O circo está mais presente na educação física escolar nas últimas duas décadas, porém essa relação não é nova.
“Ela já acontecia nas primeiras décadas do século XIX, com artistas de circo trabalhando como professores. Quando a educação física se consolidou como uma área, exigindo formação e foco na funcionalidade e utilidade do exercício, houve a ruptura”, contextualiza o coordenador do grupo Circus da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marco A. C. Bortoleto.
Entre tantas modalidades circenses, quatro se destacam na escola: manipulação de objetos (malabares), acrobacia, equilíbrio e palhaçaria, geralmente apresentadas por meio de jogos.
“Elas podem trabalhar diferentes habilidades, como força, equilíbrio, coordenação motora, concentração, atenção, criatividade e imaginação”, elenca a mestra profissional em educação física Danielly Caliman.
“Cada uma delas vai trabalhar domínios diferentes: do corpo em relação a outro corpo, do corpo sobre um objeto, sobre a mensagem que eu quero expressar, entre outros”, complementa Bortoleto.
Além disso, há habilidades transversais de cooperação e confiança. “O circo, em grande medida, precisa da ajuda do outro para montar, elaborar, carregar ou fazer alguma acrobacia”, ilustra Bortoleto.
Além disso, proporciona alto engajamento em relação aos esportes, como aponta o pesquisador.
“Talvez porque oferte uma variedade de possibilidades e as crianças acabam encontrando algo que fazem melhor, seja na acrobacia, mímica, equilíbrio etc.”, analisa.
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“Ao contrário de outros conteúdos, o circo não se pauta no binarismo de gênero: não existe circo feminino ou masculino. Ele também ajuda a pensar o corpo de forma não mecânica e em comunicação com outros corpos”, completa o líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Cultura Lúdica, Circo, Educação Física e Esporte da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (Cluciefe/UFMS) Rogerio Zaim-de-Melo.
Linguagem artística
Caliman lembra que o circo na educação física escolar pode ser associado a conteúdos como ginástica e jogos. Além disso, pode ser ensinado de forma interdisciplinar com artes.
“Seu ensino não deve ser restrito apenas às práticas manipulativas, como os malabares, mas envolver a historicidade e a cultura circense”, completa.
Prezar pela segurança dos alunos durante as atividades é fundamental. “Exige atenção e cuidado nas execuções, explicar como cada movimento pode ser feito e como ajudar”, explica Caliman.
“Os colegas podem ser envolvidos na segurança, fazendo a contenção e proteção dos outros alunos, o que também faz parte da socialização”, afirma o doutor em educação física, palhaço e membro do Cluciefe/UFMS Luis Godoy.
Veja abaixo as sugestões dos professores sobre formas de ensinar as quatro modalidades mais populares do circo na escola.
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Manipulação de Objetos – malabarismo
Pode ser realizado com tules, bolas, claves ou materiais adaptados e criados pelos próprios alunos. No e-book “Circu-lando na escola: Possibilidades de intervenção do circo”, Caliman ensina a fazer um barangandã com materiais simples.
Caliman sugere começar com desafios simples e aumentar a complexidade gradativamente. “Inicie com o lançamento de objeto, que pode ser um tule, uma sacola plástica ou uma bolinha de papel, pois o tempo de queda é demorado e isso facilita sua assimilação do movimento. Depois acrescente outros objetos e lembre os alunos de trabalharem com as duas mãos”, indica.
“Em termos de habilidades, o malabarismo trabalha visão periférica, pensamento rápido, como me relaciono com o outro e com o meu erro. Para a segurança de todos, antes de jogar um objeto para o colega, necessita estabelecer uma conexão visual antes”, orienta Zaim-de-Melo.
Além de jogar um objeto, pode-se fazer apenas o floreio dele, que é manipular com giros e círculos um objeto estático.
Além disso, Zaim-de-Melo explica que o malabarismo, igual a música, pode ser feito usando matemática e contagem de números, como uma partitura.
“Por exemplo, no 1 eu jogo a bolinha de uma mão para a outra; no 2 simulo um lançamento, mas não jogo; no 3 coloco a bolinha na altura dos olhos; no 4 eu lanço, entre outras variações”, ensina.
Acrobacias
Zaim-de-Melo indica iniciar as acrobacias com jogos de consciência corporal, como fazer poses imitando diferentes animais, andar coletivamente como uma centopeia ou “elefantinho” – o braço levado à frente simula uma tromba e se conecta com um colega, o de trás passa pelo meio das pernas e se conecta com outro.
“Inicie com acrobacias simples e individuais que muitas vezes já fazem parte do repertório dos alunos, como um salto com um giro ou uma vela com um rolamento”, orienta Caliman.
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Há ainda acrobacias em grupos usando figuras impressas para serem reproduzidas. “Nesse caso, é importante destacar a função que cada aluno desempenhará, base e volante, e suas características. Inicie por duplas, bases de apoio amplas e próximas ao chão, sendo que a relação de confiança entre eles é importante”, completa a educadora.
