Conhecer a percepção dos praticantes de bullying ajuda o professor a criar abordagens para enfrentar o problema no ambiente escolar. É o que aponta a mestra em ensino na educação básica e diretora na rede municipal do Rio de Janeiro Katarina Pereira Reis.

Em sua dissertação de mestrado, ela entrevistou 19 alunos que praticaram bullying – sendo 13 meninos e 6 meninas – em uma escola em Duque de Caxias (RJ).

Entre os resultados, ela descobriu que não havia consciência da prática em um primeiro momento.

“Eu via os outros fazendo, daí eu achava que era bom, entrava no meio e fazia também. Via todo mundo ‘zoando’ e ‘zoava’ também”, exemplificou um aluno do oitavo ano do ensino fundamental.

“O termo bullying abrange uma infinidade de manifestações, tornando-o um fenômeno abrangente e de difícil compreensão de modo geral. Nem todos os comportamentos agressivos na escola podem ser classificados como bullying, pois não apresentam continuidade ou não são praticados entre pares, por exemplo. Logo, a banalização do termo dificulta a percepção de real ocorrência”, reflete a pesquisadora.

Ela também observou a naturalização do bullying como prática social por parte dos jovens.

“A gente aqui é tudo amigo e fica de ‘zoação’ entre nós (sic.)”, pontou um estudante do primeiro ano do ensino médio.

“A incompreensão do termo e das ações faz com que a prática seja vista como brincadeira. Os alunos a naturalizam crendo que todos sofrem e todos praticam, que aquilo é parte do processo de socialização”, compartilha Reis.

Prazer em oprimir

Os estudantes justificam a adesão e permanência nessa conduta por desajuste social, permissividade, problemas familiares e necessidade de aceitação pessoal, como descobriu a pesquisadora.

“Antes tinha desavenças entre meu pai e minha mãe. Aí, eu ficava com raiva e descontava em todo mundo”, relatou uma aluna do ensino médio.

“O indivíduo constrói o referencial de ‘certo ou errado’ a partir, especialmente, das consequências de seus atos. Os professores podem contribuir com o desenvolvimento dessas percepções reforçando as regras sociais e institucionais esperadas”, opina.

Os entrevistados também abordaram o “prazer” envolvido na prática e sua relação com reconhecimento e respeito pelos pares.

“‘Zoar’ é engraçado! Todo mundo ri”, confessou um secundarista.

“O prazer pode estar relacionado ao bullying de muitas formas. Os praticantes têm a percepção de que exercem um papel sedutor em relação aos demais, especialmente se forem considerados ‘descolados’.  Assim, relacionam a prática à popularidade”, diz Reis.

“As relações desiguais de poder presentes no bullying também contribuem para a sensação de prazer, na medida em que permitem exercer controle sobre o outro.”

Reis também apontou um caráter social contido no bullying, com os participantes relatando que o consideram uma forma de inclusão no grupo.

“Quando a gente ‘tá zoando’, pensa: geral gosta”, resumiu um aluno do sétimo ano do ensino fundamental.

“Ao mesmo tempo em que os adolescentes buscam romper com alguns padrões estéticos convencionais, eles acabam se identificando a partir de padrões uniformes e excluem quem não se encaixa neles”, assinala.

Abandonando a prática

Os alunos também relataram ver o bullying como transitório. Quando percebem que são afetados e precisam aderir a outros comportamentos, comprometem-se com as regras escolares “Eu parei quando a minha mãe veio na escola”, contou um secundarista.

“Isso significa que eles conseguem desenvolver ferramentas socioemocionais e comprometimento com as instituições que consideram importantes, sejam elas familiares, escolares ou religiosas. E o comprometimento com a própria construção individual e a iminência da vida adulta também podem interferir nesse processo de transição”, destaca Reis.

A pesquisadora lembra, porém, que o professor deve evitar estigmatizar o aluno que pratica o bullying.

“Os estudantes são sujeitos em desenvolvimento, com identidade em formação. Sua rotulação como agressores ou vítimas pode gerar um determinismo nessa construção. Ou a forma como ele é reconhecido no ambiente escolar pode impossibilitar outras escolhas e, consequentemente, a saída dele desse lugar ao qual foi enquadrado. É como uma profecia autorrealizável”, finaliza a educadora.

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Crédito da imagem: A-Digit – Getty Images

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