Circunscritos à oralidade, os contos da cultura ribeirinha são ricos em crenças e saberes. Foi ao lecionar língua portuguesa na rede pública da cidade de Eirunepé (AM), que Anne Helen Vieira de Farias teve a ideia de aproveitar essas narrativas em um projeto de retextualização da fala para a escrita. O trabalho foi realizado com estudantes do 9º ano do ensino fundamental, que visitaram a Comunidade Rural Vila Gomes para entrevistar um antigo morador, que é referência no local.

“Em cidades do interior do norte, é comum a presença de alunos vindos de comunidades rurais nas escolas urbanas. Esses estudantes de comunidades ribeirinhas vivenciam uma rotina diferente dos alunos da cidade”, explica a professora. “Assim, o projeto permitiu que todos refletissem sobre a sua própria identidade cultural. Eles puderam observar variáveis linguísticas, conhecer histórias que enriquecem o folclore da região e ainda aperfeiçoar e ampliar as práticas letradas de escrita”, observa Farias.

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Outro ponto positivo da sequencia didática foi aproximar os alunos dos diferentes contextos do uso da língua, sejam eles formais ou informais. “Isso evita preconceitos contra a oralidade”, pontua.

Identidade local

Antes de ir a campo, a professora apresentou o gênero conto popular em pelo menos três aulas expositivas. Para ela, a presença da turma na comunidade foi essencial para o desenrolar positivo do projeto.“Durante a etapa da entrevista oral, houve uma aproximação dos 34 alunos com uma cultura local antes desconhecida por eles. O encontro de gerações, a partilha de saberes, o reconhecimento das belezas do lugar foram ganhos que talvez não perceberíamos se não tivéssemos atravessado o rio Juruá”, relata a docente.

A partir do gênero entrevista, os estudantes analisaram as marcas linguísticas comuns da oralidade e as estratégias para transformar um texto oral em escrito. “Eles chegaram já com um rascunho pronto em sala e identificamos as primeiras dificuldades na escrita”, compartilha. De forma geral, os alunos haviam organizado a narrativa como um relatório, apenas descrevendo a visita à comunidade por meio de datas, nomeando participantes e fatos ocorridos.

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Isso porque o ribeirinho forneceu, em seu relato oral, informações isoladas e descritivas sobre os bichos que compõem o folclore amazônico e seus respectivos habitats, baseadas, na maioria das vezes, no seu conhecimento empírico ou na transmissão da informação de geração para geração. “Ou seja, eles tinham aprendido mais sobre os bichos, mas não sabiam como contextualizar essas informações dentro de um conto popular, com o acréscimo de elementos da narrativa”, relata a mestra. Depois de debater a importância de um enredo para o gênero textual conto, a professora pôde guiar os estudantes a usarem a entrevista como matéria-prima para suas histórias.

Registro para o futuro

Os conhecimentos adquiridos foram colocados em prática em uma coletânea que reuniu todas as histórias do projeto. Cada aluno participou da confecção de três textos: um individual, outro coletivo e uma autobiografia. Nesse último, cada aluno se apresentou ao leitor do compilado e falou um pouco de suas próprias vivências. O material foi nomeado pelos estudantes como “Presentes da Memória”. “O objetivo é que eles pudessem ser utilizadas como instrumentos de leitura e aprendizagem pelas crianças da comunidade Vila Gomes, em sua escola local”, observa a professora.

O projeto resultou em uma apresentação de fotos e dos textos tanto para a comunidade da escola quanto para a da cidade. “Foi possível trabalhar princípios pedagógicos como contexto, interlocução e autoria, possibilitando que os alunos refletissem sobre cultura, linguagem e identidade”, resume a docente, que transformou a pesquisa em uma dissertação de mestrado. “Ao final, um estudante me disse: ‘eu vejo a comunidade Vila Gomes todos os dias e não tinha percebido como lá é bonito”, comemora.

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História oral: método usa entrevistas para trabalhar comunicação, escuta e senso crítico

Projeto de livro de memórias aproximou alunos da escrita e gerou reflexões sociais

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