A gelotologia ou risologia é uma ciência que estuda o riso e humor, assim como seus benefícios físicos, psicológicos e sociais. No âmbito escolar, o ator, palhaço e doutorando em Psicologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP) Marco Guerra defende que o riso seja proposto pelo professor em sala de aula, sendo exercido sempre de forma compartilhada. “Tomás de Aquino na escolástica afirmava, ainda que de forma empírica, que o riso abria o canal da inteligibilidade. Ou seja, depois de rir, era possível entender melhor os ensinamentos”, descreve. “Porém o riso deve ser compartilhado para criar um sentimento de confiança, de coletividade e de empatia”, destaca.

O que é a gelotologia?

Marco Guerra: A gelotologia ou risologia é uma ciência que estuda o riso e seus benefícios. O termo advém de Ghelos, uma figura mítica do grupo do Deus Dionísio. Desde o século XIX, já se conhecia os benefícios terapêuticos do riso, por exemplo, no tratamento da dor. Porém, isso era tido como uma simpatia, uma crendice. No século XX, a gelotologia começa a se constituir como ciência, sendo apoiada pelo desenvolvimento tecnológico, por exemplo, por experimentos usando ressonância do sistema nervoso.

Há diferenças entre riso e humor?

Guerra: O primeiro é um comportamento emocional, relacionado à inteligência de cada um e ao que cada pessoa considera engraçado. Pessoas acham risíveis coisas distintas e, nesse sentido, o riso é perigoso, dependendo do que você escolhe como objeto para rir. Já o humor é um estado de espírito. Em comum, ambos participam de processos terapêuticos e possuem funções sociais também.

O riso é tabu na escola?

Guerra: Sim. Lembro que quando cheguei para cursar pedagogia na Universidade de São Paulo, em 2008, para desenvolver minhas pesquisas sobre pedagogia do palhaço, já tinha 36 anos e lecionava há 15 anos em circo e espaços artísticos. Fui conversar com uma docente do curso sobre a minha pesquisa, profissional hoje já aposentada. Ela me disse que palhaço e educação não combinavam. Falou: “professora que mostrava os dentes em sala de aula estava pedindo para os alunos os quebrarem”. Isso me entristeceu na época.

Marco Guerra
Marco Guerra (crédito: acervo pessoal)

Qual a origem desse tabu?

Guerra: Primeiro, ignorância. Não saber que há uma ciência que estuda justamente os benefícios físicos e sociais do riso, a gelotologia. Segundo, é achar que o riso é sempre jocoso, que tem alguém como alvo, como no caso do bullying. Terceiro são preconceitos antigos no campo educacional, já que a escola deriva historicamente da igreja e há correntes que achavam que Jesus nunca riu; que o riso não era humano nem se encontrava no reino animal, logo, era do diabo. Assim ele se desenvolve no imaginário medieval, por exemplo, na gargalhada de seres tidos como malignos, como as bruxas. Há ainda a herança do militarismo na escola, onde o riso também é rechaçado. Porém, como disse Paulo Freire, é preciso primeiro combater a ignorância, já que ela leva a outros fanatismos e violências.

Quais os benefícios terapêuticos do riso?

Guerra: Quando a pessoa chora de rir, há imunoglobulinas nessas lágrimas, que são anticorpos que fazem parte da linha de defesa contra bactérias e vírus. Isso indica uma função imunológica melhorada. No cérebro, há a liberação de betaendorfinas, neurotransmissor que relaxa o corpo, diminui estresse e funciona como um opiáceo, reduzindo dores. O riso diminui o cortisol produzido pelas glândulas suprarrenais em situações de estresse. Há maior entrada de ar nos pulmões e oxigenação do corpo.

E seus benefícios sociais na sala de aula?

Guerra: Tomás de Aquino na escolástica afirmava que o riso abria o canal da inteligibilidade. Ou seja, depois de rir, era possível entender melhor os ensinamentos. Porém o riso deve ser compartilhado para criar um sentimento de confiança, de coletividade e de empatia.

É o contrário do riso individual ou quando duas pessoas riem sozinhas. Cria uma situação desagradável, porque parece que o objeto do riso somos nós ou um outro. Tanto que é comum a professora dizer aos alunos que riem: ‘do que vocês estão rindo que quero rir também?’ Eu defendo que o riso compartilhado deve partir do educador, que deve induzi-lo. Assim, não há necessidade do riso em pequenos grupos.

O riso compartilhado poderia ajudar a prevenir o bullying?

Guerra: Justamente, porque o riso é ambivalente, tem aspectos positivos e negativos. No contexto do bullying, o riso pode ser maldoso, irônico, sardônico e machucar. Há uma ideia de que temos de rir, mas de alguém. É necessário achar um alvo, que geralmente são pessoas de grupos minorizados e vulneráveis.

O riso tem uma relação com a liberação da sombra de cada pessoa, das pequenas maldades que ficam no inconsciente esperando para escapar. Também devemos atentar que o riso contra o outro é incentivado pela sociedade que, apesar de dizer querer educar para bons valores, vai no sentido oposto a isso. Há inúmeros programas na televisão e streamings em que o riso vem dos comentários sobre o corpo do outro, de como ele se veste, de comparações dos indivíduos com figuras grotescas, etc.

Leia também: Gordofobia na escola: preconceito ainda é naturalizado por professores e alunos

Como o professor pode ajudar a induzir um riso compartilhado?

Guerra: Todo o riso tem o seu objeto, o que é risível. Penso que é necessário estudar o riso antes de propor o mesmo na escola. É necessário estudar os risíveis e, geralmente, os risíveis que aparecem na escola não são de boa qualidade. Para estudos, sugiro os livros “História do riso e do escárnio”, do historiador francês Georges Minois e “O riso e o risível: Na história do pensamento”, de Verena Alberti. Na sequência, é pensar e propor situações onde todos possam rir juntos. Como está escrito no manifesto da Pedagogia do Palhaço, é rir para ajudar a despertar pensamentos sérios, e vice-versa. Em outras palavras, feito de forma consciente, o riso pode reestruturar e revolucionar a escola.

Veja mais:

Palhaço na educação trabalha aceitação do erro, colaboração e aprendizado lúdico

Plano de aula: O riso dos outros

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