“Se trabalhar com posições estatísticas, ensine como se deve segurar e dar suporte ao colega, ensinando que devo zelar pelo corpo dele como zelo pelo meu. Para segurança, pode-se fazer atividades em gramado ou em colchão gordo”, completa Godoy.
Equilíbrio de objetos ou sobre objetos
Inicie discutindo o conceito de equilíbrio e desequilíbrio, associando a atividades cotidianas. “Diferencie o ‘se equilibrar’, o ‘equilibrar-se em algo’ e o ‘equilibrar alguma coisa’”, destaca Caliman.
Use recursos simples, como andar em cima de uma linha desenhada no chão; corda suspensa ou não; passar por obstáculos diversos, como bancos e meios-fios; equilibrar uma bolinha ou cabo de vassoura; fazer “pé de lata” para andar ou perna de pau.
“O pé de lata pode ser construído com os alunos usando duas latas de leite em pó, prego e barbante, dando à criança uma noção de como é andar de perna de pau”, sugere Godoy.
Palhaçaria
Aqui vale atividades de mímica e imitação. “Traga elementos que caracterizam os palhaços, explique os tipos de palhaço e a função deles nos espetáculos etc.”, diz Caliman.
Godoy indica explorar as gags, uma piada com o corpo, na qual o palhaço inicialmente não consegue realizar uma ação, até que a faz de forma inesperada.
“Dê o nariz de palhaço para eles explorarem e contarem uma piada, uma história engraçada, ou usarem seu corpo como elemento cômico. Ofereça objetos e peça aos alunos para darem outra utilidade que não aquela cotidiana. Por exemplo, uma garrafa pet pode virar um foguete”, indica Godoy.
Zaim-de-Melo sugere ensinar os alunos a não ultrapassarem limites éticos. “Não zombarem do outro, mas entenderem a si mesmos como objeto do riso”, finaliza.
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Atividades
Os professores podem encontrar sugestões de atividades no canal de YouTube e no repertório de dissertações e teses do Grupo Circus, da Unicamp; no portal Circonteúdo e no ebook “Circu-lando na escola: Possibilidades de intervenção do circo”. Confira algumas delas:
1) Brincando com tule – Danielly Caliman
Com 1 tule (mão direita e esquerda):
- Lançar, bater palma e pegar;
- Lançar, girar e pegar;
- Lançar, bater palma nas costas e pegar;
- Lançar, sentar-se/levantar-se do chão e pegar;
- Lançar de uma mão e pegar com a outra.
Com 2 tules:
- Lançar os dois juntos e pegar;
- Lançar os dois juntos, bater palma e pegar;
- Lançar os dois juntos, girar e pegar;
- Lançar um depois o outro, pegar um depois o
- outro;
- Lançar um, depois o outro, cruzando as mãos
- (cascata ou movimento em “x”), da direita joga para
- a esquerda e da esquerda para a direita.
2) Circuito de equilíbrios – Danielly Caliman
- Andar sobre pneus;
- Pegar no chão um cabo de vassoura com dois pratos fixos nas extremidades, uma bolinha em cada prato, atravessar a corda esticada no chão, colocar o cabo de vassoura no chão apoiado apenas em um pé, tipo aviãozinho;
- Andar no pé de lata.
3) Acrobacias individuais – Danielly Caliman
Peça aos alunos que tentem fazer duas acrobacias, uma seguida da outra, depois três. Entre elas: rolamento para a frente; vela; rolamento para trás; ponte (solo), saltos e giros.
4) Brincadeiras de mímica – Danielly Caliman
Divididos em grupos, cada aluno na sua vez, tira uma palavra ou ação da sacola surpresa, e os outros integrantes do grupo tentam adivinhar o que é. Também pode-se brincar de sombra humana: em dupla, imitando o que o outro faz. “Pode-se exibir um pequeno vídeo do ator Charles Chaplin em um de seus filmes do
cinema mudo, para que visualizem uma forma de se expressar, assim como apresentar o palhaço Piolin”, explica Caliman.
5) Bobinho – Luiz Godoy e Rogerio Zaim-de-Melo
No chão, coloque seis aros nos quais os participantes permanecem dentro. Cada participante tem duas bolas em mãos. Outros quatro participantes ficam fora do círculo e há uma bola a mais.
O objetivo dos participantes que estão fora do círculo é “pegar” quem estava dentro do círculo ou a bola a mais, contudo eles só podem pegar nas seguintes situações: quando os participantes estiverem lançando uma bola, quando o participante estiver com três bolas na mão sem fazer malabarismo ou quando o participante estiver fazendo malabares há mais de sete segundos.
6) Siga o mestre – Luiz Godoy e Rogerio Zaim-de-Melo
Os participantes devem se sentar em uma roda e escolher um deles para ser o mestre. O mestre realiza lançamentos com a bola ou com a clave e os outros o imitam. Enquanto isso acontece, um participante deve ir ao meio da roda, e tem três chances para descobrir quem é o mestre.
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