Assim como acontece na inclusão de diferentes pessoas com deficiência (PCD), o professor não deve partir da deficiência visual do aluno na hora de planejar a aula de educação física. “Independentemente de ser cego, esse estudante tem outras características, formação social, pessoal e histórica. É preciso conhecê-las para pensar as atividades. Ele pode, por exemplo, não gostar de futebol”, diz o pedagogo e pesquisador em cegueira e mobilidade, Ruy Antônio de Miranda.
“É necessário descobrir suas aptidões, pois terá muita coisa que ele poderá fazer. Sem a interação, o docente nunca saberá”, complementa o coordenador de formação do Instituto Rodrigo Mendes, Luiz Conceição.
Conceição lembra que, no passado, era comum o aluno cego ficar na arquibancada, na biblioteca, ou ser deixado de lado, com uma outra criança “escolhida” para treinar com ele e sua bola com guizo, por exemplo.
“Outro erro comum é adaptar a atividade apenas para o estudante com deficiência, mas os demais não se identificarem com ela”, alerta Miranda.
Assim, o segundo passo é descobrir com a classe o que precisa ser desenvolvido por todos e pensar em atividades que contemplem o grupo.
“Ter um objetivo claro com o procedimento proposto é um dos pontos importantes. Isso evita que os demais alunos saiam com a impressão de que a criança ou o jovem cego é incapaz ou que ele é um herói”, complementa Conceição.
“O ideal é que, a partir de uma colaboração coletiva, envolvendo toda a turma, cada aluno, com deficiência ou sem, descubra suas potencialidades e vivencie novas possibilidades”, complementa.
Oportunidades iguais
Conceição lembra que é a partir das potencialidades e necessidades do aluno cego “real” que as adaptações devem ser pensadas.
“As propostas devem ser feitas de acordo com cada caso e durante a aula. Lembrando que não é a criança com deficiência que não aprende, mas nós, educadores, que não encontramos o recurso ideal para possibilitar isso”, destaca.
Miranda, contudo, compartilha algumas das suas experiências inclusivas para inspirar outros professores. “No futebol, por exemplo, a bola com guizo [que faz barulho] e bater constantemente na trave ajuda o aluno cego a se localizar”, ensina.
“Assim como os estudantes sempre chamarem o nome daquele colega para quem irá se passar a bola”, orienta.
Conceição acompanhou um caso de uma aula com baixa visão que, no vôlei, foi incluída pelo uso de uma bola de plástico maior, colorida e com arroz em seu interior, para simular o guizo. “Os estudantes do mesmo time contavam os passes de bola antes de sacá-la contra o adversário”, revela.
Miranda lembra que todas as regras de jogo devem ser pactuadas com a turma. Para completar, como o aluno cego depende muito da audição, vale sensibilizá-los para a importância do silêncio e das pessoas falarem um de cada vez.
“A verbalização por parte do professor é importante, como fazer pedidos claros, narrar o que está acontecendo, mostrar na voz e no corpo do estudante quais os movimentos que serão trabalhados naquela atividade”, afirma Miranda.
Novos estímulos
Para crianças cegas da educação infantil ou primeiros anos do fundamental que recém-chegaram à escola, Miranda sugere o envolvimento do professor de educação física em uma atividade para ajudá-las a reconhecer o espaço. Para isso, recomenda um “tour tátil” usando barbante para definir o percurso, assim como para demarcar portas e barreiras físicas.
“Isso ajuda a trabalhar orientação e mobilidade. O barbante estimulará sua percepção pelo uso das pontas dos dedos, estimulando esse aluno que, mais tarde, aprenderá braile”, sugere.
O especialista também recomenda propor atividades que trabalhem orientação e mobilidade pré-uso da bengala. “Exemplos são brincadeiras e dinâmicas que envolvem empurrar um carrinho ou uma bola com um cabo de vassoura, adicionando diferentes níveis de dificuldade”, finaliza.
*Essa reportagem faz parte do Especial Educação Física Inclusiva, conheça também as outras publicações da série:
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Atualizada em 18/9/2020 às 11h47.