O teatro pode ser um recurso didático para o ensino da matemática nas mais variadas etapas de ensino. Para isso, a professora e pesquisadora, Andrea Gonçalves Poligicchio, sugere combinar a teoria com uma narrativa envolvente. “A disciplina não deve ser o ‘recheio’ principal da trama, mas complementar a narrativa”, explica.

A docente é autora da dissertação de mestrado pela Universidade de São Paulo (USP), “Teatro: materialização da narrativa matemática”. Confira as suas dicas para aplicar a dramatização como recurso pedagógico nas aulas da matéria. 

Qual a relação entre teatro e aulas de matemática?

Andrea Gonçalves Poligicchio: O teatro apresenta uma gama de possibilidades e de relações que podem ser trabalhadas. Como ele está vinculado a uma narrativa, esta pode ter o teor que o professor quiser: ser poética, científica ou, no caso, matemática. Essa forma de arte ainda trabalha fantasia e imaginação, que estão diretamente ligadas à abstração. Essa capacidade de sair da realidade concreta é esperada no tratamento da disciplina. Como resultado, ele ajuda a deixar conteúdos tidos como difíceis mais acessíveis.

Quais conceitos matemáticos podem ser trabalhados?

Poligicchio: Qualquer conteúdo, e em qualquer etapa, pode ser trabalhado: desde geometria, passando por estatística, lógica, matemática financeira e aritmética, até álgebra. Depende de como o professor vai adaptar isso para a aprendizagem e compreensão dos alunos. O ideal é que o conceito matemático seja o “recheio” da história, não a própria trama. Quando se pensa em teatro, imagina-se um enredo criativo e que envolva a atenção dos estudantes. Assim, a disciplina não deve ser o foco principal, mas complementar a narrativa.

Qual seria um exemplo de trama que alia narrativa envolvente e uso da matemática?

Poligicchio: Por exemplo, há uma teoria por trás da progressão aritmética (PA), que apresenta uma sequência de números. O uso do teatro possibilita a concretização disso. É possível usar objetos de cena ou personagens representando essa sequência. No ensino médio, a trama pode ser de mistério e contar com a PA para que os personagens solucionem um desafio, para descobrir qual será a próxima sucessão de números. Conforme a peça vai transcorrendo, eles podem comentar essa sequência: o que eles percebem, qual a regra de formação – que é somar um determinado número –, como se descobre esse número, qual será o próximo etc. Ou seja, a narrativa, personagens e os motivos apresentados são envolventes e a matemática é a chave para isso. Lógica e dedução são outros “recheios” interessantes para serem aproveitados.

Como usar a lógica e a dedução na narrativa teatral?

Poligicchio: A gente costuma acreditar que resolvendo problemas e exercícios de matemática, desenvolve o raciocínio lógico. Mas não é verdade. Muitas vezes, resolver listas de exercícios é um treinamento pautado na memorização. A lógica é abrangente e o professor pode trabalhá-la na peça por meio da dedução: brincar de detetive e encontrar a chave de um mistério. A dedução pode estar em uma narrativa na qual os personagens se deparam com diversas possibilidades. A cada pista, eles descartam uma delas. Ao eliminarem todas, encontram a resposta. A trama de “Alice no País das Maravilhas”, escrita por Lewis Carroll – que também era matemático –, utilizou o efeito da lógica, apesar de ter sido suprimida nas adaptações para desenhos. Há uma versão comentada do autor Martin Gardner desse clássico que pode servir de inspiração para o docente.

As tramas podem ser trabalhadas de forma colaborativa com alunos?

Poligicchio: Sim. Nesse caso, sugiro selecionar conteúdos que já tenham sido trabalhados em aula e pensar em uma história que eles poderiam estar envolvidos. Como os alunos são criativos, surgirão ideias diversas. Lembrando que ensinar matemática usando teatro é um treino tanto para o estudante quanto para o professor. Se o docente se sentir mais à vontade, pode adaptar histórias que já se encontram em livros paradidáticos e, com o tempo, ir criando peças originais com suas turmas. Ou, por exemplo, pegar um conto de fadas tradicional e, em grupo, adaptá-lo para uma versão com conceitos da disciplina.

Quais dicas para o professor de matemática que deseja utilizar o teatro como recurso didático?

Poligicchio: O docente não precisa saber lidar com recursos cênicos ou teatrais, pode ir aprendendo conforme vai aplicando a atividade, contar com a ajuda dos próprios alunos e, também, do professor de artes da escola. Sugiro que as atividades sejam realizadas de forma livre, espontânea e criativa, sem cobranças formais. Isso para justamente tirar o formalismo e rigorosidade, por vezes, vinculados ao ensino da matemática.

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Crédito da imagem: shironosov – iStock

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