teria uma fonte de renda).

Inclusive, na questão da ascendência/ruína, tanto financeira quanto humana, moral, existencial, podemos também destacar outro personagem paradigmático, que é Rubião, protagonista do romance realista Quincas Borba de Machado de Assis.

*Observação: este romance também integrava o repertório obrigatório FUVEST 2020. E o quarto traço seria o adultério, representativo dos romances realistas do século XIX, sendo esta inclusive uma das suas principais temáticas.

Esse ponto em A falência é representado, principalmente, no relacionamento adúltero entre Camila e doutor Gervásio, cujo peso é maior, sendo ela casada com Francisco Theodoro, o qual não sabemos que grau de consciência tem do adultério; e entre o do próprio doutor Gervásio com Camila, pois ele era casado, sendo que sua mulher se recusava a se divorciar dele por vingança.

b) No trecho em questão, a voz narrativa se vale do recurso da intertextualidade (diálogo entre textos) com a Escritura Sagrada da Bíblia. Isso tem o intuito de engrandecimento/enobrecimento da própria pessoa de Francisco Theodoro, que considera seu sofrimento digno das personagens bíblicas.
Inclusive, ele quer ter o mesmo comportamento ancestral de arrancar barbas e arranhar a face com unhas, por exemplo. Isso indica a extremidade, a urgência, a pungência do seu sofrimento imediato, o que acaba por culminar em suicídio.

Assim, o trecho relaciona Francisco Theodoro diretamente com o avô, pessoa simples e de origem humilde, pois ele era camponês. Embora Francisco Theodoro fosse de outra classe social, pois era rico, ele resgata essa memória familiar; num momento que se sente sozinho, busca resgatar suas raízes, suas origens. Num plano maior, verifica-se a comparação com a Bíblia, como se ele fosse descendente direto dos grandes patriarcas.

Fonte: Estratégia Vestibulares
Acesso em: 13.11.2020.

Roteiro de Estudos elaborado pela Professora Fernanda Alves de Souza   

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