Conteúdos

●    Apresentação do autor;
●    Apresentação da obra;
●    Análise da obra.

Palavras-Chave:

Literatura Portuguesa. Fernando Pessoa. O marinheiro.

Proposta de Trabalho:

No roteiro de estudos a seguir, você irá aprender sobre o autor Fernando Pessoa e sua biografia literária. Em seguida, encontrará a apresentação do contexto histórico no qual o autor se inspirou para o desenvolvimento da obra. Além disso, neste roteiro, você verá a apresentação do livro e a análise de alguns trechos escolhidos.

Sugerimos a leitura completa da obra, realizando, ao final, um fichamento com as principais partes e a trama da narrativa. Ouça os podcasts, assista aos vídeos e acesse os materiais de apoio sugeridos. Bons estudos!

Objetivos

●    Compreender a obra O marinheiro – de Fernando Pessoa;
●    Conhecer o autor e seu contexto literário.

1ª Etapa: Apresentação do autor e movimento literário

Na historiografia da Literatura Portuguesa, Fernando Pessoa é um dos autores mais consagrados do Modernismo Português. Nascido em 1888, produziu poesias, ensaios, traduções, peças de teatro, crítica literária, novelas, entre outros. Foi educado grande parte de sua vida na África do Sul, onde aprendeu Inglês, publicando algumas obras nesse idioma.

O autor, junto de Mário de Sá Carneiro, ajudou a fundar a Revista Orpheu, em 1915, por meio da qual eram difundidas as ideias modernistas. Dedicou-se grande parte de sua vida à escrita literária e se consagrou com a concepção de seus heterônimos – o que lhe deu grande destaque na história literária. Seus primeiros escritos foram produzidos na adolescência, quando produzia poesias em Inglês. Porém, é na fase adulta que recebe reconhecimento literário.

Fernando Pessoa é conhecido pela extensa criação poética e chegou a traduzir um dos poemas mais famosos de Edgar Allan Poe, “O Corvo”.  Suas principais obras publicadas são: Livro do desassossego; Ficções do interlúdio: para além do outro oceano; O banqueiro anarquista; O marinheiro; Por ele mesmo. Suas principais características são as reflexões sobre a solidão, o tédio e as inquietações do “eu”.

O Modernismo em Portugal surge entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, época em que o país e o mundo viviam grandes transformações sociais, econômicas e políticas. Nesse período, surgiram também grandes invenções, como a eletricidade, o avião, cinema, telefone, entre outros. Tudo isso influenciava os pensamentos e o estilo literário dos escritores. Algumas características desse momento eram o espírito crítico, reflexões sobre a identidade e a presença de uma linguagem usual.

●    Orfismo
Acesso em: 13.11.2020.
●    Heterônimos de Fernando Pessoa  
Acesso em: 13.11.2020.
●    Modernismo em Portugal
Acesso em: 13.11.2020.

Fernando Pessoa
Fernando Pessoa – JJ (crédito: reprodução)

2ª Etapa: Apresentação do livro

O marinheiro, datado em 1913 e publicado na Revista Orpheu em 1915, é considerado um teatro dramático de Fernando Pessoa, onde a narrativa explora o sonho e vidas imaginadas de três mulheres. A peça se passa em um velório, onde o clima melancólico paira no ambiente e a noite custa a passar. A narrativa é estática, as personagens estão sentadas em cadeiras e conversam entre elas.

As mulheres iniciam a conversa lembrando de um passado que possam ter vivido, mas não têm certeza se viveram ou se é só uma invenção para afastar o silêncio. Uma das jovens relata a história de um marinheiro que, perdido em uma ilha, inventa histórias de seu passado para combater a solidão. Ao longo desse processo, o marinheiro fica na dúvida se as histórias que ele está inventando são realidade ou não. O mesmo acontece com as mulheres que acabam duvidando das histórias que contam. O que resta para elas é somente o poder de criação dessas histórias.

Para saber mais sobre a obra, acesse o material de apoio sobre a peça.
●    O marinheiro
Acesso em: 13.11.2020.
●    Podcast sobre o livro “O marinheiro”  
Acesso em: 13.11.2020.
●    Fernando Pessoa – O marinheiro
Acesso em: 13.11.2020.

