O preconceito contra pessoas gordas, chamado gordofobia, acontece, ainda hoje, nas escolas, com o agravante de ser naturalizado pela própria comunidade escolar. Essa foi a conclusão da mestre em educação Valdelice Cruz da Silva Souza durante sua pesquisa em redes municipais do Mato Grosso do Sul no ano de 2018. “A padronização corporal já está internalizada socialmente e a comunidade escolar não possui informação, desconhecendo o termo gordofobia”, relata. “A maioria dos professores acredita que são brincadeiras e reage ao preconceito superficialmente por não considerá-lo grave. Isso coopera para que exclusão, insultos e provocações permaneçam entre os alunos”, acredita.
Esse tipo de negligência também foi notado pela pedagoga Ellayne Pereira Ramos em pesquisa na rede de Jaboatão dos Guararapes (PE), em 2019. “A própria vitima de segregação, estigma e deboche não se vê como tal, culpando-se por se considerar ‘fora do padrão’. Muitos docentes são violentos e tratam também esse corpo de forma pejorativa”, observa.
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Os dados de um raro levantamento nacional sobre o tema, na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE, 2012), corroboram essa análise. Alunos que se declaravam como gordos ou muito magros eram mais sujeitos a sofrerem bullying, solidão, insônia, violência familiar e agressões. Nesse recorte, os do gênero masculino eram ainda mais vulneráveis.
“Manifestações gordofóbicas ocorrem, principalmente, nas aulas de educação física, que exigem mobilidade e agilidade. Gordos são estereotipados como incapazes e raramente escolhidos pelos colegas nas atividades coletivas, além de serem diariamente constrangidos e ofendidos”, relata Souza. Não há legislação específica em relação a esse público no país. Na escola, porém, o tema pode ser tratado via lei antibulling 13.185/2015.
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Exclusão simbólica
A gordofobia da sociedade que também chega à escola tem como um de seus cernes um discurso médico que classifica o corpo gordo como doente. “Desconsideram-se a diversidade de biótipos e a genética”, explica Ramos. Souza ainda aponta a relação entre o padrão de beleza que privilegia o corpo magro com a economia, que se beneficia da insatisfação corporal para vender “soluções” como produtos, serviços, dietas e outras iniciativas para perda de peso.
“A sociedade enxerga a pessoa gorda como improdutiva e incapaz de administrar o próprio corpo. Assim, a gordofobia não é só agressão verbal ou física, mas repulsa fomentada, absorvida e legitimada socialmente”, lista Souza. “Infelizmente, a ideologia que percorre a escola é de que temos que nos adequar aos padrões ao invés de valorizar as diferenças”, complementa.
Professor do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Hugo Monteiro Ferreira diferencia a gordofobia do bullying gordofóbico: “O bullying é uma perseguição sistemática do aluno e tem, nesse caso, a gordofobia como causa. Já esta última se manifesta na escola de diversas formas, principalmente pela exclusão e invisibilidade de quem é gordo. Não há cadeira, arquitetura ou uniforme pensado para esse aluno, que também não se vê representado nos livros didáticos e no currículo”.
Possibilidades pedagógicas
Como alternativas pedagógicas para tratar a gordofobia no ambiente escolar, Ferreira indica trazer para a aula relatos de influenciadores gordos que discutem o tema em vídeos no Youtube ou Instagram. Ramos indica Preta Rara e Alexandra Gurgel, do movimento corpo livre. “Outra possibilidade é dar voz aos alunos, por meio de podcasts. Esses relatos ajudam a fomentar a empatia”, explica o docente.
Os estudantes também podem criar uma exposição com fotografias que retratem corpos diversos. “Uma forma de abordar o tema da diversidade corporal é a construção cultural de padrões de beleza”, aponta o professor. Vocabulários com teor preconceituoso também podem ser trabalhados. “Como ‘olho gordo’, fazer uma ‘gordice’, entre outros”, diz Ramos.
Para completar, há ainda as rodas de conversa, como a idealizada por Samia Veras, de Recife (PE), no projeto “As mil faces de uma plus”. Originalmente voltado para mulheres adultas, ele foi adaptado para alunas do ensino fundamental quando a educadora percebeu a gravidade do problema no ambiente escolar. “Complementamos com uma contação de histórias, atividades de artes que trabalham diferentes características físicas e, ao final, um desfile”, relata.
Para Souza, professores e gestão não devem ficar em silêncio ao notarem a gordofobia em suas instituições. “A escola pode ser hostil e excludente, cabendo aos educadores se posicionarem contra discriminações para transformar esse cenário”.