O marinheiro
O Marinheiro – Assisto porque gosto (crédito: reprodução)

3ª Etapa: Análise da obra

Ao analisarmos a obra, podemos observá-la como um drama onde se revela o psicológico das personagens. Elas não possuem nomes, são designadas por Primeira, Segunda e Terceira, e se chamam por irmãs.  A construção do ambiente é definida na didascália*. O espaço da narrativa é um quarto de um antigo castelo, onde as três velam outra mulher, como podemos observar no trecho a seguir:

Um quarto que é sem dúvida num castelo antigo. Do quarto vê-se que é circular. Ao centro ergue-se, sobre uma essa, um caixão com uma donzela, de branco. Quatro tochas aos cantos. À direita, quase em frente a quem imagina o quarto, há uma única janela, alta e estreita, dando para onde só se vê, entre dois montes longínquos, um pequeno espaço de mar.
Do lado da janela velam três donzelas. A primeira está sentada em frente à janela, de costas contra a tocha de cima da direita. As outras duas estão sentadas uma de cada lado da janela.
É noite e há como que um resto vago de luar.  (PESSOA, 1913)

O roteiro começa com uma das irmãs conversando para romper com o silêncio que vaga no quarto e propondo que contem histórias do passado como uma distração.

PRIMEIRA VELADORA — Ainda não deu hora nenhuma.
SEGUNDA — Não se pode ouvir. Não há relógio aqui perto. Dentro em pouco deve ser dia.
TERCEIRA — Não: o horizonte é negro.
PRIMEIRA — Não desejais, minha irmã, que nos entretenhamos contando o que fomos? É belo e é sempre falso…

Para passar o tempo, vão criando narrativas que nunca aconteceram com elas, mas que ao mesmo tempo criam dubiedade se poderiam ter acontecido algum dia, já que elas não possuem um relógio para ver as horas, o que as deixa desconfortáveis em manter o silêncio.

PRIMEIRA — Não dizíamos nós que íamos contar o nosso passado?
SEGUNDA — Não, não dizíamos.
TERCEIRA — Por que não haverá relógio neste quarto?
SEGUNDA — Não sei… Mas assim, sem o relógio, tudo é mais afastado e misterioso. A noite pertence mais a si própria… Quem sabe se nós poderíamos falar assim se soubéssemos a hora que é?
PRIMEIRA — Minha irmã, em mim tudo é triste. Passo Dezembros na alma… Estou procurando não olhar para a janela… Sei que de lá se vêem, ao longe, montes… Eu fui feliz para além de montes, outrora… Eu era pequenina. Colhia flores todo o dia e antes de adormecer pedia que não mas tirassem… Não sei o que isto tem de irreparável que me dá vontade de chorar… Foi longe daqui que isto pôde ser… Quando virá o dia?…

Aos poucos, as personagens vão falando de um passado confundindo o espectador/leitor sobre o que é real e o que é invenção na vida delas. A SEGUNDA mulher conta para as outras duas que um dia sonhou com um marinheiro, mas que poderia ter acontecido daquela forma que aconteceu, o que deixa dúvidas se é uma invenção dela ou realmente um evento que aconteceu.

SEGUNDA — Vou dizer-vo-lo. Não é inteiramente falso, porque sem dúvida nada é inteiramente falso. Deve ter sido assim… Um dia que eu dei por mim recostada no cimo frio de um rochedo, e que eu tinha esquecido que tinha pai e mãe e que houvera em mim infância e outros dias — nesse dia vi ao longe, como uma coisa que eu só pensasse em ver, a passagem vaga de uma vela. Depois ela cessou… Quando reparei para mim, vi que já tinha esse meu sonho… Não sei onde ele teve princípio… E nunca tornei a ver outra vela… Nenhuma das velas dos navios que saem aqui de um porto se parece com aquela, mesmo quando é lua e os navios passam longe devagar…

A seguir, vemos a história do marinheiro sendo contada a partir de um sonho que a Segunda moça teve um dia. No trecho, ela conta que ao ver o náufrago em uma ilha, o observa construindo histórias de um lugar que nunca existiu, mas que ao criar as fantasias, ele acredita que está vivendo aquelas histórias para se afastar da solidão e do ócio.

SEGUNDA — Sonhava de um marinheiro que se houvesse perdido numa ilha longínqua. Nessa ilha havia palmeiras hirtas, poucas, e aves vagas passavam por elas… Não vi se alguma vez pousavam… Desde que, naufragado, se salvara, o marinheiro vivia ali… Como ele não tinha meio de voltar à pátria, e cada vez que se lembrava dela sofria, pôs-se a sonhar uma pátria que nunca tivesse tido: pôs-se a fazer ter sido sua uma outra pátria, uma outra espécie de país com outras espécies de paisagens, e outra gente, e outro feitio de passarem pelas ruas e de se debruçarem das janelas… Cada hora ele construía em sonho esta falsa pátria, e ele nunca deixava de sonhar, de dia à sombra curta das grandes palmeiras, que se recortava, orlada de bicos, no chão areento e quente; de noite, estendido na praia, de costas e não reparando nas estrelas.

A pátria que a mulher diz que o marinheiro inventou, provavelmente remete a uma Portugal antes da crise política, que marcou a infância do autor. No final do século XIX, Portugal passou por muitas dificuldades. Uma delas foi o Ultimato inglês, de 1890*, onde a Inglaterra exigiu que o rei retirasse suas tropas da região do Xirê, na África. O período que Fernando Pessoa escreve a peça está situado na proclamação da República, em 1910.

SEGUNDA — Um dia, que chovera muito, e o horizonte estava mais incerto, o marinheiro cansou-se de sonhar… Quis então recordar a sua pátria verdadeira…, mas viu que não se lembrava de nada, que ela não existia para ele… Meninice de que se lembrasse, era a na sua pátria de sonho; adolescência que recordasse, era aquela que se criara… Toda a sua vida tinha sido a sua vida que sonhara… E ele viu que não podia ser que outra vida tivesse existido… Se ele nem de uma rua, nem de uma figura, nem de um gesto materno se lembrava… E da vida que lhe parecia ter sonhado, tudo era real e tinha sido… Nem sequer podia sonhar outro passado, conceber que tivesse tido outro, como todos, um momento, podem crer… Ó minhas irmãs, minhas irmãs… Há qualquer coisa, que não sei o que é, que vos não disse… Qualquer coisa que explicaria isto tudo… A minha alma esfria-me… Mal sei se tenho estado a falar… Falai-me, gritai-me, para que eu acorde, para que eu saiba que estou aqui ante vós e que há coisas que são apenas sonhos…

Ao passo que o marinheiro cria as narrativas para fugir da solidão, chega um dia em que ele se cansa de sonhar e não consegue mais lembrar de sua verdadeira história. O sonho do marinheiro representa a pátria que ele gostaria de ter e não a real. Assim, podemos interpretar o trecho como um momento saudosista de Fernando Pessoa.

Ao final, no raiar do dia, as irmãs se questionam sobre tudo o que falavam, tanto a ilha do marinheiro quanto o quarto com as veladoras.

SEGUNDA — Talvez nada disto seja verdade… Todo este silêncio, e esta morta, e este dia que começa não são talvez senão um sonho… Olhai bem para tudo isto… Parece-vos que pertence à vida?…
PRIMEIRA — Não sei. Não sei como se é da vida… Ah, como vós estais parada! E os vossos olhos tão tristes, parece que o estão inutilmente…
SEGUNDA — Não vale a pena estar triste de outra maneira… Não desejais que nos calemos? É tão estranho estar a viver… Tudo o que acontece é inacreditável, tanto na ilha do marinheiro como neste mundo… Vede, o céu é já verde… O horizonte sorri ouro… Sinto que me ardem os olhos, de eu ter pensado em chorar…

Não será tudo sonho? Esse era o medo criado pelas mulheres de não saberem se existem ou não. O marinheiro, que é “sonho de um sonho”, é fruto da imaginação da Segunda mulher que, por sua vez, é fruto da imaginação do poeta, que produz uma nova realidade. Essa construção do passado do marinheiro só passa a existir no momento de uma lembrança imaginária que se torna realidade quando é contada no presente.

TERCEIRA (numa voz muito lenta e apagada) — Ah, é agora, é agora… Sim, acordou alguém… Há gente que acorda… Quando entrar alguém tudo isto acabará… Até lá façamos crer que todo este horror foi um longo sono que fomos dormindo… É dia já. Vai acabar tudo… E de tudo isto fica, minha irmã, que só vós sois feliz, porque acreditais no sonho…

Na poesia de Pessoa, o mundo onírico é característica fundamental na criação poética do autor. Na obra, ele explora a temática questionando sobre o que é sonho e o que é realidade.

Leia o texto e faça um fichamento da narrativa, se perguntando o quanto tem de saudosismo do autor na história, relacionando com os acontecimentos em Portugal e analisando as três personagens. Ouça o podcast com o professor Eduardo Calbucci e faça um resumo das principais ideias. Acesse o material de apoio para tirar todas as dúvidas que surgirem.

●    Didascália
Acesso em: 14.11.2020.

●    Ultimatum britânico a Portugal
Acesso em: 14.11.2020.

●    Sonho e criação na poesia de Fernando Pessoa
Acesso em: 14.11.2020.

Roteiro de Estudos elaborado pela Professora Fernanda Alves de Souza      

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